«Um poema pode ser um “nada”, mas é um “nada” que vai povoando e construindo
ideias, um “nada” que leva a olhar o mundo que nos rodeia com olhos
diferentes, um “nada” que pode ser um jogo aliciante, uma viagem pelos
meandros da palavra…» (Angelina Neves)
«Que porvir podemos esperar de um mundo onde as asas da imaginação, o parto
de criatividade e a sensibilidade perante os estímulos à volta da crianças
morrem muito antes de terem nascido?» (C. C. Cossa)
«Sou o lápis de cor que pinta sorrisos nas nuvens
sou a alegria que amarra o mar numa folha de papel
sou a flor encanto que cresce rápida e te é fiel!
sou o sol que te abraça e ignora de onde vens!»
Ao ler a primeira estrofe do poema “Viagem pelo Mundo num Grão de Pólen” (p.
11), foi-me de imediato difícil impedir que a minha alma fosse insuflada
das milhares de crianças que já nasceram no mais recôndito de mim e pintar
de sonhos esta vida que mais e mais vem-me provando que, mais do que de
adultos, ele precisa de crianças, pois só elas podem avivar as cores deste
moribundo arco-íris chamado planeta Terra, até porquê, é preciso ser-se
suficientemente criança para que nos tornemos verdadeiramente adultos. E
pena tenho eu do homem que deixa morrer a grande criança que exista em si.
O poema “Viagem pelo Mundo num Grão de Pólen” faz parte da colectânea de
poemas infantis da obra “Viagem pelo Mundo num Grão de Pólen e Outros
Poemas”, do poeta e contador de histórias de Pedro Pereira Lopes
(pessoalmente eu prefiro que seja P2 Lopes), grau de pólen que chegou ao
mundo a 1987, na província da Zambézia, formado em Administração Pública,
que conta com as obra “O Homem dos 7 Cabelos” (Alcance Editores, 2012),
Prémio Lusofonia 2010 – Concurso Lusófono da Trofa, sua estreia em livro,
distinguido com o terceiro lugar no “Concurso de Ficção Narrativa João
Dias”, com a colecção de contos “Setenta Vezes Sete e Outros Contos”,
promovido pelo Instituto Camões pela Universidade Eduardo Mondlane,
cabendo a ilustração desta “Viagem pelo Mundo num Grão de Pólen e Outros
Poemas” a Filipa Pontes, pós-graduada em ilustração, pela EINA (Barcelona,
Espanha).
Partindo do «(…) fazer sonhar e fazer despertar, a imaginação, o desejo de
brincar com as palavras e as ideias, o gosto pela aventura do fantástico
que é ler e escrever procurando a sensibilidade e a musicalidade de
cada palavra, descobrindo como cada ideia pode espalhar cor numa
paisagem desenhada na nossa mente.», fazendo minhas as palavras da
Angelina Neves, a quem coube o prefácio deste obra, como, aliás, o poema
“Nuvens Fabulosas” (p. 15-17) deixa transparecer, «As nuvens fazem
esculturas/ figuras belas e puras/ ou feias e curiosas/ mas sempre
espantosas!// Moldadas com imaginação/ as nuvens põem-se em fila/ e
olhando-as com atenção,/ sei com o qu’é que se parecem:/ Uma zebra que se
esconde,/ um dragão e dois gatos, / uma arvore de ramos altos/ e um
dançarino makonde!// Um comboio que parte/ um pedaço de tarte…/ Até pedaço
de anjos,/ nas nuvens fabulosas!», a poesia é essa porta escancarada para
um mundo em constante construção, um mundo à procura de se encontrar cada
vez melhor, um mundo que sonha com outros mundos dentro de si, um mundo
onde lutar pela saúde da biodiversidade é curar as feridas interiores do
Homem, ideia que é sublinhada pela Filipa Pontes ao nos maravilhar os
olhos com o pássaro que, usando um fio preso ao seu pico, voa puxando a
Terra para um lugar sonhado, o galo que se prepara para cantar em cima de
um relógio de pulso, como que dizendo «é chegada a hora de mudança», os
pássaros tocando instrumentos musicais, celebrando a possibilidade de
vida, ou possibilidade da sustentabilidade das diversas formas de vida
encontradas no aguçar imaginativo que nos é possibilitado pelo espraiar
dos olhos nas nuvens.
O futuro luminoso que todos nós almejamos, um futuro fulgindo todas as cores
da natureza, embora nem sempre ele seja alcançável, é-nos sugerido na
“Viagem pelo Mundo num Grão de Pólen e Outros Poemas”, através do poema
“Colar de Estrelas” (p. 19-21), «A Celeste quer um colar/ de estrelas, não
de todas elas,/ a Celeste quer
um colar/ só com as mais brilhantes// As cadentes, ela não as quer,/
porque caem sempre. As constelações, também não/ quem quiser que as
compre…// A Celeste quer um colar/ de estrelas. Belas e Amarelas,/ para
ofuscar todo o espaço.// E Celeste choraminga,/ assoa-se e respinga:/ Quer
um colar cheio de arte!// Oh, Celeste, não sejas tonta!/ É o céu onde elas
moram! E quando a noite desponta/ é em ti que elas demoram!/, poema que
nos desperta para uma realidade antes ofuscada pela «morte da esperança»:
o vislumbre da impossibilidade de realização dos sonhos que nos guiam não
pode ser sinónimos da inércia da nossa capacidade de sonhar.
