Francisco José Craveiro de Carvalho

O elevador & outros poemas de David Lehman
Traduções
de Francisco Craveiro

David Lehman, 11 de Julho de 1948, New York, é um poeta americano.

Ensina na The New School, N. Y., onde é Associate Professor of Writing e Poetry Coordinator  of the Creative Writing Program.

É ainda Editor, The Oxford Book of American Poetry e Series Editor, The Best American Poetry.

Mr Lehman é autor, entre outros, dos diários poéticos The Daily Mirror, A Journal in Poetry, 2000, e The Evening Sun, 2002. 

As datas dos poemas referem-se a entradas nesses diários, embora o último poema não apareça em nenhum deles.

 
 

15 de Julho

 

Nós sabemos

quem são os guardas

naqueles filmes de

PDG* com Alemães

gordos e cruéis mas

fáceis de enganar

ou Japoneses sádicos

que nunca sorriam

eles são os crescidos

nós somos os miúdos

o segredo é esse

 

*Prisioneiros de guerra

26 de Maio

 

Em Roterdão  vou

falar sobre

o estado da poesia

num painel com um Polaco

e um Turco. Vale a pena

estar vivo para pronunciar

esta frase. Um

Alemão de Furth,

terra natal do meu pai

e do Henry Kissinger,

presidirá. O nome dele

é Joachim Sartorius,

que parece um

pseudónimo que Kierkegaard

poderia usar para criticar

os costumes do seu tempo

e os nossos quando nunca

nada acontece mas a

publicidade é imediata

e o encontro na cidade

acaba com as pessoas

convencidas de que se

revoltaram podendo pois

voltar calmamente para casa

tendo passado uma noite

muito agradável 

31 de Janeiro

 

O céu está a desfazer-se em milhões de papelinhos

o vento sopra na minha cara

e eu   meto-me na minha barbearia preferida,

ouço Vivaldi, olho no espelho

as montras reflectidas, Broadway

e a 104ª, vejo os papelinhos soprados pelo vento

caírem nas faces dos peões lá fora

& aqui vem um velho, magro, cheio de cachecóis,

deve ter uns setenta e cinco, a caminhar devagar,

na sua mente há um jovem a dançar,

talvez uns dezassete, num fim de tarde de Junho -

e  vejo que  ele é esse jovem pela maneira como anda

31 de Janeiro

 

Nada melhor para prolongar

uma chamada telefónica do que

dizer que se vai a sair

mas ela quer dizer-te

as cinco coisas que exige

num homem uma é inteligência

tem de ter cabeça

também tem de ser bom uma palavra

de que ela gosta porque abarca tanto

o contrário de mau como “bom na

cama” e surpreende-te a maneira

como ela habilmente conduziu a

conversa para as vidas sexuais

dos apaixonados por jazz na Village

e a verdade duradoura

da história de Cyrano e tão

bem que quem te dera que não tivesses de ir

1 de Março

 

Poderia fitá-la horas

seguidas, à mulher que sai

do banho, seios

nus, toalha à cintura,

antes de saber que eras tu

naquele apartamento de um quarto

na Village soalheiro e frio

naquela Sexta – Feira  em que acordámos

devagar e a nossa mesa

do pequeno-almoço  se tornou

uma natureza morta com lírios

numa jarra e uma laranja descascada

chávenas de café e pires

e The Necessary Angel de

Wallace Stevens, um volume brochado,

violeta aberto na página 58:

“the morality of the poet is

the morality of the right sensation.” 

1 de Março 

O elevador

 

O que é maravilhoso

ao estar contigo

no elevador deste

hotel em Londres cheio

de pessoas é que nenhuma

delas sabe o que tu

e eu estamos prestes a fazer

na cama ou se calhar

no chão na verdade nem

tu mesma ainda te apercebes

de quanto vais

apreciar esse acto para

o qual não temos nome

nem clínico nem horrível, apenas

um número de dois dígitos, perfeito

como o oito traçado por um patinador

Francisco José Craveiro de Carvalho  (Portugal). Licenciou-se em Matemática na Universidade de Coimbra. Doutorou-se, mais tarde, com uma tese em Topologia e  Geometria, sob a supervisão de  Stewart Alexander Robertson, Southampton University, U. K.. Assume uma posição de alguma marginalidade em relação à divulgação daquilo que escreve. Traduziu poemas de Carl Sandburg, Jane Hirshfield, Jennifer Clement, Linda Pastan, Rita Dove..., publicados em opúsculos discretos, que circularam entre  os seus amigos.