Antimatéria
No outro lado de um espelho há um mundo ao contrário,
onde os loucos se curam; onde os ossos saem da
terra e recuam até ao sedimento inicial do amor.
E à noitinha o sol está a nascer.
Os amantes choram porque estão um dia mais novos, e em breve
a infância lhes roubará o prazer.
Nesse mundo há muita tristeza que, claro, é alegria.
***
Consideremos
Consideremos o lavrador que faz do chapéu de palha
a sua
namorada; ou a mulher que
de um candeeiro de pé
faz o filho;
ou a jovem que se impôs a tarefa de
raspar
a sombra da parede...
Consideremos a velha que
usou línguas de vaca fumadas
como sapatos e que foi por um campo fora a apanhar
excrementos de vaca
para o avental; ou um espelho escurecido pelo tempo
dado
a um cego que passou as noites contemplando-o
fixamente, o que
entristecia a mãe, que o filho se entregasse tanto à
vaidade...
Consideremos o homem que fritou rosas para o jantar,
cuja
cozinha cheirava como um jardim de rosas em chamas; ou o homem
que se disfarçou de mariposa e comeu o sobretudo, e que
para
sobremesa serviu a si próprio um chapéu de feltro
gelado...
|