A ser verdade que «O verde do mundo/ está carente de pessoas que o amem/
acima de todas as cores:/ acima do acrescido azul do mar/ acima do
cinzento de um céu nublado/ acima do amarelo dos raios do sol/ acima do
branco dos icebergs/ acima do verde do dólar» (Os Verdes do Mundo, um
poema inédito, escrito minutos após uma primeira vista de olhos no livro
“Viagem pelo Mundo num Grão de Pólen e Outros Poemas”), então o poema
“Florbela e Florinda” (p. 23) devia ser declamado no mais recôndito de
nossa alma sempre que o sino dos possíveis males que possamos fazer a
natureza tocar:
Florbela e Florinda
são irmãs.
Florbela e Florinda
são gémeas.
Florbela e Florinda
São filhas da dona Flora.
Florbela é bela
e Florinda é linda
gostam de flores.
A dona Flora?
Ela gosta de florestas
E é florista!
Ao ouvir uma criança dizer «Quero ser uma formiga/ E viver num formigueiro,/
Mundo estreito e escuro/ E ter mil formigas amigas.» (p. 27), no primeiro
verso do poema “Quero ser uma Formiga” (p. 25-27), assalta-nos a certeza
de que nenhuma guerra pode ser vencida por uma mão de investidas
unilaterais, todos nos somos chamados a dar o nosso contributo na
construção de um mundo mais verde que o dólar, todos temos o que investir
nesta luta alicerçada ao bem da saúde da nossa biodiversidade, são todos
aqui chamados, o menino que diz «Serei forte e sem lombrigas/ para quando
o verão chegar,/ encher o buraco de comida/ para o inverno passar.» (p.
27), o outro que diz «Quero ser uma formiga/ para quando a chuva cair,/
sair numa folha a navegar/a rir-me dum papa-formigas.» (idem), ou ainda
este que diz «Quero ser uma formiga/ e com as minhas perninhas,/ trepar ao
alto das espigas/ e ver as coisas pequenininhas.» (idem).
Assim como buscar por qualquer sonho se nos oferecem obstáculos ao longo de
seu processo, a primeira estrofe do poema “Barco no Mar e Avião no Ar!”,
«Barco à vela e o vento a soprar/ barco e remo na maré a navegar/ barco
vazio que com peixe vai tornar/ peixe que na rede do pescador for parar.»
(p. 29), mostra-nos que há um duro caminho pela frente, florestas densas
por desbravar, mares com marés altíssimas por sulcar, céus parindo gris
por alcançar, no entanto isso não deve constituir óbice intransponível na
possibilidade de abrir asas da esperança, posto que a esse respeito o
menino que existe em todos nós diz na terceira estrofe do mesmo poema
(idem):
«Avião nas ondas do ar a lutar
avião com asas de ferro a voar
avião cheio de gente a viajar
e o meu sonho ao alto vai levar.»
No entanto, na dinâmica deste processo, sendo as crianças alvos de sistemas
de socialização, tanto endógenos assim como exógenos, há que
salvaguardá-las de possíveis erosões culturas passíveis de envolvê-las em
transformações sociais irreversível, minando o adulto que espreita num
provir muito próximo, como nos advertem as duas primeiras estrofes do
poema “O Bailarino da Mafalala” (p. 35),
«O bailarino da Mafalala
não veste collants
nem dança ballet,
não faz piruetas
na ponta do pé!
O bailarino da Mafalala
Veste uma calça de capulana
E dança Marrebante,
É um pouco gordinho e
Na dança arrebenta!»,
pois, brincando ou estudando, cantando ou dançando, como nos dão a entender
as duas últimas estrofes do mesmo poemas (p. 37), aliás, poema que fecha a
colectânea de uma dezena de poemas desta «Viagem pelo Mundo num Grão de
Pólen e Outros Poemas», é de pequeno que se torce o pepino:
«Põe uma mão na cabeça,
outra na cintura
põe um sorriso no rosto
e faz boa figura.
Dois passos para a esquerda e
dois para a direita
e sem perder fôlego,
baila sem parar.
O bailarino da Mafalala
é apenas um rapazinho,
mas vai dançar Marrabenta
até ficar velhinho.»
Em razão de não se poder fazer uma “Viagem pelo Mundo num Grão de Pólen” em
apenas este tão singelo entranhar crítico em uma obra tão grande quanto o
mundo, uma obra tão grande quando o coração das crianças, tão grande
quanto a sua sempre crescente veleidade de viajar pelos mundos que o mundo
esconde em si, usarei das palavras de Angelina Neves para lançar
perguntar, pergunta que irei respondê-la com o último verso do poema que
dá título a obra em cujo crivo crítico recai, “Viagem pelo Mundo num Grão
de Pólen”:
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Pergunta: «Numa terra onde muitas crianças ficam ao abandono, ou são
órfãos de família, onde a alimentação é cada vez menos partilhada com
quem dela mais necessita, onde se perde cada vez mais tempo com pseudo
valores sem importância, em vez de com coisas que realmente poderiam
interessar às comunidades mais carenciadas e onde parece tornar-se
cada vez mais difícil educar crianças: porquê poesia?» (p. 6)
-
Resposta: «Sou uma criança com sonhos para realizar/ pois quando a
adulta chegar/ terei só coisas boas para lembrar…»
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