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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Wil Prado: estreia tardia mas auspiciosa |
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I |
Escrito em tom coloquial e próximo ao de um diário
íntimo, o romance Sob as Sombras da Agonia (Lisboa, Chiado Editora,
2016) marca a estréia no gênero (tardia, mas auspiciosa) do jornalista,
contista, cronista e crítico literário Wil Prado (1952). Saudado com
entusiasmo por romancistas experientes e consagrados, como Raduan Nassar
(Prêmio Camões de 2016) e João Almino, o livro demorou anos para sair à
luz e traz flagrantes influências dos anos 70, época em que o boom
da ficção latino-americana conquistou corações e mentes da geração de
futuros escritores nascida nos anos 50.
Essa constatação é avalizada pelo jornalista e poeta
Salomão Sousa na apresentação que escreveu para este livro de seu antigo
colega de redação no Correio do Planalto na Brasília daqueles anos,
na qual observa que Sob as Sombras da Agonia não se trata de um
romance de formação, “mas de crítica social, descendente de Graciliano
Ramos e de Dostoiévski e de outros mestres que lidam com o questionamento
da realidade”.
O livro sai a uma época propícia porque denuncia o
quanto a alta burguesia é capaz de fazer para manter o seu status,
manipulando a vida e o futuro dos “humilhados e ofendidos”, na expressão
dostoievskiana, desde a utilização das pessoas humildes como mercadorias
até o assalto aos cofres públicos para utilizar para fins inconfessáveis
recursos provenientes dos impostos pagos pela população e que deveriam ser
aplicados na construção de hospitais, escolas, rodovias e outras obras de
infraestrutura (sem
superfaturamento).
Em outras palavras: o romance de Wil Prado, ao
retratar o cotidiano de uma casa de cômodos alugados a trabalhadores e
outsiders de ambos os sexos, resgata um (sub)mundo que só cresce no
Brasil de hoje, em que as ideias revolucionárias, depois de manipuladas
por pelegos e aproveitadores das aspirações populares, acabaram
desacreditadas a ponto de os novos profetas do apocalipse já anunciarem o
fim da luta de classes. Ao que parece, a luta final será entre aqueles
(poucos) que têm boa formação moral e aqueles (muitos) que não têm.
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II |
Arlindo, funcionário modesto de um cartório de uma
cidade nordestina, solteiro, dado a anseios literários que o levam a
colaborar eventualmente com o jornal local (provavelmente, sem receber
nada, a troco apenas da glória efêmera proporcionada pela letra impressa),
sonha escrever um grande romance e vai anotando numa espécie de diário o
que ouve e vê nas proximidades da pensão em que vive.
Com isso, o leitor começa a conhecer algumas
personagens, como o mascate Targino, que, em meio à venda de uma e outra
bugiganga, faz a chamada doutrinação ideológica, distribuindo panfletos
incendiários, Filomena, a Nega Filó, cozinheira da pensão, Justina, a
mulata despudorada que atrai os homens ao passar com suas partes
exuberantes, a prostituta bondosa Maria das Dores, a mulata Rosalinda e
suas “carnes frescas” e a missionária Madalena, que traz para a ficção
brasileira um tipo de protagonista pouco comum até hoje, como observou com
perspicácia Salomão Sousa no prefácio.
Ou seja, com Madalena, Wil Prado põe a andar na
ficção nacional um tipo que a cada dia mais se vê na sociedade brasileira,
a da mulher evangélica, de boa fé, que pratica a glossolalia, ou seja,
exercita o dom de falar línguas estranhas em meio ao fervor
religioso, em substituição às antigas benzedeiras e mães (e pais) de santo
que povoaram a literatura de Jorge Amado (1912-2001), especialmente. E Wil
Prado o faz sem destilar pregação religiosa nem avançar qualquer juízo
moral.
A heroína do livro, porém, não é esta missionária
religiosa, mas Lavínia, moça pobre, que alimenta o sonho de virar estrela
de telenovela ou de teatro, pouco culta, mas que, de repente, passa a
alimentar ideias extravagantes, como a de emancipação feminina, igualdade
de direitos e “toda essa cantilena que arrumara não sei com quem”, como
observa Arlindo, espécie de alter ego do autor.
Já o bandido da trama é Marconi Gadelha, filho
do dono do cartório que emprega Arlindo, um tipo bon vivant, que
passava temporadas no Rio de Janeiro, mas que sempre voltava bem bronzeado
para usufruir o ócio na pequena cidade e gastava seu tempo iludindo as
moças pobres com falsas promessas em troca de favores sexuais, que,
invariavelmente, acabavam em abortos financiados pela própria “figura
asquerosa”, na definição de Arlindo.
