Padre António Vieira
HISTÓRIA DO FUTURO
LIVRO III

Toda a dificuldade consiste em saber se os tratados Da Conversão do Mundo, Da paz do Messias Do templo de Ezequiel, pertencem ao Livro III, porque, no final deste caderno, diz o Autor: tudo isto cumprirá demonstrar no seu Iugar... Não —diz está demonstrado. Consequentemente, se tudo depois deste caderno deve ser demonstrado, devem aqueles tratados ser colocados depois dele.

Quis notar isto e daqui se deve concluir que, por mais que quem quer que seja aplique seu engenho, é muito difícil saber se os ditos tratados pertencem ao II ou ao III Livro.

SINOPSE

Examina o Autor no Capítulo I, além do qual outro não há, se é lícito procurar saber em que tempo se realizarão as coisas profetizadas e assentar qualquer coisa sobre tais questões, e nega-o com razões persuasivas: I) Porque Cristo, Senhor nosso, diz: «Não vos pertence conhecer o tempo nem o momento que o Pai estabeleceu em seu poder» texto que ilustra com a autoridade dos Santos Padres. 2) Porque, se a cronologia dos tempos pretéritos é tão incerta entre os Autores, que dificilmente um concorda com o outro, pois que da criação do Mundo à Incarnação do Verbo afirmam uns terem decorrido cinco mil anos, outros seis, outros sete mil, muito mais incerta é a cronologia do tempo futuro. 3, Porque, se os Autores discordam acerca do tempo do Dilúvio, do fim das Monarquias c da duração do Templo, que acordo se pode esperar na determinação do tempo futuro? 4) Porque se na História Sagrada os meses e os anos são referidos pelas suas próprias designações, não sucede assim nas profecias, nas quais apenas encontramos figuras e enigmas, como se lê no Génesis, em que sete bois gordos e sete espigas cheias, depois de sete bois magros e sete espigas secas, significam sete anos de fertilidade e sete anos de esterilidade. E quem, na verdade, se Deus o não houvesse revelado, teria entendido que os sete bois e as sete espigas queriam dizer anos? Portanto, só muito tènuemente das profecias se pode precisar o tempo futuro. 5) Porque nada mais óbvio na Sagrada Escritura do que o tempo representado por horas, dias, semanas, anos e séculos, e com tudo isto nada mais obscuro, pois frequentemente a hora não significa hora, nem o dia dia. nem os anos anos, como o Autor o mostra com textos dela extraídos. Portanto, é grande temeridade procurar nos textos Sagrados e precisar mais ou menos quando será consumado na terra, com a máxima perfeição, o Reino de Cristo, Senhor nosso.

Para o Autor poder tudo isto resolver sem qualquer dúvida, expõe pouco a pouco o seu pensamento, dizendo I) Que, quando Deus faz qualquer revelação e revela ao mesmo tempo quando ela se há-de cumprir, então com certeza pode ser prognosticado tanto o acontecimento futuro como o tempo em que se realizará, como se deixa ver na própria ressurreição de Cristo, Senhor nosso, revelada como devendo dar-se ao terceiro dia. 2) Que, se Deus alguma coisa revela e simultaneamente o tempo, não por dias e anos, mas por circunstancias e sinais, então sobre sinais e circunstâncias se pode prognosticar o tempo futuro da coisa revelada, como acontece no advento do Messias, que só devia surgir depois que o ceptro da Judeia houvesse sido transferido a outra nação, ou seja a Herodes, que não era hebreu. 3) Que, se Deus revela alguma coisa futura em tempo não determinado, é louvável investigar em que tempo ela se realizará. Prova-o com o louvor que S. Pedro dá aos Profetas: «que fizeram profecias sobre a graça em vós, perscrutando em que tempo e qual tempo ela se manifestaria», (I, IO-II); de maneira que, assim como entre os homens é digno de louvor resolver os seus enigmas, assim também o é, tratando-se dos enigmas de Deus: 4) Que também é louvável investigação o tempo do acontecimento futuro" mesmo quando Deus declara que se não pode saber; na verdade, postoque isso determinadamente se não pode saber, quanto ao dia e ano, pode contudo moralmente prognosticar-se, com maior ou menor aproximação. Aduz geralmente o Autor o dito de Cristo, Senhor nosso: «Quanto ao dia e à hora ninguém os sabe, nem os Anjos do Céu.»

