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Revista TriploV
de
Artes, Religiões e Ciências |
Nova Série |
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JULIÃO BERNARDES |
Caricatura: Paulo Jorge Miranda |
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Notas sobre Judite Teixeira |
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Judite Teixeira nasceu em Viseu em 1873 e veio a falecer em Lisboa em
1959. Além de poetisa foi também novelista e esteve ligada ao movimento
decadentista. Casada, divorciou-se em 1913, tendo voltado a casar em 1914.
A sua poesia é uma poesia de amor, sensual e narcisista, segundo alguns
estudiosos da sua obra. No tempo em que, em Portugal (primeiras décadas do
século XX) a cultura era patriarcal, era habitual a subjugação da mulher a
uma vida doméstica. A única via de libertação da mulher residia na criação
literária – só muito mais tarde lhes será “permitido” cursarem Direito,
Engenharia, etc. Mas essa via também lhes trazia a incompreensão, até
familiar, e o afastamento, quer do local de nascimento quer do país.
Judith Teixeira, pertencendo a esse movimento que dava vazão ao “eu” nos
caminhos do subconsciente e do inconsciente, em franco desprezo pelas
convenções tradicionais, não terá estranhado que o seu primeiro livro,
Decadência, de 1922, tenha sido apreendido pelo Governo Civil de
Lisboa, ainda antes de Salazar ter instaurado a censura. Ao mesmo tempo
que o seu também foram apreendidos Canções, de António Botto e
Sodoma Divinizada, de Raul Leal (terá sido uma censura de obras
de escritores “estranhos”, segundo o parecer de Pedro Teotónio Pereira).
Judith Teixeira publicou ainda: Castelo de Sombras, 1923; Nua.
Poemas de Bizâncio, 1926 e a novela Satânia, 1927.
Defendia a Arte pela Arte, não a submetendo a
nada que não fosse a Dor, a Sensualidade, o Amor, a Vida, e a sua poesia
possuía uma originalidade própria, sendo o tema central da sua obra a
aceitação da multifacetada e complexa realidade individual, pela renúncia
do passado e na confiança de que só a paisagem interior poderá
interpretar artisticamente a realidade exterior. É considerada a nossa
única poetisa “modernista” – as únicas vozes “femininas” do nosso
modernismo pertenceram a homens (Armando César Côrtes-Rodrigues e Fernando
Pessoa, por exemplo) – sendo a sua estética muito semelhante à de Mário de
Sá-Carneiro (poeta que, aliás, se traveste em mulher em alguns dos seus
poemas). Judith Teixeira terá sido uma das primeiras vítimas de exclusão
da história literária e a primeira a lutar, em Portugal, contra o abuso do
poder patriarcal, defensor de uma moral burguesa misógina.
Este texto foi elaborado com base no livro
Judith Teixeira – O Modernismo Sáfico Português, Estudos e Textos de
René P. Garay, de 2002, da Universitária Editora (com poemas traduzidos
para espanhol e inglês).
Embora este livro não tenha tido repercussão
conhecida no meio literário português foi bem recebido no espaço
anglo-saxónico, encontrando-se nas bibliotecas das Universidades de
Oxford, Chicago e na do Texas, Austin, sendo também estudado no âmbito de
um curso sobre o fascismo na Universidade de Cambridge.
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Vítor Silva Tavares no seu Prefácio a
Poemas de Judith Teixeira
(&Etc,1996) considera: “Ora o formulário estético-decadentista da nossa
Autora será assim tão distinto, para pior, dos seus contemporâneos? Não
irrompem dos seus poemas, com assimilada aplicação tropos do “modernismo”
literário então (ainda)
vigente?
