A marca Portugal começou com D.Afonso Henriques, mantendo-se até
aos nossos dias com algum desgaste mas de uma solidez surpreendente.
A marca! É ela que cria valor para o consumidor e para a empresa.
Enquanto o produto é coisa fabricada em fábrica, a marca é qualquer coisa
que motiva a compra pelo consumidor. Não por acaso, associamos signos,
formas, cores e mesmo sons, em alguns casos, às marcas. As representações
dos monarcas – com os seus escudos e insígnias, os seus ceptros, coroas,
bandeiras, brasões, selos, anéis, hinos... – constroem essa identidade
física da marca, num conjunto que exige coerência e que serve para
concentrar a atenção, ao mesmo tempo que facilita a identificação, promove
a atribuição e estabelece o poder da marca. Os ingleses usam o termo
brand para falar de marca; os franceses
brandon. A origem está no
termo que designa o ferro que marca o gado. Afonso Henriques, um dos
nossos maiores empreendedores, marcou a ferros a identidade nacional e fez
nascer um território construindo entre fronteiras progressivas a sua
notoriedade, estabelecendo solidamente a sua legitimidade e fazendo vingar
estratégias militares e políticas de impacto indiscutível: carácter,
território e valores consolidaram a identidade psicológica da marca
Portugal, assinada pelo nosso primeiro rei.
Afonso Henriques inscreveu um reino na sua própria acção –
consolidando um produto ( Portugal ) de uma forma quase ilegível, mas
conseguindo a autenticação da sua origem, à força de batalhas – nos
terrenos de combate das guerras armadas e da diplomacia, que não foi então
menos violenta.
Ao ser reconhecido pelo Papa – e após a assinatura da bula
Manifestus Probatum, emitida
pelo Papa Alexandre III, em 1179, que declara o Condado Portucalense
independente do Reino de Leão e Afonso Henriques, o seu rei - , a marca
local tornou-se marca global legitimada.
Como bom empreendedor, Afonso Henriques acreditou na qualidade do
produto e nas suas vantagens em relação aos concorrentes. De uma ambição
fez uma parcela de terra independente – e desta parcela um reino que
resistiu no tempo. Não esquecemos, obviamente, os antecedentes. A
reconquista cristã dos territórios ocupados pelos árabes – após 711, com a
invasão da Península Ibérica, por Tariq ibn Ziyad, o general Omíada que
combateu os visigosos, e tudo o que se lhe seguiu em matéria política e
geográfica – tinha sido iniciada no século IX com grande intensidade. Isso
gerara uma divisão do reino de Leão em quatro grandes zonas
administrativas – Astúrias, Leão, Galiza e Castela -
e a confiança dada pelo rei a condes ( os
comes ) - na tradição romana e
visigótica - para o governo local desses territórios. Alguns desses
condes, com mais dimensão e poder, os duques ( os
dux ) pareciam dotados de
ambições maiores. Neste quadro de acção, vemos o aparecimento de uma
unidade territorial coerente, mediada pelos rios Lima e Douro, onde um
dux se estabelece, rodeado por uma nobreza empreendedora ( os
ricos-homens ), secundados por famílias menos poderosas ( as dos infanções
). Essas famílias tinham ocupado terras de persúria, termo latino que
significa prender ou apoderar-se, isto é, terras que depois da vitória
cristã foram deixadas sem ocupante legítimo e das quais os cristãos se
apoderavam sem problema. Nasce nesse espaço entre Lima e Douro o Condado
Portucalense. É aí que se instala um poderoso proprietário galego, Diogo
Fernandes, que criará a dinastia dos Mendes e o primeiro núcleo político
de Portugal. Todavia, a derrota de Afonso VI o Bravo, rei de Leão e de
Castela. contra os almorávidas, em 1086, fez mudar o rumo dos
acontecimentos. Afonso VI precisa de reforçar os laços com os príncipes do
Norte da Europa e casa a sua filha – e sua legítima herdeira -, D.Urraca,
com Raimundo da Borgonha, dando ao genro o governo da Galiza, e os
condados de Portucale e de Coimbra. Mas era um território vasto, pelo que
Afonso decidiu dar ao outro genro ( Henrique, casado com Teresa, ou
Tarasia, sua filha bastarda ) o governo dos condados de Portucale e de
Coimbra.
