A
CORO: O CORO (TRECHOS DE UM CORO
MAIOR)
Ainda percorreremos paisagens que
descrevemos
como desoladas por não querer
desperdiçar qualquer delicadeza
O destino
da nossa andadura
será definido? Quem tentará
instruí-lo
como
a um cão
escorregadio?
Os sistemas que se deslocam
estacam
quando circulados pela
imprecisão dos passos não mais
conciliados
às sombras da clareza
em
que se deita
por
inanição. Pede-se repouso — não
fôlego —
para
a manutenção do desconforto.
Pede-se
com o rosto encontrado
entre dunas de calcário
Descemos pela cicatriz
no dorso
da insistência: o solo
que nos solidifica costuma aceitar
o lençol
das manhãs após
lavar suas lesões
nos lagos
sulcados na
nossa saliva
CORO — DOS QUE SABEM O
ESQUECIMENTO?
Suas paisagens não anunciam nenhum
indício
seja de ordem seja
de linguagem. Suas paisagens:
percebemos
que apodrecem apesar
de persistirem
atravessadas — como pilastras —
nas vias
da vigília
cada vez mais contrita
(Desenterramos os pomos que
desprezam
escavando
sob a brita descarregada
onde
descobriríamos seus rastros)
Ouça-se
o que erguemos
ao enfurecimento:
Ouça-se
o que não
será monumento:
Guardamos
nas
frestas da pele
as vozes
que
nos ferem
entregando
o tórax
ao estalo
de
outros talhos
CORO: O CORO (TRECHOS DE UM CORO
MAIOR)
Também o apodrecimento incita à
insistência
(por mais
que procure
despencar do
desalento)
Embora combalidos, não
apodrecemos
sobre
os gestos
com que perturbamos o tempo —
sobre
as frases com
que
consumimos
o
desconhecimento
(as ruidosas
referências
convergem
para
o vértice que
expõe
a vida
ao
ventre
de nossas
vertentes)
CORO — DOS QUE SABEM O
ESQUECIMENTO?
Para poder persistir com a coluna
deslocada?
porque
as vértebras — já violadas —
vociferam
das
ferragens
impostas à tempestade
Ouça-se
o que erguemos carregando
as vigas
do vento
Ouça-se — apesar do estrago —
o quanto
não cedemos
Atrás
das estradas da sede:
não
preservaremos
as suturas
que sustentam
o punho
quando
suspendermos
suas
fraturas
B
Carrego do meu ser de insistência
O canto
Onde deitar a instabilidade que
Arranca
Das
Águas um braço
De
Sarcasmo
Carrego
Do meu ser de sigilo
Carrego
Por
Seus silêncios
Por
Suas fissuras
O campo
Onde propagar a precariedade
Que insere
Na sintaxe
O rangido de um bulbo
Revolvido
Pelas raivas
De
Um vício
Ainda
Propício
C
AQUELA
QUE DIZ: TAMBÉM TENHO MEUS ÓDIOS:
Precisamos não estender os silêncios, não abreviar
as
palavras. Podemos
apreciar sua sensatez, jamais arruinar
seu
rigor. Meu ódio
não nos
conduz a nenhuma cólera. Repudio
o
rancor que não se cala, decidindo não colaborar
com o
desconforto
que
contamina esta casa. Ao buscar o esquecimento,
percebo
que tenho acumulado
a
memória
de
incessantes assombros. Ainda
procuro
contornar a catástrofe. Não criei
o crime
que cresce
entre
nós, enterrando
estacas
nos pontos onde apoiamos as omoplatas.
PRIMEIRA INTERSEÇÃO:
dirá:
Entendo que não encontrará plenitude, mas alegria; dirá: Uma alegria que
não receia a euforia, uma alegria tão apática quanto a catatonia; dirá:
Entendo a alegria de não andar, de não dormir, de não correr, de não
cair; dirá: Entendo, apesar de desconhecer a solidão que ressoa, como
uma víscera, assim que lançada à fuligem
COMENTÁRIO À CATATONIA:
Rigor
não se reduz a contenção;
Sua
geometria
Compreende tanto a dispersão
Quanto
a disciplina. Contra
Todo
O meu
esforço, tenho admitido
Um
grunhido
Que não
quer cessar; conceba,
Como
puder,
Esta
Conciliação: cansei de pisar
Os
escombros
De uma
ainda improvável
Comunicação;
Claro
Que sou
desagradável: não confio
Em quem
Não se
afaste
Dos
meus prazeres,
Em quem
Não se
afaste
Dos
meus males:
Aceito,
no entanto, aqueles que
—
Incapazes
De
concordar —
Dedicam
o dia a uma
Demorada
Desorganização: diante
Da sua
paralisia, —
Presença
Que me
retifica, —
Estou
Próxima
— não hesito
Em
Concluir — de acordar
Sempre
Mais
estilhaçada
SEGUNDA
INTERSEÇÃO:
dirá:
Amanheceremos afogadas
em
palavras
claras;
dirá: Nossos
sons
não nos
alcançam, nossas
chuvas
não nos
assediam
porque
ainda
nos assolam
até
conseguir emitir — já a ampliar o
paladar —
a experiência da paz
