“Os dedos, de forma individual, não
podem muito, mas a mão inteira…” (Nelson Mandela)
No
meu projecto-livro de poesia, que ostenta o dito de Gaudi, “O traço é do
homem. A curva é de Deus”, há um poema intitulado "Os dois trajectos"
que indeliberadamente se fez presente ao palanque da minha consciência
poética quando “os olhos das minhas mãos viram e as mãos dos meus olhos
pegaram” a colectânea de poemas “Cada um em Mim”, que nos é sugerida pelo
poeta Nelson Lineu, o qual não posso, de jeito nenhum, escusar-me de
partilhá-lo com os possíveis leitores destas singelas linhas, antes de
partir para a humilde tentativa de chamar “cada um” dos “eus” críticos que
possivelmente existam “em mim” para este empreendimento crítico/literário:
a verdadeira
sabedoria
talvez se cruze no
meio destes dois trajectos:
pensando que sabemos
alguma coisa
caminhamos do fácil
para o difícil
nas teias do
conhecimento
que urdimos sempre
que estar vivo
nos acrescente alguma
coisa;
pensando que não
sabemos nada
caminhamos do difícil
para o fácil
quando buscamos no
saber que não sabemos
a essência de um
conhecimento não esculpido.
Chamo este poema para estas linhas para secundar uma conclusão a que
cheguei assim que fechei a última página deste “Cada um em Mim”, que é a
seguinte: “É fácil explicar a vida dificilmente. Difícil é a vida ser
explicar facilmente”. Aliás, na apresentação do livro, no dia do seu
lançamento em Maputo, o professor e crítico de literatura Aurélio Ginja
sublinhou-o muito bem sublinhado ao dizer que “A poesia do Nelson Lineu
fala por si, não precisa realmente de qualquer acessório que possa macular
com lógicas e raciocínios aquilo que o poema na sua pureza integral
transmite. E acho isso bastante interessante para nós. Num exercício de
concisão de linguagem, no exercício em que o poeta, com palavras simples,
com palavras do nosso quotidiano consegue extrair algo muito profundo da
condição humana, que faz com que a gente se sinta sempre tentado a voltar
a ler e voltar a percebê-lo.
Conjugando o escritor Manuel Bandeira, este que é usado pelo Lineu como um
chamariz seguro para uma leitura portentosa de “Cada um em mim”, e o
filósofo Bertolt Brecht, citado pelo professor Aurélio Ginja, que dizem
que “Tudo o que amamos são pedaços vivos do nosso ser”, e “Pensamos em
outras cabeças e as outras cabeças pensamos”, respectivamente, a obra
poética “Cada um em mim” são fragmentos de uma sociedade que se constrói a
cada encontro transformador dos “Micro Moçambiques” que cada um dos cerca
de 23 milhões de moçambicanos, na sua mais integral singular, vai buscando
na poesia de viver até a exaustão cada dia que a bênção de acordar para
vida nos dá, tendo como horizonte por se olhar e alcançar o melhor de si e
do outro com o qual convergem forças para fazer do seu mundo um lugar cada
vez melhor para nascer e para morrer. Na plástica é Malangatana. Na prosa,
Ungulani Ba Ka Khosa. Na poesia Lineu. No viver todos nós.
Talvez seja suspeito dizer que a semente do fruto “Cada um em Mim” seja
produto das conversas que o autor manteve durante muito tempo com a
escritora e apresentadora da obra em análise, a escritora Lília Momplé, ou
a Fernanda Angius com as suas Oficinas de Literatura, os membros do
Kuphaluxa e da Revista Literatas, o professor Calane da Silva que sempre
esteve lá para dar rédeas ao cavalo que corre na sua poesia, familiares,
entre outros, pois há muitos “mim's” nesta obra que poderiam ser chamados
a testemunho, mas a escassez de tempo ou a memória dos vários “cada's” do
autor possam tê-lo (a)traído para o esquecimento ou para a negligência.
Este
parto poético, como a prefaciadora Fernanda Angius bem o disse, ele “(…)
detém cada um em si, não toda gente; não os Outros; não um Outro; mas cada
Um, Um por Um, na sua individualidade, considerando-O de per si. É a mais
clara declaração de respeito pelo Outro.” “Cada um em Mim” é exactamente
isto, solidariedade, irmandade, mãos dadas, lutar juntos no cômputo de nos
significamos enquanto homens de consciência colectiva fragmentada em
esquírolas de “eus” individuais, como o poema Onde me deve levar
(p. 13) nos sugere:
“aprendi a indicar
ao vento onde me deve
levar
quando me dei conta
que as palavras
se plantam umas às
outras
a mim só cabe
regá-las”
No
parto poético intitulado O criador (p. 15), “do barco/ agrada-me
olhar para o nada/ como o criador/ me preencho/ dando nome/ a cada vazio”,
Lineu nos levar a uma grande verdade, esta que nos persegue em qualquer
lugar que a gente vá enquanto criados e criadores: qualquer empreitada do
homem é uma “Gondwana” na busca pelo verdadeiro sentido da vida, no qual
escrevemos e reescrevemos a nossa visão sobre o mundo no “um que somos, no
todos que formamos” nas mais variadas sinergias que a existência nos
permite formar. Há aqui uma chamada de atenção que, de forma transversal a
toda criação, emboca no embrião que o nada pode constituir quando
observado na condição de um “potencial ser tudo ou todo”. É este sentido
filosófico, do não terminado, do não acabado, do sempre questionável, do
passível de ser entranhado até onde a nossa imaginação por vezes tem de
experimentar. Outrossim, talvez por este lado se explique o facto de
estarmos diante de um estudante de filosofia.