Afonso Henriques, filho de Henrique e de Teresa, vai beneficiar de
um conjunto de circunstâncias favoráveis, ao nível político local e
periférico, demonstrando grande empreendorismo e capacidade de acção,
traduzindo esse momento favorável em sucessivas vitórias militares,
diplomáticas e sociais. Consagra a independência do Condado e aumenta a
sua dimensão geográfica para sul sobre os reinos de taifa. As taifas
ibéricas chegaram a ser trinta e nove pequenos reinos; após o
enfraquecimento dos almorávidas e dos almóadas, surgiram os chamados
segundos (1144 e 1170) e terceiros Reinos de Taifas (século XIII).
Afonso Henriques conseguiu importantes vitórias militares sobre
esses reinos e sobretudo soube explorar com grande habilidade a degradação
da monarquia castelo-leonesa.
Quando passamos à análise histórica, constatamos que uma certa
debilidade paira sempre sobre o rigor do que se conta, ficando as
dúvidas até que as fontes sejam confirmadas. O levantar da poeira do tempo
pode levar séculos a conseguir-se, parecendo adiar a verdade,
ad aeternum em alguns casos,
como é sabido. Ainda hoje, sobre a figura fundamental de D.Afonso
Henriques, cruzam-se a incerteza, a especulação e as contradições (até
ver) irresolúveis, degladiando-se os historiadores e sobretudo as
correntes da historiografia produzida numa matéria que devia ser
consensual, dir-se-ia mesmo nacional e inequívoca. Acresce sobre o
inventário biográfico do primeiro Rei de Portugal visões esotéricas e
especulativas – há quem veja nele o iniciador de um Novo Ciclo Teúrgico no
Ocidente, de expansionismo cultural e iniciático através da ligação das
tradições Cristã e Cátara com a casta Moura (Morya, Mariz, Maria,
Mareum...), vanguarda esotérica do Islamismo, a linha Sufi, com o
objectivo de, a partir de Portugal, instaurar a Sinarquia dos Povos no
Ocidente medieval e daqui alastrá-la ao Oriente. Assim sendo,
Afonso Henriques, ou El Rike, Guerreiro e Sacerdote da Ordem do
Prestes ou Pai João ou, ainda, de Melkitsedek, teria chamado a si todas as
Ordens Iniciáticas da Península Ibérica, inclusive Ramas do Sacerdócio
Sufi, e fundado à margem do papado romano, cuja autoridade não reconhecia,
a Ordem de Aviz, cuja vanguarda foi a Ordem de S. Miguel da Ala.
A última polémica, não menos cativante e mobilizadora, gira em
torno da sua cidade natal, até há pouco aceite como sendo a de Guimarães,
que alguns pensam ter sido Viseu, gerando-se uma discussão menos rentável,
já que carecemos de provas num ou noutro sentido.
A verdade é que o nosso primeiro grande empreendedor tem uma
biografia polémica, mesmo sem a carga mística que alguns lhe impõem. Não
se sabe ao certo a data do seu nascimento – coisa não rara para a época -
, apontando-se como melhor hipótese o ano de 1109. Como local de
nascimento, apontam-se as cidades de Guimarães (a versão mais
popularizada) , Coimbra (em 1990, o Professor José Hermano Saraiva dirige
o Dicionário Enciclopédico de História de Portugal, pelo que erradamente
se lhe atribui a ideia ali inscrita onde se coloca a hipótese de Afonso
Henriques ter nascido em Coimbra . Esta ideia, assumida no dicionário,
será o ponto de partida para uma refutação, em tese do Professor
A. Almeida Fernandes); e, ainda, a cidade de Viseu. O autor que
melhor defende ter sido a cidade de Viseu a vê-lo nascer, foi o mesmo A.
