Francisco José Craveiro de Carvalho

A última sessão de cinema - 2014*

para Gabriela & Augusto Monteiros

I 

A farmácia primeiro.

Mudou de mãos.

Os novos donos

quiseram uma zona

mais comercial.

Foram francos

e prosperando.

 

II 

Não. Um pouco antes

morreu o dono

da melhor mercearia.

Nunca  mais houve outra.

Em vez de ser ele a  dizer

que o chão limpo estava 

sempre um brinquinho

podemos usar brilhava

como um pano.

 

III 

A papelaria ficou

no princípio do mês.

Ninguém quer  jornais

e as miudezas  deixam

o saco  no  fundo.

 

IV 

O café. Que bom café.

deixou de encerrar

no mês de Agosto.

Se houve mais

umas gorjetas

é de duvidar.

 

A tertúlia vai mudando

de mesa mas reúne-se

sobre a actualidade.

Num dia  mais aceso

ileso ninguém sai. 

 

V 

À Alicinha. Cliente

da tal mercearia

com direito a compras

postas em   casa.

e ao marido

nos seus setenta

já não os vejo

há uns bons tempos.

 

Hei-de encontrá-los

mais à frente.

Ela sob o peso

de uma idosa

vulgar bengala.

 

VI 

Hoje dei conta

que levaram o vermelho

do marco do correio.

Inocente.

 

VII 

Viúvo o senhor

da boina basca

ainda toma conta

da pequena  capela.

Essa não fecha.

Há sempre funerais.

Convictamente?

 

*The Last Picture Show, Peter Bogdanovich

 

Francisco José Craveiro de Carvalho  (Portugal). Licenciou-se em Matemática na Universidade de Coimbra. Doutorou-se, mais tarde, com uma tese em Topologia e  Geometria, sob a supervisão de  Stewart Alexander Robertson, Southampton University, U. K.. Assume uma posição de alguma marginalidade em relação à divulgação daquilo que escreve. Traduziu poemas de Carl Sandburg, Jane Hirshfield, Jennifer Clement, Linda Pastan, Rita Dove..., publicados em opúsculos discretos, que circularam entre  os seus amigos.