A parafernália
imagético-simbolista andará assim tão distante das “insónias
roxas” que ziguezagueiam no Sá-Carneiro anterior às “blagues” futuristas,
seu grito afinal mais sentido? E que dizer dos “fingimentos”
dos
órficos
Violante
de
Cysneiros
(
Côrtes-Rodrigues em travesti), Alfredo Guisado, Eduardo Guimaraens?” |
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António Manuel Couto Viana, no seu livro Coração Arquivista
(Lisboa, Verbo, 1974) refere: “E as «orgias de morfina» – a droga a que a
poetisa chamava «a minha amante» («Dizem que eu tenho amores
contigo/Deixa-os dizer!... /Eles sabem lá o que há de
sublime,/ nos meus sonhos de prazer») – que indignação terão
causado, assim confessadas, com soberano despudor!”E mais à
frente: “Pasmo que qualquer dos poemas citados não tenha merecido à
sensibilidade e cultura de Natália Correia a inclusão na sua Antologia
de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, onde alguns talvez menos
autênticos se coligiram.”
E noutro passo: “É possível também que
a mulher que Judith
Teixeira muita vez desenha sensualis- simamente seja apenas o fruto de uma
atitude narcisista, porque, depois de nos cantar tantos contactos
decadentes, comenta a poetisa: «Amor’s perversos!.../ Amor’s que eu
nunca tive e não terei.»”
António Manuel Couto Viana considera que na Autora, “apesar da
frouxidão e desleixo da forma (quase sempre), há uma personalidade poética
original.” e que Nua, Poemas de Bizâncio, é o seu melhor livro. (A
própria Autora, na conferência que a seguir se refere, afirmava, sobre
ele: “magnólia ardente, em que eu pus toda a sinceridade da minha
consciência de mulher e de artista, e toda a verdade da minha
sensibilidade constantemente sequiosa de beleza.” |
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Em 1926 a Autora proclama na sua De Mim –
conferência – Em que se explicam as minhas razões sobre a Vida, sobre a
Estética, sobre a Moral”: “Quero confessar, pois, à vossa inteligência,
que toda a luxúria em que ritmei certas atitudes nos meus poemas
representa sobretudo a forma mais pomposa e elegante que poderia
corresponder a uma atitude interior mais comandada pela Arte do que pelos
avisos duma moral que uma sociedade se cansa em recomendar aos outros à
força de a infringir.” (sublinhado nosso)
E noutro passo: “A luxúria é uma fonte dolorosa e sagrada de cujo seio
violento corre, cantando e sofrendo, o ritmo harmonioso das nossas
sensações!”
É de Judith Teixeira o seguinte poema, publicado no número 6 da revista
Contemporânea (revista
mensal, da direcção de José Pacheco “feita expressamente para gente
civilizada” e “feita expressamente para
civilizar gente”) onde também colaboraram Fernando Pessoa, Almada, Amadeo
de Souza Cardoso, Aquilino Ribeiro e tantos outros autores.
O meu Chinês
Nos olhos de seda
traçados em viés,
tem um ar tão sensual
o meu Chinês...
Vive sobre uma almofada
de cetim bordada,
pintado a cores.
Às vezes
numa ânsia inquieta
que eu não mitigo,
e que me domina
num sonho de poeta
ou de heroína,
fujo levando
o meu Chinês comigo!
E lá vamos!
Nem eu sei
para que alcovas orientais
em que países distantes,
realizar
as horas sensuais
as horas delirantes
com que eu sonhei!...
......................................
Eu e o meu Chinês
temos fugido tanta, tanta vez!
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Aquilino Ribeiro foi
o único escritor seu contempo- râneo
de que
conhecemos reacção à apreensão do seu livro Decadência, nestes
termos: “Que é moral ou imoral em arte?” e referia-se a Judith Teixeira
como “uma poetisa de valor”.
Li algures que Fernando Pessoa também se terá referido à poesia de Judith
Teixeira, em carta para um dos seus contemporâneos, mas não consegui
encontrar o livro, publicado pela Assírio
& Alvim.
Venere Coricata
“Ante o quadro de Tiziano
Vicelli”
Risca-se numa luz esbraseada
sobre uma pele negra e rebrilhante
a linha do seu corpo estonteante
recortando a nudez estilizada...
Cintilações de cor avermelhada,
vem envolver-lhe a curva provocante!
E na boca perversa de bacante,
agoniza uma rosa ensanguentada!
Num amplexo quimérico cingida,
revolve-se na luz enrubescida,
em espasmos de luxúria, irrealizados...
