Gisele Wolkoff...

Psicodelica-da-mente

Retrato

De todas as imagens

ficou este gesto:

tuas mãos

a me fazer eterna.

Por certo

o tacto

apazigua

me

o fato

simples

de roçar-lhe

as testas

suaves

até as sombrancelhas

Ipanema-me

o caminho

aos teus ombros

uma relva inacabável de desejo

Jaraguá em névoa

bordos úmidos na esfera do rio
barco de pedra
enrascado nas rochas
de nossos corpos
e o despiste:
a água que não flui
a palavra que não cessa
e perfaz o discurso
rio raso raspando riso reticente
com que pintamos os bordos
no leito de nosso amor-eleito-efeito-intento
bordos, úmidos, que foram rio raso
na rua derrapando riso
reticente
rotina
transparente
deste Jaraguá em névoa
trégua de silêncio

Matrimônio

enlaçamos as mãos

e  nos perdemos

em contágio

a-braço

Samba

ouriço

em  grito

porque só sabemos  tango

(que não é argentino)

mas é o bolero

a que assistimos

do alto do monte pálido

de São Francisco

que risca-e-pisca:

tiquidundundun tiquidundundundundun

- e, assim, nos fantasiamos:

Margarida e Eurico

em flor

 amor  temor  ardor

tiquidundundun tiquidundundundundun

(S)em ti

Reconheço-te

em mim

e no teu silêncio

brinco de trovadora

brinco de soldado-intérprete

em pé de guerra…

 

Estranho-te

em ti

nesse teu profundo e longo silêncio

- pausa de nós –

e tanto nosso barulho!

 

Estrondosa essa tua falta

Onda na areia

Você me trouxe a infância

a doce lembrança

de ser-me

e eu te fiz esquecer

o não ser-te

e juntos

reaprendemos

a ser(mos)

até que esta onda chegou

e este onde

inquietante

agora

continuamente

questiona:

quem somos?

Depois de Crediting Poetry

                                                               Às mulheres da(s) minha(s) terra(s)

Crer nas palavras

existi-las

como o sol incessante

nas ondas em que dançam as flores

Afiná-las

ao destino dos tempos

agarrá-las ao último instante

em que desejamos o isso e ontem

serem sentidos nossos

 

é um dizer menos dizer

é fazer calar

os silêncios todos

do amanhecer ao fim dos tempos

 

e, só assim, ser.

Amor caracol: desdobramentos

Amor caracol é desses que a vida (um dia e outro e mais outro) toma e rememora depois na escala infame do tempo e de todas as desgraças. Amor caracol são todos os amores e mais até os desamores. É o que, ao partir, nunca parte; só abate aqui e acolá a alma em desespero. É o amor no inferno da existência, a areia que capota na estrada. Sentimento (menos) pensamento. Amor caracol é o que não está no vão da escrita, mas se aloja nas tentativas do discurso. Amor caracol é o sentimento menos o tempo todo que nos dita. Menos o tempo, qualquer que ele seja. É o disfarce que esquece de conferir a máscara que perdemos quando nos entregamos por completo. Amor caracol não é este intento, que de palavras se fantasia e nos faz perder a batalha da vida, em linguagem, linguagem, linguagem – desalento!

Gisele Giandoni Wolkoff nasceu em São Paulo, Brasil, e escreve desde que começou a se conhecer. Venceu os prêmios LiteraCidades (2010), Acesc de Poesia (2009), Machado de Assis (Poesia, 1998) e Castro Alves de Poesia (1990).  Professora universitária e pesquisadora, hoje se dedica ao Projeto “Identidades representadas na poesia feminina em Portugal e Irlanda, dos anos 1960 em diante”, parte de seu pós-doutoramento, desenvolvido no Centro de Estudos Sociais,  Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal (Universidade de Coimbra). Gisele faz parte da Rede Brasileira de Escritoras e da Oficina de Poesia.