EÇA DE QUEIRÓS
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Macário ia calado, cosido com o corrimão. Quando chegou ao quarto, o tio Francisco pousou o candeeiro sobre uma larga mesa de pau-santo, e de pé, com as mãos nos bolsos, esperou. Macário estava calado, anediando a barba. Que quer? - gritou-lhe o tio. Vinha dizer-lhe adeus; volto para Cabo Verde. Boa viagem. E o tio Francisco, voltando-lhe as costas, foi rufar na vidraça. Macário ficou imóvel, deu dois passos no quarto, todo revoltado, e ia sair. Onde vai, seu estúpido? - gritou-lhe o tio. Vou-me. Sente-se ali! E o tio Francisco continuou, com grandes passadas pelo quarto: O seu amigo é um canalha! Loja de ferragens! Não está má! O senhor é um homem de bem. Estúpido, mas homem de bem. Sente-se ali! Sente-se! O seu amigo é um canalha! O senhor é um homem de bem! Foi a Cabo Verde! Bem sei! Pagou tudo. Está claro! Também sei! Amanhã faz o favor de ir para a sua carteira, lá para baixo. Mandei pôr palhinha nova na cadeira. Faz favor de pôr na fatura Macário & Sobrinho. E case. Case, e que lhe preste! Levante dinheiro. E meta na minha conta. A cama lá está feita. Macário, estonteado, radioso, com as lágrimas nos olhos, queria abraçá-lo. Bem, bem. Adeus! Macário ia sair. Oh! Burro, pois quer-se ir desta sua casa? E, indo a um pequeno armário, trouxe geléia, um covilhete de doce, uma garrafa antiga do Porto e biscoitos. Coma! E sentando-se ao pé dele, e tornando a chamar-lhe de estúpido, tinha uma lágrima a correr-lhe pelo engelhado da pele. De sorte que o casamento foi decidido para dali a um mês. E Luísa começou a tratar do seu enxoval. Macário estava então na plenitude do amor e da alegria. Via o fim da sua vida preenchido, completo, feliz. Estava quase sempre em casa da noiva, e um dia andando a acompanhá-la, em compras, pelas lojas, ele mesmo lhe quisera fazer um pequeno presente. A mãe tinha ficado numa modista, num primeiro andar da Rua do Ouro, e eles tinham descido, alegremente, rindo, a um ourives que havia embaixo, no mesmo prédio, na loja. O dia estava de Inverno, claro, fino, frio, com um grande céu azul-ferrete, profundo, luminoso, consolador. Que bonito dia! - disse Macário. E com a noiva pelo braço, caminhou um pouco, ao comprido do passeio. Está! - disse ela. - Mas podem reparar; nós sós... Deixa, está tão bom... Não, não. E Luísa arrastou-o brandamente para a loja do ourives. Estava apenas um caixeiro, trigueiro, de cabelo hirsuto. Macário disse-lhe: Queria ver anéis. Com pedras - disse Luísa - e o mais bonito. Sim, com pedras - disse Macário. - Ametista, granada. Enfim, o melhor. E, no entanto, Luísa ia examinando as montras forradas de veludo azul, onde reluziam as grossas pulseiras cravejadas, os grilhões, os colares de camafeus, os anéis, as finas alianças frágeis como o amor, e toda a cintilação da pesada ourivesaria. Vê, Luísa - disse Macário. O caixeiro tinha estendido, na outra extremidade do balcão, em cima do vidro da montra, um reluzente espalhado de anéis de ouro, de pedras, lavrados, esmaltados; e Luísa, tomando-os e deixando-os com as pontas dos dedos, ia-os correndo e dizendo: É feio... É pesado... É largo... Vê este - disse-lhe Macário. Era um anel de pequenas pérolas. É bonito - respondeu ela. - É lindo! Deixa ver se serve - tornou Macário. E tomando-lhe a mão, meteu-lhe o anel devagarinho, docemente, no dedo; e ela ria, com os seus brancos dentinhos finos, todos esmaltados. É muito largo - disse Macário. - Que pena! Aperta-se, querendo. Deixe a medida. Tem-no pronto amanhã. Boa idéia - disse Macário - sim senhor. Porque é muito bonito. Não é verdade? As pérolas muito iguais, muito claras. Muito bonito! E estes brincos? - acrescentou, indo ao fim do balcão, a outra montra. Estes brincos com uma concha? Dez moedas - disse o caixeiro. E, no entanto, Luísa continuava examinando os anéis, experimentando-os em todos os dedos, revolvendo aquela delicada montra, cintilante e preciosa. Mas, de repente, o caixeiro fez-se muito pálido, e afirmou-se em Luísa, passando vagarosamente a mão pela cara. Bem - disse Macário, aproximando-se - então amanhã temos o anel pronto. A que horas? |