EÇA DE QUEIRÓS - EÇA DE QUEIROZ
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Disseram-me, em Londres, que a editora Penguin deixou de editar Os Maias em inglês porque tinham menos de 300 vendas/ano, mesmo sendo uma colecção de clássicos que é barata e tem muito público. De qualquer modo, não é tão mau quanto isso porque vai sair brevemente uma nova tradução de Os Maias feita por uma óptima profissional que é a Margaret Jull Costa. Acontecerá um interregno em que os leitores anglo-saxónicos não terão o livro, mas esperemos que esta tradução permita que Os Maias sejam lidos numa versão melhor. Os portugueses não têm lugar? Publicar um livro sobre um português num mercado em que competimos com o resto do mundo é complicado. Mesmo Eça falava disso a propósito da moda dos escritores russos quando respondia a um amigo que queria editar no estrangeiro. Ele informava-o de que "nós não temos força política para impor os nossos livros cá fora. Nem que pague a edição totalmente isso é fácil". Como está a tradução do Eça no resto do mundo? Ele é popular no Brasil, onde, curiosamente, quando a minha biografia saiu, teve mais eco na imprensa do que cá. O jornal A Folha de S. Paulo e a revista Veja fizeram recensões críticas em que se via que a tinham lido. Teve melhor recepção no Brasil! É uma situação comum mas que em Portugal assume contornos mais negativos com a existência de capelinhas. Existe uma capelinha de queirosianos que acha que Eça é deles e como eu não venho do mundo da crítica literária, as defesas corporativas fecham-se e optam pelo silêncio. As capelinhas enclausuram Eça? Acho que sim e é uma atitude muito prejudicial para a divulgação da sua obra. No centenário da morte, por exemplo, as comemorações que se fizeram à volta do acontecimento tenderam a reduzir-se a especialistas queirosianos. Eu fui aos EUA e o professor que me convidou disse-me que tinha tido enormes dificuldades em obter a aquiescência do instituto público português que financiava o evento porque havia pessoas que não me queriam lá... Eça, como uma espécie de relíquia, permanece nas mãos de alguns, como uma espécie de controleiros da herança, situação que é prejudicial para o autor. Há boas traduções? Há uma muito boa em França feita por Paul Théssier, que é a melhor tradução em língua estrangeira. As traduções de O Crime do Padre Amaro em inglês também estão muito boas. Além dessas excepções, Eça é ignorado como um clássico na literatura mundial! Isso também é exagero porque ele é olhado por alguns como um clássico. O professor americano Harold Bloom inclui Eça de Queirós no seu livro sobre os cem génios da literatura mundial e vem referido em várias histórias do romance europeu. O que não quer dizer que seja lido, há pessoas que o apreciam, mas ele tem dificuldade em penetrar por várias razões, entre elas a de não estar traduzido ou bem traduzido. Mesmo na altura em que vivia houve uma única obra que foi traduzida para francês - O Mandarim -, e mal, porque se referia à China. Os estrangeiros não entendem o Eça de Queirós porque é um escritor com uma forte veia satírica e para perceberem a graça daquilo têm de conhecer Portugal e compreender o que está a fazer troça. Os estrangeiros não entendem aquela ironia! Que pensa das adaptações cinematográficas d'O Crime do Padre Amaro? Eu vi o filme mexicano, que é assim-assim, mas o português ainda não. Acho legítimo cada realizador fazer o que entende, mas o que me espanta é a importância que se dá a um tema que julgava obsoleto, o celibato dos padres e a ideia do desejo proibido. No caso de O Crime podem fazer-se todas as adaptações porque o livro é genial. Concorda com a fixação dos textos de Eça de Queirós em curso? Acho que é absolutamente essencial. Os seus textos foram muito mal editados e, mesmo após a morte, ele tem sido muito maltratado. Perderam-se textos, outros foram com o Ramalho Ortigão para o Brasil e só apareceram em 1920, o José Maria (o filho) reescreveu-o, mas em alguns casos não existem manuscritos e é impossível cotejar o que ele mudou. O Eça teve azar com a posteridade, e nesse sentido é importante a edição crítica, porque é uma maneira de voltar à pureza original. Será para especialistas? Não, porque então as editoras comerciais poderão transferir parte do que a equipa dirigida pelo professor Carlos Reis está a executar. Não é uma contradição que alguém que se julgava tão genial acabe por ter apenas leitores portugueses? Eu pensei bastante nisso, porque é que a certa altura ele não se tornou bilingue. O caso mais típico de alguém que fez a opção é Joseph Conrad (polaco) ou Nabokov (russo), mas Conrad foi para a marinha mercante muito novo, viajou e instalou-se na Inglaterra, enquanto Nabokov teve uma nanny. Já Eça saiu de Portugal pela primeira vez aos 27 anos - nunca tinha saído antes, a não ser umas semanas na Palestina - e com essa idade é praticamente impossível alguém tornar-se bilingue ou dominar outra língua. Por muito que aprendesse a escrever em inglês, nunca iria fazê-lo como em português, sabia que estava a ser prejudicado por isso e que teria um público muito reduzido. Essa foi a razão de não ter publicado em vida alguns livros, o Conde de Abranhos ou A Capi tal, porque sabia que se o fizesse não tornava a pôr os pés em Portugal. Não se quis internacionalizar? Em Eça há algo ainda mais estranho. Por arrogância e timidez não se deu com nenhum estrangeiro e em Paris ainda ficou mais misantropo e fechou-se em casa. O único escritor que visitou foi Zola, que era o contrário do Eça, pois gostava de receber em casa às quartas e até afirmou que o Eça era espantoso, melhor que Flaubert. Bastou o Eça ir lá um dia, imagine-se se fosse uma pessoa expansiva! Optou, por temperamento, pela escrita para a posteridade. E fazer uma obra que envelheceria, difícil para as novas gerações... A obra de Eça é difícil até pelo vocabulário, porque inaugurou um novo idioma. Até ele escrevia-se de uma maneira e a partir daí surge o português moderno. É muito mais difícil ler o Camilo, que está ligado ao Portugal rural, ao português vernáculo e à retórica fradesca. A grande revolução é o Eça, a partir dele o português é o que nós falamos. Quando estava a fazer a reedição de As Farpas tive de elaborar um glossário porque os meus alunos desconheciam as palavras. Mas as pessoas continuam a usar muitas frases suas. A que se deve o imenso sucesso de As Farpas? Espantou-me bastante, pois pensava que ia vender 300 exemplares e foi aos 35 mil nos primeiros três meses. Acho que é o tradicional ódio aos políticos. O génio do Eça era tal que criou um Portugal que é o que ficou. Fez como um grande artista: pintou uma tela e colocou na cabeça das pessoas o retrato com que elas ficaram a ver o século XIX. |
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Maria Filomena Mónica é professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; Autora da biografia Eça de Queiroz e responsável pela reedição d'As Farpas |
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Diário de Notícias, Lisboa, 18 mar. 2006 |
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