|
|
GERALDO LIMA |
|
Duas micronarrativas de "Tesselário" |
|
VI. Malês. |
Pelas ruas de São Paulo, seguindo-a. Um negro em seu
encalço. Assustada? Passos lépidos, ancas envolventes: uma princesa nagô,
sem dúvida alguma.
— Luíza Mahim. Senhora Luíza Mahim!
Aproveitou a multidão e estacou. Uma princesa nagô, não tenho
dúvida.
— Que merda é essa! Não me chamo Luíza...
— Mahim... Luíza Mahim, mãe de Luiz Gama...
Perplexa. Querendo entender e não podendo.
— Lembra-se dos malês? O Recôncavo Baiano, o quintal da sua
casa...
Já havia virado as costas, aborrecida. Fez assim com uma das
mãos, como se dissesse: cada maluco que me aparece.
Não a segui mais. Que se fosse, desconhecendo quem realmente
era. Havia outras. Mais dia menos dia, uma se apresentaria diante de
nós, uma princesa nagô:
— Senhores, é por aqui. Eis o meu quintal... Vamos começar tudo
de novo. |
|
VII. Sibila. |
Aceitara o nome, o destino, enfim, que ele implicava, mesmo
porque não havia para onde fugir num mundo sitiado pelo Absoluto.
Faça alguma coisa, não és bruxa? Risos. Perversa alegria.
Campônios, servos das trevas. Que ela os fulminasse com apenas um olhar!
Ou os petrificasse então com seu poder de górgone. Satã brotaria das
profundas do inferno, a qualquer momento, para salvar das chamas sua
amante. Tensos, excitados, exigiam mais ação. Que a cruz na mão do cura,
por exemplo, se incendiasse.
Aceitara o nome e toda a praga semântica que ele carregava.
Cristo, instigado por Lúcifer, revelara sua força? Aceitara o nome,
assim como o oco do seu absurdo.
A tocha acesa na mão do verdugo, aguardando apenas o cura
concluir sua fala. Fogo mínimo iluminando o dianoite. Crepitar de lenha
seca logo
em seguida. As
labaredas, enfim, ganharam altura.
De certo modo, mesmo a contragosto, era preciso admitir: nada de anormal
estava acontecendo ali. Em meio à turba, porém, comovia-se um rapazola
reduzido ao máximo encanto, tomado de assombro, enfeitiçado
definitivamente pela mulher ardendo nas chamas.
(Do livro inédito Tesselário, que será publicado pela Editora Multifoco.) |
|
Geraldo Lima.
Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira,
escritor, dramaturgo, Geraldo Lima nasceu em Planaltina, GO,
Brasil, em 1959. Atualmente reside em Sobradinho, Brasília, DF. Ganhou
alguns prêmios literários, como o 1º lugar no Concurso Nacional de
Contos de São Bernardo do Campo, SP, e o Bolsa Brasília de Produção
Literária. Publicou os seguintes livros: A noite dos vagalumes
(contos, Prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária, FCDF), Baque
(contos, LGE Editora/FAC), Nuvem muda a todo instante (infantil,
LGE Editora) e UM (romance, LGE Editora/FAC). O seu livro de
micronarrativas Tesselário será publicado pelo selo 3X4, da
Editora Multifoco. Participou da Antologia do conto brasiliense
(Projecto Editorial, org. por Ronaldo Cagiano), da antologia Todas as
gerações - o conto brasiliense contemporâneo (LGE Editora, org. por
Ronaldo Cagiano) e do Projeto Portal: revista Solaris e revista
Neuromancer, org. por Nelson de Oliveira. Tem textos publicados em
jornais, revistas impressas e eletrônicas. É autor das peças de teatro:
Error (encenada pela Oficina do Teatro de Periferia) e Trinta
gatos e um cão envenenado (cuja leitura dramática foi realizada, em
2009, na 5ª Mostra de Dramaturgia de Brasília).
Bloga em:
www.baque-blogdogeraldolima.blogspot.com e
www.o-bule.blogspot.com
e-mail: gera.lima@brturbo.com.br |
|
|