ADELTO GONÇALVES
Crónicas de viagem

Do outro lado do muro, Belém

Belém, agora fica, lá do outro lado do muro, como ficava Berlim Oriental. Para visitar Belém, primeiro, é preciso passar pelo muro e por uma barreira militar. Se o turista está num ônibus de turismo conduzido por um motorista palestino, fica mais fácil. O trâmite burocrático não demora tanto. Mesmo assim, um soldado israelense sobe ao ônibus para conferir os passaportes de todos. Se o guia é israelense, terá de ser trocado por um palestino. Senão, ninguém entra.

O muro é uma parede de blocos de concreto com oito metros de altura por três de largura, separados por um espaço insuficiente para que um ser humano passe por eles. A cada 500 metros há uma torre de controle de 12 metros de altura, de onde soldados vigiam dia e noite. Câmeras também controlam todo o movimento. Não é só: os muros estão fincados quatro metros abaixo da terra, o que significa que a possibilidade de se cavar um túnel como fazem os presidiários no Brasil é quase nenhuma.

Não bastasse isso, dos dois lados do muro, há um fosso de três metros de profundidade por seis de largura, cercado por arame farpado. E ainda espaço de terra em que não se pode construir nem cultivar nada. Aliás, com a construção do muro, muitos agricultores tiveram suas plantações estragadas e árvores derrubadas.

Nesse espaço de terra — às vezes, uma rua pavimentada —, circulam apenas militares israelenses. Um jipe, equipado com uma cadeira impulsionada por um elevador, movimenta-se a toda, diante do menor sinal de aproximação de estranhos. O soldado que o comanda vai fortemente armado, com fuzil e bombas de gás lacrimogêneo. Há tensão e medo no ar: nunca se sabe se aquele que se aproxima pode ser um homem-bomba.

A Autoridade Palestina controla 17% do território da Cisjordânia, inclusive, Belém, onde nasceu Jesus Cristo, Nazaré, onde teria se criado, e Jericó, por onde andou. São 14 áreas que não se comunicam por terra e muito menos por ar. Eram 13 até agosto de 2005, quando a Faixa de Gaza também foi entregue pelas autoridades israelenses à jurisdição da Autoridade Palestina.

EMIGRAÇÃO FORÇADA

Adel (nome fictício), um palestino, que já viveu com uma bolsa de estudos em Lisboa e, às vezes, quando é possível, reforça o orçamento como guia turístico em Belém, diz que o muro é uma forma de Israel forçar a emigração dos palestinos para outros países. “Já foram mais de 4 mil palestinos”, diz, lembrando que, há quatro anos, o turismo está praticamente estagnado na região. “Não é todo ônibus de turismo que recebe autorização para passar pelo posto”, diz.

O resultado disso tem sido trágico. “Muitas crianças morreram de fome, desde que foi erguido o muro”, diz Adel. Além disso, muitas empresas e lojas fecharam as portas em razão da crise econômica. A loja que vende quinquilharias para turistas fica sempre com as portas cerradas, com tranca, cadeado e tudo. Só abre quando se aproxima algum ônibus turístico. “Está cada vez mais difícil sobreviver aqui com artigos para turistas”, reconhece o proprietário.

Até porque muitos turistas deixam de comprar objetos que tenham símbolos palestinos. A razão: qualquer suvenir que carregue a bandeira ou outro símbolo palestino causa problemas na hora da revista das malas no Aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv.

A agricultura também sofreu graves perdas com a construção dos muros nas áreas sob jurisdição da Autoridade Palestina. Milhares de árvores, na maioria oliveiras, foram derrubadas ou cortadas. E muitas plantações foram abandonadas porque os agricultores que moravam nas cidades, na maioria, não obtiveram autorização para passar por um dos portões que circundam as cidades. Os poucos que obtiveram essa autorização podem fazê-lo apenas por alguns minutos.

A construção do muro foi condenada pela Corte Internacional de Justiça, com apenas um voto contrário do representante dos Estados Unidos. A Corte pediu à Organização das Nações Unidas (ONU) que procurasse uma solução negociada, com base no Direito Internacional, para o estabelecimento de um Estado palestino ao lado de Israel e outros vizinhos. Israel devolveu a Faixa de Gaza como sinal de boa vontade, mas não aceitou a decisão da Corte Internacional que considerou o muro ilegal.

Por isso, entrar em algumas cidades palestinas continua proibido. Mas a Belém, ao contrário de Jericó, ainda se tem acesso. Ali há muito que ver, embora a paisagem seja um pouco desoladora. Localizada numa colina no limite do deserto da Judéia, não só atrai turistas porque é a cidade natal de Cristo. Ali também passou a infância Davi, pastoreando ovelhas, até tornar-se rei.

IGREJA DA NATIVIDADE

Mas o que atrai mesmo peregrinos a Belém é a Igreja da Natividade, construída no século IV d.C. sobre o local onde teria nascido Jesus Cristo. Antes, já houve no local outras igrejas. O que se vê hoje é o resultado de uma reforma feita no século XIX, embora um alçapão no chão revele partes do piso de mosaico da basílica original do século IV.

Em 1852, a igreja passou a ser dividida entre as religiões católica romana, armênia e ortodoxa grega. A igreja é monumental, mas a sua entrada é minúscula, um buraco na parede com menos de um metro de altura. É a chamada Porta da Humildade, que teve seu tamanho original diminuído para dificultar a ação de saqueadores.

A Gruta da Natividade, local do nascimento de Jesus Cristo, está na parte dos ortodoxos gregos. Uma estrela de prata indica no chão o local onde Cristo teria vindo ao mundo. O local é um espaço reduzido, escuro e abafado por causa da presença constante de peregrinos em romaria.

Há outras atrações. Na praça Manger, ao lado da Igreja da Natividade, está a Igreja de Santa Catarina, que preserva um claustro construído à época das Cruzadas. Mas a igreja é construção do século XIX, feita por franciscanos sobre um mosteiro do século XII. Este mosteiro já ocupava o local de outro, do século V, que está associado à presença de São Jerônimo, enterrado ali.

A poucos passos, está a gruta onde se acredita que Maria, José e o menino Jesus se esconderam para escapar do massacre dos inocentes, antes de empreenderem a fuga para o Egito.

Antes de chegar ao posto de fronteira, mas já na estrada para Jerusalém, pode-se arriscar uma visita ao Túmulo de Raquel, mulher de Jacó, construído no século XVII por otomanos. O local é considerado sagrado tanto por judeus como muçulmanos e está cercado por arame farpado e sob constante vigilância.

Ao Sul de Belém, na rodovia, no alto de uma colina, está o Herodion, construído em homenagem a Herodes o Grande, que lá mandou erguer um palácio fortificado. No século V, os cristãos tomaram conta do local e construíram um mosteiro e uma capela. A visão do deserto lá de cima é fascinante.

 
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