De Almeida Fernandes (na obra «Viseu, Agosto de 1109, Nasce D. Afonso
Henriques », editado no ano de 1993 e reeditado em 2007 pela Fundação
Mariana Seixas), aponta o mês
de Agosto como mês de nascimento, com apoios diversos ( cruza os seus
estudos com os de José Mattoso, Maria Alegria Fernandes Marques, António
Matos Reis, João Silva de Sousa, Bernardo Vasconcellos e Sousa, Avelino de
Jesus Costa, Barrilaro Ruas, entre outros,
que subscrevem a sua tese). Construiu então a sua afirmação, dando
resposta a uma questão tão simples e tão complexa como a de saber onde
residia D. Teresa por alturas do nascimento de seu filho. E concluiu que,
no período de Julho a Agosto de 1109, data de nascimento de D. Afonso
Henriques, sua mãe residia em Viseu. Assim sendo, o primeiro rei português
terá nascido nesta cidade e não em Guimarães ou Coimbra, como então se
opinava. Da documentação consultada resulta que Viseu terá sido residência
de reis desde a primeira metade do século X, que D.Teresa tinha uma
predilecção por esta cidade, como é comprovado pelas muitas doações que
fez aos homens de Viseu, pelas cartas de foral que concedeu aos concelhos
à volta de Viseu e pelos apoios que aqui conseguiu nas batalhas que teve
de travar com seu filho. Há ainda documentação que comprova a ausência de
D. Teresa no funeral de seu pai e, mais ainda, na exéquias fúnebres,
impedida de se deslocar em viagem, devido ao seu estado de avançada
gravidez. D. Henrique, nesse ano de 1109, lutava contra os sarracenos e
tomara-lhes o castelo de Sintra. A 29 de Julho já se encontrava em
Coimbra, e aqui preside, na catedral, à cerimónia de outorga à cidade do
mosteiro de Lorvão. D. Teresa, não esteve presente nesse acto, como era
sua obrigação. Encontrava-se em Viseu, no paço, para onde se dirigiu D.
Henrique, após a cerimónia de concessão do mosteiro de Lorvão.).
Há autores que, baseando-se em documentos que remontam ao século
XIII, referem como data de nascimento o dia 25 de Julho do mesmo ano.
Algumas histórias, menos factuais e mais lendárias, sugerem que Afonso
Henriques tenha sido filho de um rico-homem portucalense, da linhagem dos
Riba Douro, uma das cinco grandes famílias do Entre-Douro-e-Minho condal
do século XII, o seu aio, Egas Moniz e de sua mulher D. Dórdia Pais de
Azevedo – e não de Teresa e Henrique. Muito débil e doente à nascença,
Afonso Henriques teria, de acordo com esta possibilidade, sido trocado
pelo filho da mesma idade (criança robusta e forte) do aio, que assim
salvaria a continuidade do condado.
Parece sem discussão a data da sua morte: 6 de Dezembro de 1185 – o
que o torna homem de longevidade excepcional, para a época. Esta
longevidade foi determinante para concretizar os seus objectivos: morreu
com 77 anos, com mais de 57 anos de governação. Sob o ponto de vista do
empreendedor que foi, essa estabilidade permitiu-lhe apurar objectivos,
melhorar desempenhos, estabilizar conquistas e criar estratégias
aplicáveis e concretizadas a longo prazo.
Afonso Henriques conquista a independência portuguesa no Tratado de
Zamora. Fá-lo em relação ao Reino de Leão – no ano de 1143.
Sem grande relação com o papa, mas por razões estratégicas
evidentes – queria libertar-se completamente da soberania de Afonso VII
que chegara entretanto ao poder, Afonso declara-se vassalo da Santa Sé – o
que lhe garante não ter assim mais nenhuma dependência de poder civil ou
eclesiástico. O preço da vassalagem é relativamente elevado: Afonso
Henriques promete pagar a Roma quatro onças de outro, todos os anos.
O papa em questão, Inocêncio II, não querendo desagradar a ninguém,
aceitou a vassalgem sob reservas: concedeu apenas a D.Afonso Henriques o
título de dux portugalensis e a Portugal o nome de
terra. Isto, embora
pouco para as ambições de Afonso Henriques, vai permitir-lhe alargar a
fronteira do reino para sul – aos confrontos com os árabes somam-se os
confrontos com os herdeiros de Afonso VII, que lhe negavam o direito de
conquista. A Santa Sé só mudará de atitude 35 anos depois: em 1179, já
tinha morrido há muito Afonso VII e os seus territórios estavam já
divididos pelos seus dois filhos. Só então, o papa Alexandre III acede,
por bula de 23 de Maio e a troco de um elevadíssimo tributo anual,
conferir a D.Afonso Henriques título de rei e de reino a Portugal.
Acrescia que pela mesma bula, Afonso Henriques ficava com o direito de
conquistar aos mouros as terras sobre as quais os outros príncipes
cristãos não possuíssem direitos anteriores.
