ADELTO GONÇALVES
Crónicas de viagem

Um passeio ao redor do Mar da Galiléia

In: O Primeiro de Janeiro, Porto, 17.04.06
 

Pode-se iniciar uma viagem por Israel por muitos pontos, mas não escolhe mal quem decide, depois de desembarcar no Aeroporto Ben Gurion, começar com um passeio por Tel Aviv em direção a Jaffa, antiga cidade portuária chamada de Jope ou Joppa na Bíblia, hoje uma colônia de artistas, onde se encontra a casa de um certo Simão curtidor. Ali o apóstolo Pedro teria ficado hospedado, como se lê na Bíblia (Atos 9.43): a casa só pode ser vista por fora porque, hoje, é residência particular de uma família armênia.

Depois, é partir em direção a Galiléia pela Via Maris, nome em latim para "Caminho do Mar". Citada na Bíblia, a Via Maris é uma antiga rota comercial usada no Oriente Médio ligando pela costa Egito, Pérsia, Síria, Anatólia e Mesopotâmia, que correspondem hoje a Egito, Irã, Síria, Turquia e Iraque.

O Norte de Israel é a mais bela e mais tranqüila região da Terra Santa. Passando por Netânia, famosa por suas lapidações de diamante, atravessa-se o Vale de Sharon até as ruínas de Cesaréia, cidade erguida por Herodes o Grande, entre 29 e 22 ªC., na área de um antigo porto fenício. Depois de uma fase de auge, a cidade entrou em decadência, mas recuperou seu prestígio no início do século XII e durante as Cruzadas, até que, ao final do século XIII, foi destruída pelos mamelucos.

Até a criação do Estado de Israel, depois da Segunda Guerra Mundial, não se tinha idéia do que representavam aquelas ruínas, mas, agora, depois de muitas escavações e restaurações, vêem-se um imenso anfiteatro romano com capacidade para 4 mil pessoas e outras construções da época. Ali, em julho e agosto, há sempre shows ao ar livre.

O local hoje se chama Parque Nacional de Cesaréia e abriga, além do anfiteatro e do Museu de Cesaréia, muralhas parcialmente submersas que assinalam o local onde existiu o Palácio de Herodes. Mais além estão ruínas de um hipódromo romano, um aqueduto romano e uma rua bizantina. Quem é cristão não pode esquecer de que ali o apóstolo Pedro converteu Cornelius, o centurião (Atos 10.1-48).

MONTE CARMELO

Mais para o Norte, está o Monte Carmelo, ao pé do qual se situa Haifa, a terceira cidade de Israel, importante centro industrial e belíssimo porto mediterrâneo, já perto do Líbano. Pode-se subir o Monte Carmelo, de onde se tem uma visão panorâmica diante do Ribeiro de Kishon. Diz a tradição que o profeta Elias meditou neste lugar antes de derrotar os profetas pagãos. Almoçar num dos modestos restaurantes no alto do Monte não sai por mais de 25 shekels (US$ 6).

Numa das encostas do Monte Carmelo, fica o mosteiro carmelita Stella Maris, ao qual se pode chegar também por teleférico. Abaixo do mosteiro e de sua bela igreja construída no início do século XVIII, está a Gruta de Elias, local de peregrinação para as três religiões monoteístas.

Em Haifa, não se pode deixar de ver o Templo Bahaísta com seu domo dourado e seus jardins impecavelmente bem cuidados. Quem vai a Haifa nunca deixa de ser fotografado no alto do mirante do Templo com a vista da cidade lá embaixo, mas fazer fotos nos jardins é ostensivamente proibido pela ação de seguranças. O Templo é sede bahaísta e túmulo de Bah, o precursor da seita que viveu no século XIX, e só está aberto ao público na parte da manhã.

País que seguia uma orientação com tinturas socialistas em seus primeiros anos de existência, Israel, a cada dia, torna-se mais capitalista. Já vão distantes os tempos em que o primeiro-ministro Ben Gurion, para servir como exemplo, foi trabalhar num kibutz. Há mais de dez anos, com a crise financeira, o sistema cooperativo dos kibutz entrou em crise. Hoje, os kibutz funcionam mais como hotel.

Haifa é um bom exemplo da especulação imobiliária que tomou conta das principais cidades israelenses. Um apartamento de três quartos em Haifa não sai por menos de US$ 1 milhão. Hoje, o salário médio ao redor de US$ 1.800 já é insuficiente para quem tem família, pois o custo de vida é excessivamente alto. Sem contar que 15% da população vivem com US$ 500 por mês.

MONTE TABOR

Em menos de duas horas e meia, pode-se ir do Monte Carmelo até o Monte Tabor, já na Baixa Galiléia, onde diz a tradição que Jesus Cristo se transfigurou diante de seus apóstolos. Para subir ao Monte Tabor, é preciso utilizar o serviço de limusines, que sai de uma estação ao pé do morro. O serviço funciona até as 17 horas e a passagem sai por 5 shekels (US$ 1) para uma viagem de cinco minutos por um estradinha íngreme e de curvas fechadíssimas.

Do Monte Carmelo, o melhor mesmo é seguir para Tiberíades, onde a oferta de hotéis é extensa. Entre os lugares de interesse nas proximidades, estão as cidades de Safed, uma das quatro cidades sagradas para os judeus -as outras são Tiberíades, Hebron e Jerusalém -, e Nazaré, onde Jesus Cristo teria passado a infância.