Este
estudante de filosofia nasceu no dia 26 de Janeiro de 1988, na cidade de
Quelimane. É membro fundador e Secretario-Geral do Movimento Literário
Kuphaluxa e chefe da redacção da Revista Literatas, tendo na mesma já
ocupado o cargo de Director-Geral e assinante da coluna “O passo certo no
caminho errado”. A sua obra conta, para além deste “Cada um em Mim”, que
representa a sua estreia em livro, conta com contos e poema publicados em
revistas e blogues. Tem igualmente poemas publicados em antologias
nacionais e internacionais, bem como crónicas e textos de opinião, na
imprensa moçambicana.
Assim como a inspiração e a transpiração não se divorciam da criação
literária, neste “Cada um em mim”, Lineu nos adverte, através do poema
A minha espera (p. 16), que qualquer coisa que busquemos tem o seu
tempo por esperar e por ser esperado:
“a minha espera
não foi construída
pela paciência
é um dom
por mais que demore
sei que o silencio
vai acontecer
e vou pertencer às
palavras”
Transversalmente o Poema A fronteira dos sentimentos (p. 18) tem
aqui algo a dizer:
“A
Tia Dália, Jerónimo, Ndjunda e Sávira
do poço
em que
a cada gota
de agua me escrevo
até à superfície onde
me leio
a fronteira dos
sentimentos
é igual a do fruto e
da semente”
Nenhuma tarefa pode seguir seu caminho sem que o amor esteja ali para ser
a tocha que iluminará a escuridão que os caminhos por percorremos podem
parir para nos afastar a coragem de lutar pelos nossos sonhos, como o
poema O prazer dos erros (p. 25),
nesse sentido nos ilumina:
“na
hierarquia da tua instituição corporal
teces o meu uniforme
com a agulha dos teus
lábios
e a cumplicidade da
linha do teu olhar
remendando os erros
por nós cometidos”
Esta
colectânea de poemas muito bem conseguida pelo seu autor tem a força que
tem, porque, no seu interior, antes de tudo, bailou uma alma poética
banhada por mares de “cada um de nós todos”, estes dois poemas, A
fraqueza da carne (p. 44), o qual dedica aos membros do Kuphaluxa, e
Quelimane (p. 41), poemas que evidenciam este mar imenso marcado
por uma abundância de dedicatórias que representam o seu tamanho, a sua
grandeza, a sua entrega ao amplo significado que cada um de nós temos na
poesia de viver com os outros e para os outros, ao dedicá-los a pessoas
que têm um significado muito grande em sua vida:
“muitas vezes
não é a ideia ou a
estética
que me faz poema
o papel em branco me
seduz
a carne é fraca
e em mim
a poesia é interior
a ela”
“não sou como a
árvore
o que me mantém fixo
a Quelimane
não é a raiz
a cidade me solta
fazendo-me tombar
como seu fruto
no mundo”
No
entanto, a esta parte destas singelas linhas vale a pena dizer-se: Quem
pode esgotar os “eus” poéticos de uma obra poeta que declama a poesia de
toda uma vida? Não me sentindo confortavelmente protegido pela condição de
consegui-lo, preferia chamar para este correr da escrita, mais uma vez, a
prefaciadora do livro entranhado, a Fernanda Angius, e o poema Papel
(p. 29) para me retirar desta escrita e fazer mais uma leitura deste “Cada
um em mim”, que não sai de mim e que, com certeza, não sairá dos
“eus-sensíveis” de muitos que o lerem:
“Prefaciar um primeiro livro é sempre um desafio difícil de aceitar. O
prefaciador tem diante de si uma promessa ou uma frustração. Caber-lhe-á
para sempre a glória de ter sido o anunciador de um poeta ou a tristeza de
ter anunciado um medíocre. A fortuna do poeta que anuncia está-lhe nas
mãos; e cabe-lhe a responsabilidade de desdobrar a obra aos olhos curiosos
e inocentes do leite.”
“na infância
com a cumplicidade da
areia
eu sabia quem era
ao fazer barcos de
papel
cresci
aprendendo a ser eu
com a cumplicidade da
água
sonhando mundos em
papel”
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