À independência política seguiu-se o reconhecimento efectivo de uma
província arquiepiscopal que coincidia com os limites do reino de
Portugal, subtraindo-a para sempre à primazia de Toledo, que dela se
arrogara sobre toda a Espanha desde os reis visigodos. D. Afonso Henriques
fez assim do arcebispo de Braga um dos seus principais apoios. Graças à
reconquista, cumulou de bens o clero, particularmente os cistercenses de
Alcobaça e as novas ordens militares do Hospital e do Templo. Aqui há que
referir que as ligações a Borgonha eram evidentes: D.Henrique, um
aristocrata, conde da Borgonha deixou um grande legado cultural a seu
filho Afonso Henriques, onde se cruzam algumas evidências. A Ordem de
Cister – com a de Cluny, também de origem borgonhesa – que vai estar sete
séculos em Porttugal, nascera com Bernardo de Claraval, na Borgonha.
Claraval será um grande ideólogo e estará na origem da Ordem do Templo ou
dos Templários ( e na redacção da sua Regra ), sendo amigo do primeiro
grão-mestre, Hugo de Payns, que sairá da Borgonha para a Terra Santa.
Afonso Henriques vai declarar-se “irmão da Ordem do Templo” , em
documentos oficiais. E o grão-mestre templário Gualdim Paes será uma
figura fundamentais da mesma Ordem, que desempenha um papel militar
importante na época (a Ordem do Templo, a primeira de monges-cavaleiros,
ficará em Portugal até ao reinado de D.Dinis. Com a sua extinção será
absorvida pela nova Ordem de Cristo, criada no século XIV).
A carreira exemplar de D.Afonso Henriques sofre um dissabor
decisivo quando cerca Badajoz, sob o desejo de conquistar a cidade para
Portugal. Entre 1166 a 1168, D. Afonso Henriques apoderara-se de várias
praças pertencentes à coroa leonesa.
Entrou pela Galiza, tomou Tui e vários outros castelos, e em 1169
atacou Cáceres. Voltou-se depois contra Badajoz ( na posse dos sarracenos,
mas que pertenceria a Leão, conforme o acordado no tratado de Sahagún
assinado em 1170, entre Afonso VIII de Castela e Afonso I de Portugal).
Quando os muçulmanos já estavam cercados na alcáçova, Fernando de Leão
apresentou-se com as suas hostes e atacou D. Afonso nas ruas da cidade.
Percebendo a impossibilidade de manter a luta, Afonso terá tentado fugir a
cavalo, mas ao passar pelas portas ter-se-á ferido na coxa contra um dos
ferros que a guarneciam. ( Também aqui os autores se dividem, falando de
ferimento em luta contra o inimigo, em acidente ocorrido na fuga e
Jean-François Labourdette - cf. bibliografia - fala não só em ferimento
como em perda da perna em combate. A verdade é que a energia de Afonso
Henriques esmorece a partir daí, abandona a sua carreira militar, e em
1170, associa o seu filho Sancho aos negócios da coroa ( assim ficando
durante quinze anos, até à morte do pai ). Afonso é feito prisioneiro – é
tratado pelo rei D.Fernando II, seu genro, pois casara com a filha de
Afonso Henriques, Urraca).
A campanha teve como
resultado um tratado de paz entre os reinos, assinado em Pontevedra, em
virtude do qual Afonso foi libertado, com a única condição de devolver a
Fernando cidades extremenhas (da Extremadura espanhola) tais como Cáceres,
Badajoz, Trujillo, Santa Cruz, Monfragüe e Montánchez, que havia
conquistado a Leão. Estabeleciam-se assim as fronteiras de Portugal com
Leão e a Galiza. E mais tarde, quando os muçulmanos sitiaram Santarém, o
leonês auxiliou imediatamente o rei português.
Sob o ponto de vista da Administração interna, os exemplos de
empreendorismo não faltam: procurou fixar a população, promoveu o
municipalismo e concedeu forais. Contou com a ajuda da ordem religiosa dos
cistercienses para o desenvolvimento da economia, predominantemente
agrária. O reinado de Afonso Henriques ficou marcado pela tolerância para
com os judeus, organizados num
sistema próprio, representados politicamente pelo grão-rabino nomeado pelo
rei ( o grão-rabino Yahia Ben Yahia foi mesmo escolhido para ministro das
Finanças de Afonso Henriques, responsável pela coleta de impostos no
reino. Com esta escolha teve início uma tradição de escolher judeus para a
área financeira e de manter um bom entendimento com as comunidades
judaicas, que foi seguida por seus sucessores ).
O túmulo do nosso primeiro Rei encontra-se no Mosteiro de Santa
Cruz, em Coimbra, ao lado do túmulo do seu filho D. Sancho I.
A marca que criou continua, orgulhosa: PORTUGAL.
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