que
regressa
(como
uma dança)
ao nervo
da
devastação
D
Carrego do meu ser de
insuficiência
as unhas
fincadas na raiz das ramagens
impostas
ao medo que desarma
as vidas
dedicadas
à voragem
Carrego
do meu ser de solidão
o alarme
que povoa a carne
junto
ao enigma
que
multiplica
suas
vigas pelas
veias
da exaustão
E
Levanto
com a coluna castigada, de novo decidida
a reconstituir
o rosto
do meu filho; preciso acolher
suas
misérias; preciso observar suas precariedades,
prever
seus
medos; preciso reafirmar
suas vontades. Seria
inútil preparar o punho para
um
golpe de cólera, para uma revolta
cujo
alvo — agora arredio — pretendo
fazer
viver no meu
corpo
mais pacífico? Aquele que não canta
diz:
quando o sol recusa a queimadura
acesa pela
minha
cabeça inteira, perscruto
a manhã
atrás
da fresta onde aninharei
uma
sobrevivência da mesma
maneira
que a
andorinha
aninha sua cria (protegendo
sobretudo
a estridência de uma frágil
intensidade). Este, sem gesto, insiste
que a figura
aqui
manifesta, animada pela iminência
da formação
de um afeto, murmura, talvez
dedicada ao inaudível, as sílabas de um nome
quase
imprevisto, que se esfacela,
já inativo, antes de fabricar
a
faísca de uma ferocidade. Nada ferirá
o rosto
que resguardo para oferecer
a meu
filho, o rosto repousado sob
a claridade
que
recrudesce
o contato
a ser restaurado (como não deseja
provocar a vista, identifica apenas um vestígio
de vozes
no
instante em que, destituído
dos sentidos, o que resta
do
corpo se dispersa por uma violência
tanto
mais
vasta
quanto
mais deserta). Aquele
que não
canta diz: começo a reaprender
o burburinho
do
sangue sob a perplexidade da pele
exposta
a um
sol incisivo; diz: manuseio
meus
músculos com a delicadeza
do espanto diante
da
destreza, capaz
de
explorar a força que me permitirá
construir
o vento para voltar
a
avançar. Este,
sem gesto, insiste
que a
figura aqui manifesta,
animada
pela iminência
da
formação de um afeto, murmura, talvez dedicada
ao inaudível,
as
sílabas
de um nome quase remoto,
que
ressuscito — com os lábios
deformados — depois de reunir
seus
detritos. Escuta: entre as lâminas
de luz
que perfuram minhas
pupilas, adivinho a criança cujos dedos crescem
pelos
meus
cabelos. Escuta: experimento
o sopro
que arranco da letargia, contra
os
escombros
do abandono,
contra
as ferragens da apatia,
palmilhando — pelo dorso da solidão —
vidas
próximas da alegria,
vidas a que dedicaremos
o nosso
cansaço, a nossa euforia,
mesmo
quando consumidos, porque não traio
meu filho
ao
aceitar outros lapsos, outros abrigos,
outros cuidados,
outros
rangidos, sua imagem, como ainda
podemos
verificar, como ainda
podemos perceber, persiste
no meu
corpo
mais sadio,
espancando
as comportas de minhas córneas.
F
Por que
estas palavras atiradas à superfície da fala?
uma
ave —
talvez água — ávida:
concedemos à sonolência
dos
seres
de sono
escasso
o rumor
de uma
memória em que
o
medo,
a
areia, o êxtase,
a sede,
o palco
compõem
a ponte
para
outro
descompasso. O texto
do
encontro. Inventa
o
retorno,
o
avanço. O rastro: vigio
ao
redor do mutilado, tateando
por
entre a
poeira; narro
—
quando
não
nos
ouço — o necessário
sobre
seu
passado. Corrijo:
sua voz
— seu corpo, híbrido —
inventa
o
relato,
o
fôlego: esmaga, com
as mãos
retesadas, o espaço
que
repousa
nos
joelhos,
o
espaço
despejado
pelo
dia que o silencia,
pela
noite
que o
cega, o espaço
resignado a qualquer
ausência,
a
qualquer
afago,
resignado porque
não se
quer
derrotado (apesar de combalido),
nem
interrogado
(apesar
de
compulsivo),
reconfigurando — depois
de
aliciar
o
aleatório, depois
de
elucidar o latente —
o
espaço: para
o
parto; o espaço: para a paralisia;
o
espaço:
para
restaurar — ruidosamente restaurar —
a
saliva,
o bulbo,
a cica, o sopro que
forma
o fogo;
o espaço:
para
apascentar
a
apatia;
o
espaço: de uma língua
de
alumínio: o espaço:
de um
crânio
de
cobre:
o
espaço: como um trinco
na
traqueia: o espaço: como
uma
teia
de
válvulas
nas
veias,
como
uma teia (uma trama
não
de
atalhos,
de
trincheiras) que
estende
o
circuito
(pelo
signo)
de novo
nítrico
do
sangue |