Não se pode também deixar de conhecer as colunas de Golã, conquistadas por Israel durante a Guerra dos Seis em 1967. E subir ao Monte Hermon, de 2.200 metros de altura, na fronteira com Síria, Jordânia e Líbano. O local é perigoso e não é recomendável que se desça do ônibus ou do automóvel na rodovia porque a área é minada e está fortificada com arame farpado: há construções abandonadas no meio da vegetação da época em que a região pertencia a Síria.

BÂNIAS

Uma das principais fontes do Rio Jordão está ali no alto do Monte Hermon, em Banias, a 15 km a leste de Kiryat Schmona. Também conhecida como Cesaréia de Filipe, foi aqui que se estabeleceu a tribo de Dã: escavações colocaram a céu aberto construções da época do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era presidente da Judéia e Herodes tetrarca da Galiléia, como se lê na Bíblia (Lucas 3.1).

Descendo do Monte Hermon, chega-se ao Mar da Galiléia, principal reserva de água de Israel, que é alimentada pelo Jordão. Desde os tempos bíblicos, o Mar da Galiléia é local de pesca abundante. Muitas das pregações de Jesus Cristo foram feitas à beira deste mar de água doce, já que vários de seus discípulos eram pescadores que ali trabalhavam. As águas, aparentemente, calmas convidam à natação, mas é proibido nadar sem salva-vidas.

TABKHA

Tabkha (Ein Sheva) foi um dos principais locais das pregações de Jesus Cristo. Na última década de 80, foi construído no local um templo sobre as ruínas de uma igreja bizantina do século V d.C. É a igreja da Multiplicação dos Pães e dos Peixes erguida onde se acredita que tenha ocorrido o milagre de Cristo que permitiu alimentar cinco mil pessoas com apenas cinco pães e dois peixes, como narra a Bíblia (Mateus 15.32-39). Dentro da igreja, um mosaico preservado diante do altar mostra um cesto de pães ladeado por dois peixes.

Em Tabkha, está também o Monte das Bem-Aventuranças, onde Cristo fez o famoso Sermão da Montanha (Lucas 6.17-49). No local, fica a Igreja das Bem-Aventuranças, construída em 1910. Mais abaixo, já houve outra igreja católica que ficou conhecida por esse nome, mas em local ignorado. A vista é excepcional e, apurando o ouvido, constata-se que ali há uma boa acústica: Cristo teria feito o sermão para uma multidão reunida nas encostas do Monte.

À beira do mar da Galiléia, está Cafarnaum, que foi importante cidade romana e também local de conhecidas pregações de Jesus Cristo. Hoje, só restam ruínas de uma antiga sinagoga que data do século IV d.C. Há também uma igreja católica erguida sobre as ruínas de uma residência atribuída ao apóstolo Simão Pedro.Vários discípulos de Jesus Cristo viveram nesta cidade: aqui o mestre curou o servo de um centurião, como se lê em Lucas (7.1-10).

A poucos metros de Cafarnaum, à beira da praia, há um restaurante em que se pode comer uma tilápia por 114 shekels (US$ 28). Não é muito barato, mas não se pode deixar de experimentar o peixe que era pescado por Pedro e outros pescadores do Mar da Galiléia. A sobremesa quase sempre é uma porção de tâmaras, a fruta da região.

TIBERÍADES

Tiberíades é a mais agitada das cidades da costa do Mar da Galiléia, fundada na época dos romanos por Herodes Antipas, que a dedicou ao imperador Tibério, de onde provém o seu nome. É um centro turístico muito movimentado, com hotéis de cinco estrelas, outros mais modestos, resorts e pensões baratas.

Andar ao longo da beira de seu grande lago é um passeio imperdível: há barracas de artesanato por todo lado. Nos dias de hoje, não é difícil ouvir músicas de Ivete Sangalo em meio às barraquinhas. Em Tiberíades, pode-se visitar o Túmulo de Maimônides, grande filósofo judeu que viveu na Idade Média, e a Igreja de São Pedro, erguida pelos cruzados, perto do lago.

BATISMO NO RIO JORDÃO

Outro lugar de visita obrigatória é o Yardenit Baptismal, ao Sul, a menos de uma hora de Tiberíades, onde o Jordão deixa o Mar da Galiléia em direção ao Mar Morto. Ali Jesus Cristo teria sido batizado por João Batista (Marcos, 1.9-11), embora haja outra versão segundo a qual esse batismo teria ocorrido no mesmo Jordão, mas perto de Jericó.

A direção do Yardenit oferece à entrada pequenas garrafas de plástico vazias para que o visitante carregue como lembrança um pouco de água do Rio Jordão. Para os batismos coletivos, o local tem condições de receber mais de mil pessoas em suas arquibancadas à beira do rio, que não passa de dez metros de largura. Só fecha no Iom Kipur, o dia do perdão judaico, funcionando das 8 às 16 horas, nas sextas-feiras, e até as 17 horas nos demais dias da semana (www.yardenit.com). Por 27 shekels (US$ 6,4), aluga-se um roupão e a pessoa fica autorizada a se batizar. Pagando-se mais 2 shekels (US$ 0,80), recebe-se um certificado.

Para terminar o dia, não deixe de fazer uma viagem de escuna no Mar da Galiléia até o centro de Tiberíades. Não se esqueça que Jesus Cristo apaziguou a tempestade quando, com os seus discípulos, atravessava o Mar da Galiléia de uma banda para outra (Marcos 4.35-41).

 
ADELTO GONÇALVES. Doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br
 
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