Ora Cristo, Senhor nosso,—diz o Autor—únicamente nega poder saber-se o determinado dia do Juízo Final; não nega, porém, que, sem precisar dia nem hora, se possa moralmente indicar com probabilidade, dentro de maior ou menor espaço de tempo. E prova este seu asserto, em primeiro lugar, com a resposta dada por Cristo, Senhor nosso, aos Apóstolos que o interrogavam sobre o Dia de Juízo: «Dizei-nos quando acontecerão essas coisas e qual o sinal da vossa vinda e da consumação do século»; neste caso Cristo, Senhor nosso, calou o tempo determinado, mas deu contudo os sinais qua mostravam que tal tempo não era distante. portanto, se bem ninguém possa saber em que tempo preciso se deva consumar na terra o Reino de Cristo, Senhor nosso, ou aquele em que o Mundo se acabará é contudo possível concluir-se de sinais o tempo aproximado, tal como o médico, sem prognosticar o dia certo da morte, pode com frequência predizê-lo com probabilidade, com maior ou menor aproximação. Prova o mesmo asserto, em segundo lugar, com copiosos textos dos Santos Padres, que conjecturando próximos o Dia de Juízo e o fim do Mundo, uns os concebem anunciados por pestes, outros por guerras, outros por sedições, outros por outros sinais. Todos eles, se bem tenham errado nos prognósticos, contudo mostraram com seu exemplo digno de louvor a conjectura. Portanto, se a eles isso foi lícito, posto que tanto distassem do fim do Mundo, muito mais a si próprio, diz o Autor, o pode ser, visto que não é a tão grande distância de tal fim.

Resolve os argumentos opostos, dizendo que aquilo que algum tempo é inútil, pode não o ser noutra ocasião. Quando Cristo disse aos Apóstolos: Não nos pertence saber o tempo, então era-lhes inútil, até mesmo pernicioso saber o que havia decretado acerca do reino israelítico; se dissesse que nunca mais seria restabelecido, ou que o não seria senão depois da última conversão dos Hebreus à Fé Cristã teriam ficado imensamente tristes; e por isso assim como Cristo, Senhor nosso, aos dois filhos dé Zebedeu, que Ihe pediam participação no reinado, respondeu: «Não me pertence o dar-vos», assim aos discípulos: «Não vos pertence conhecer o tempo»

Admiràvelmente responde ao arqumento da paridade da cronologia dos tempos pretéritos com a que ele deduz. Afirma, na verdade: Os Autores são nela discordes, porque são em discordancia quanto à computação dos anos desde o começo do Mundo até o Dilúvio, do Dilúvio a Moisés, de Moisés à edificação do Templo; portanto, não é de admirar — conclui — que seja muito incerta a cronologia do tempo passado.

Pelo contrário, não o é a do tempo futuro, porque ele não começa desde a criação do Mundo, para deste saber o fim, antes procede retrogradando, ou seja, desde o fim do Mundo até o advento do Anti-Cristo, e à propagação do Evangelho a todos os povos e conversão dos Hebreus à Fé Cristã, e deste modo algum tanto se pode prognosticar com muita probabilidade e maior segurança a respeito do fim do Mundo.

Eis, por suas mesmas palavras, a admirável cogitação do Autor: ``Nós, pelo contrário, encontrando caminho novo procedendo do fim para o princípio (para desde já começar o meu raciocinio), seguiremos do fim do Mundo até o Anticristo, do Anticristo até a universal pregação e aceitação do Evangelho, regressando até a nossa idade e em triplice meta estabelecida ao longo dos tempos futuros, sem fazer tropeçar o leitor, vamos para Cristo, ao mesmo tempo que tudo iremos demonstrando em seu lugar. Baste por agora tudo apontar com o dedo para que a força da argumentação não detenha suspenso o leitor.»

Note-se: tudo iremos demonstrando, não tudo é demonstrado. Assm, pois,os tratados Da paz do Messias, Da conversão universal do Mundo, Do templo de Ezequiel, ou não pertencem ao II Livro, pois escreveria—tudo é demonstrado — ou cumprirá dizer que o autor, para conjecturar sobre o fim do Mundo, regressa a tratados já expostos no mesmo Livro II.

Conclui o Cap. I dizendo: «Mas entremos desde já, guiados pelo verbo do Senhor, no Capítulo I.» E este I Capítulo termina, sem que se lhe sigam quaisquer outros.

FIM. LOUVOR A DEUS