Mas não pára por aqui a variada fauna de personagens
populares de Wil Prado. Para conhecê-la, porém, e descobrir um Brasil
profundo que ainda está presente nesta sociedade da segunda década do
século XXI só mesmo a leitura atenta deste romance, que, com certeza, será
prazerosa.
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III |
De Sob as Sombras da Agonia, o escritor
Raduan Nassar diz que o romance o tocou, sobretudo, “pela linguagem, por
palavras novas, metáforas bem sacadas, e os empurrões articulando o
entrecho”, acrescentando que a obra arrola no geral gente do povo, “ao
lado de uns poucos salafras da elite, com caracterizações convincentes,
inclusive o perfil do próprio narrador, tolerante e compreensivo, mesmo se
crítico não só do que está aí, mas consigo mesmo em suas idas e vindas”.
Nassar reconhece a “força do romance, marcado dramaticamente por
virulentos apelos e frustrações da carne”.
Já o diplomata João Almino, eleito recentemente
para a Academia Brasileira de Letras, romancista com obras que retratam a
dura vida dos excluídos que vivem em Brasília, observa que o romance de
Wil Prado agarra o leitor desde as primeiras linhas e segue até o final
“num crescendo com o voyeurismo do personagem narrador”. E destaca
“um bem concebido resumo de suas memórias de Justina, Lavínia e tantos
outros personagens ou situações nas últimas duas páginas”. Nascido no Rio
Grande do Norte, Almino reconhece no romance a vivência no Nordeste do
autor e a influência das leituras que fez em sua vida.
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IV |
Wil Prado, nascido em Teresina (Piauí), terceiro filho
de uma família de seis membros, passou os seus primeiros anos numa casa
simples, mas ampla, com terraço e quintal. Moleque que vivia na rua,
acostumou-se a andar em meio à roda de violeiros e cantadores de feira, à
beira do rio Parnaíba e próximo ao Mercado Velho, cenários que ficaram em
sua memória e que marcam boa parte das narrativas curtas que escreveu.
Aos dez anos de idade, acompanhou a família em
sua mudança para o Rio de Janeiro, mais especificamente para a praia de
Copacabana, mas, um ano depois, seus pais, funcionários públicos, seriam
transferidos para Brasília, então uma cidade ainda em formação. Na nova
capital do País, estudou em colégios públicos, mas, segundo diz, nunca
passou de aluno medíocre, “avesso a regras e métodos”.
Aos 21 anos, conseguiu o seu primeiro emprego, no
departamento de artes do jornal Diário de Brasília. Como resultado
do convívio com a redação, logo viraria repórter, sem fazer o curso de
Jornalismo. Começou, sim, o curso de Letras, em 1976, na Universidade de
Brasília (UnB), mas não o concluiu. Da universidade, lembra-se da
oportunidade que teve de ler em sua biblioteca os clássicos brasileiros,
de Graciliano Ramos (1892-1953) a José Lins do Rego (1901-1957), de Érico
Veríssimo (1905-1975) a Jorge Amado. Segundo o escritor, a literatura
praticada por esses autores, solidária com os desvalidos da terra,
influenciaria definitivamente a sua opção pelos excluídos.
No jornal Correio do Planalto, como
repórter policial, conheceria os dramas da periferia de Brasília, desde
aquele tempo violenta e carente, em contraposição aos bem situados no
poder, que costumam viver à custa das tetas públicas. Na editoria de
Polícia, iria conviver com o poeta e jornalista Salomão Sousa, que assina
a apresentação deste livro, com quem dividia sonhos literários. Quando o
Correio do Planalto fechou as portas, virou free lancer,
colaborador de revistas como a extinta Visão.
Em 1979, tornou-se funcionário público, passando
a trabalhar no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas
continuaria a publicar contos e resenhas de livros em jornais e revistas
de todo o País. Fascinado pela palavra, reconhece influências de Miguel de
Cervantes (1547-1616), Gustave Flaubert (1821-1880), Émile Zola
(1840-1902), Fiódor Dostoivéski (1821-1881), Eça de Queiroz (1845-1900),
Louis-Ferdinand Céline (1894-1961), John Steinbeck (1902-1968) e Ernest
Hemingway (1899-1961).
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Sob as Sombras da Agonia, de
Wil Prado. Lisboa: Chiado Editora, 250 págs., R$ 30,00, 2016.
E-mail: geral@chiadoeditora.com Site:
www.chiadoeditora.com
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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