Contorce-se num ritmo de desejos...
E a luz vai-lhe mordendo todo em beijos
o seio nu, de bicos enristados!
Estio – Poente Rubro, 1922 (Poemas 66)
Ao espelho
As
horas vão adormecendo
preguiçosamente...
e as
minhas mãos estilizadas,
vão
desprendendo
distraidamente,
as
minhas tranças doiradas.
Reflectido no espelho
que me
prende o olhar,
desmaia o oiro vermelho
dos
meus cabelos desmanchados,
molhados
de
luar!
Suavemente, as mãos na seda,
vão
soltando o leve manto...
Meu
corpo lindo de Leda,
fascina-me, enamorada
de
todo o meu próprio encanto...
..................................................
Envolve-me a lua
em
dobras de veludo
nos
páramos do céu
e eu
vou pensando,
no
cisne branco e mudo
que no
espelhante lago adormeceu...
........................................................
Volta
o luar silente...
E a
minha boca ardente
numa
ansiedade louca
procura ir beijar
o seio
branco e erguido,
que no
cristal do espelho ficou reflectido!...
Impossíveis desejos!
Os
meus magoados beijos
encontram sempre a própria boca
banhada de luar
álgido
e frio –
dizendo em segredo
às
minhas ambições,
o
destino sombrio
das
grandes ilusões!
Noite
de Agosto, 1922 (Poemas 52-53)
Ilusão
Vens
todas as madrugadas
prender-te nos meus sonhos,
–
estátua de Bizâncio
esculpida em neve!
E
poisas a tua mão
macia
e leve
nas
minhas pálpebras magoadas...
Vens
toda nua, recortada em graça,
rebrilhante, iluminada!
Vejo-te chegar
como
uma alvorada
de
sol!...
E o
meu corpo freme,
e a
minha alma canta,
como
um enamorado rouxinol!
Sobre
a nudez moça do teu corpo,
dois
cisnes erectos
quebram-se cismando em brancas estesias,
e na
seda roxa
do meu
leito,
em
rúbidos clarões,
nascem, maceradas,
as
orquídeas vermelhas
das
minhas sensações!...
És
linda assim: toda nua,
no
minuto doce
em que
me trazes
a
clara oferta do teu corpo
e
reclamas firmemente
a
minha posse!...
Quero
prender-me à mentira loira
do teu
grácil recorte...
E os
teus beijos perfumados,
nenúfares desfolhados
pela
rajada dominante e forte
das
minhas crispações,
tombam
sobre os meus nervos
partidos... estilhaçados!
..................................................
Acordo. E os teus braços,
muito
ao longe,
desfiam ainda
a
cabeleira fulva
do sol
por
sobre os oiros adormecidos
da
minha alcova...
Visão
bendita! Repetida e nova!
Loira
Salomé
de
ritmos esculturais!
Vens
mais nua
esta
madrugada!
Vem
esconder-te na sombra dos meus olhos
e não
queiras deixar-me...
ai nunca, nunca mais!
Agosto – Madrugada, 1925
(Poemas128-30)
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Julião Bernardes viu-se tomar forma em 4 de
Julho de 1944, na freguesia de Lapas, concelho de Torres Novas, distrito
de Santarém.
O seu autor, nascido em 5 de Março de
1939 na mesma aldeia, reside desde 1975 em Monte Abraão, Queluz.
Fez o curso dos liceus pelo Colégio
Andrade Corvo, de Torres Novas, tendo ingressado na Escola do Exército
(hoje Academia Militar) em1957, onde frequentou o Curso de Infantaria.
Fez quatro comissões de serviço no
Ultramar, de 1961 a 1974: Angola (1961/63 e 1964/66); Moçambique (1968/70)
e Guiné (1972/74), tendo sido condecorado, entre outras medalhas, com duas
Cruzes de Guerra.
Fez parte desde o início do Movimento
dos Capitães.
Encontra-se reformado, no posto de
Coronel.
Publicou 12 livros de poesia e dois de
prosa (um deles em colaboração com Rui Cacho). Está representado em
diversas colectâneas.
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