Toda a
poesia é um acto de sobrevivência
e a poesia de Ricardo Marques
exemplifica este questionamento do ser.
Poesia
filosófica, argumentando, sem clichés, a existência, as margens, o dito e
o não dito, fulgura
aqui o esplendor
da existência, desde o deslumbramento pela natureza, à
extravagância da exploração
do corpo, seja de um auto-corpo, seja de um alter/corpo.
A morte é outra das temáticas abordadas, sem
adjetivações ou
pendores místicos.
Toda a filosofia abrange as dilemáticas do ser, do
sendo, do estando e da finitude.
Por vezes, em
Ricardo Marques,existe o apelo a um outro: e esse apelo é forte, é
Eros, é profundamente táctil.
Mas a sobrevivência de Eros é como a passagem das
estações: do esplendor da primavera, à decadência
do outono.
A natureza envolve todos os actos humanos. Daí o
título Bucólica.
Ricardo Marques é uma voz: não precisa
de arrastar influências deste ou daquele nome.
O que se pretende aqui dizer é que o autor possui voz própria…
E a memória, essa profundeza de todos os saberes,
de todas as lembranças, de todo um apocalipse que nos marca a existência?
Poderia o homem viver sem memória? Que feliz seria..
Em Bucólica faz-se apelo a um Amor que é, todo
ele, a paixão não conseguida.
E não será isso mesmo, o Amor , a outra margem do
desejo, aquela que nos escapa, na sua fugacidade, na sua interiorização de
todas as entropias?
O que já não espanta, a quem vai lendo Ricardo
Marques, é um pendor classicisante
d a sua obra: é natural.
O autor mora sobretudo nos terrenos de estranheza de um Mestre
Maior da nossa Poesia: o grande
Nuno Júdice.
Mas, como eu já o disse, sempre com Voz própria.
Quando na página 26 nos refere esse corpo
desafiante e erótico, organizamos uma situação de grandes paradoxos: a
língua, a lágrima, o corpo adormecido porque o sonho manda: mais uma vez a
memória, esse factor desestabilizante
de qualquer ser. A memória traz-nos o sorriso, traz-nos a morte,
traz-nos os inícios e os fins.
Contrariamente à poesia vulcânica de Al Berto,
encontramos em Ricardo Marques uma harmonia
que é em muito uma pseudo harmonia; um equilíbrio que está sempre
a resvalar para um desequilíbrio.
E isso capta a nossa vontade de sorver esta poesia
e a percepcionarmos: após
e dentro de cada
harmonia, bucólica que seja, há um universo
de caos , de algo que se não revisita, de uma dor, também ela,
clássica e não luxuriante.
Bucólica, enfim , preenche algumas das questões
que mais nos emocionam e nos retiram daquelas pantufas mentais em que
nós vivemos: a
existência, nem que não seja de uma flor é a própria designação de uma não
existência.
Esta complexidade da morte e da vida , este
labirinto que não sabemos o que é
, nem que porta
salvífica o trava, é ,afinal,
a vida.
Eros, thanatos, a memória de algo tão vivo que nos
faz doer, é a tónica de milenares narrativas
que preenchem o nosso imaginário.
Desde Tristão e Isolda a
Shakespeare que sabemos da
finitude, daquele fim que não sabemos como contrariar.
Ricardo Marques não nos transpõe poesias de
tristezas e contrariedades: pelo contrário, fiel ao pendor clássico,
remete-nos para a
volatibilidade de um Druída,
encantatório, doido, pleno de vida
Mas
após, vem o corpo, essa visibilidade estranha
que não controlamos, esse
caos que nunca nos preenche na plenitude.
Há muito tempo que acompanho a poesia de Ricardo
Marques. Estava sempre a espicaçá-lo para uma publicação. Agora sim, desde
que está em Londres, Ricardo explode em força com as suas narrativas
poéticas, muito próprias, em ascensão de beleza e
encantamento.
Aliás, falar do Ricardo é quase falar de um filho,
que fui acompanhando anos a fio, na invisibilidade que os locais de
trabalho nos permitem .
E hoje vejo no Ricardo, o Poeta , o Crítico
Literário, e o ensaísta. E de certeza será este caminho que trilhará a
vida.
Um outro aspecto: não é fácil questionar os
grandes actos e exposições da Natureza, com este classicismo lindissimo.
Mas sabemos dos seus mestres. Sabemos das interioridades que foi
acumulando, nesta sua imensa juventude, mas já de sábio.
Se encontramos a Voz Maior de Nuno Júdice nas
entrelinhas, reencontramos também um Ricardo Marques preenchendo vozes
que se dizem, se reencontram, se transmitem, se entre- abrem , se
interligam, se refugiam num
imaginário rico e denso.
Cecília
Barreira/ FCSH/UNL
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