|
REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
|
|
|
|
|
Adelto Gonçalves |
|
Carlos Nejar: o espetáculo da palavra |
|
I |
Se como ensina o professor Massaud
Moisés (1928), em A criação
literária. Prosa II (São Paulo, Editora Cultrix, 19ª ed., 2005), prosa
poética é a fusão da poesia e da prosa, caracterizada pela musicalidade,
pela metaforização abundante e a divisão da frase em segmentos que
recordam a cadência do verso, O
feroz círculo do homem (Taubaté-SP, Editora Letra Selvagem, 2015), de
Carlos Nejar (1939), preenche todos esses requisitos. Constitui, portanto,
um romance escrito inteiramente em prosa poética.
Como observa o jovem escritor,
jornalista e crítico Diego Mendes Sousa (1989) no posfácio que escreveu
para este livro, em dez capítulos de
O feroz círculo do homem, o
leitor pode escutar a voz de Carlos Nejar ecoar no pensamento do relator
Tibúrcio Dalmar, personagem enveredado na arte de guardar as sombras das
almas no sótão de um tenda localizada em Pontal do Orvalho – entre o cimo
do monte e as margens do rio João Aragem – que toma a forma de uma Caverna
circular, governada pelo enigmático Círculo.
Como logo percebe o culto leitor, o
livro recorre à alegoria da caverna, também conhecida como parábola da
caverna, mito da caverna ou prisioneiros da caverna, passagem escrita por
Platão que se encontra na obra intitulada
A República (Livro
VII) em que o filósofo grego procura mostrar como o ser humano pode se
libertar da condição de escuridão que o aprisiona através da luz da
verdade. Nessa obra, Platão discute sobre teoria do conhecimento,
linguagem e educação na formação do Estado ideal.
|
|
Carlos Nejar na sua biblioteca em
Vitoria, Morada do Vento, 2013. Foto de Julio Iglesias |
|
II |
Na apresentação que escreveu para
este livro, o romancista Miguel Jorge (1933) define esta obra como “uma
ópera filosófica”, dizendo que este romance funciona “como se um coro de
vozes levantasse outras vozes no respirar intranquilo de um círculo
desenhado em linhas de fogo”. Compara-o ainda a uma “catedral de forma
barroca onde as figuras, no milagre de um tempo passado, podem ser vistas
de vários ângulos e várias faces”.
Neste caso, é a palavra que
constitui o espetáculo, pois, como observa o romancista, “a palavra,
senhora de todos os espaços, como se desse cor ao coro de vozes, vibrava
ao vento”. Ou seja, a palavra aqui adquire o sentido bíblico, de voz de
Deus, a explicação para aquilo que não se explica, para as nossas
ansiedades e perplexidades diante do Desconhecido. Diz Nejar:
“E onde a palavra se impõe, declina a razão. E onde o
sobrenatural se entremostra, cada vez mais entramos e saímos na palavra.
Até rebentar de novo a semente, as plantas, flores, árvores, montanhas.
Nem importa o que poderia ter sido a história, mas do que sucede e
sucederá”.
Para Miguel Jorge, não há medida
para este romance, ou ensaio filosófico, que ele define também como “peça
para um teatro de sensações históricas, capaz de revelar a dicotomia ou
trilogia incorporada ao conceito literário modernista”. É o que se pode
perceber neste trecho de Nejar:
“Nada se sabe”, diz Fernando Pessoa, “tudo se imagina”.
Mas vivi mais do que imaginei, até imaginar mais do que vivi. Como admitir
que a vida toda é apenas imaginação. Às vezes uma imaginação que endoidou
e volta à cura sonhando”.
|
|
III |
Carlos Nejar, gaúcho de Porto
Alegre, radicado em Vitória, no Espírito Santo, é também poeta, tradutor,
advogado, promotor e procurador de Justiça aposentado. Foi considerado um
dos 37 escritores-chave do século, entre 300 autores memoráveis no período
compreendido entre 1890 e 1990, segundo ensaio do crítico suíço Gustav
Siebenmann (1923) no livro Poesía y
poéticas del siglo XX en la America Hispánica
y el Brasil (Editora Gredos, Biblioteca Românica Hispânica, Madri,
1970).
Seu primeiro livro de poesias,
Sélesis, foi lançado em 1960.
Hoje, sua bibliografia conta com mais de 30 títulos de poesia, além de
romances como Um certo Jaques Netan
(1991), O túnel perfeito
(1994), Carta aos loucos
(1998), e Riopampa, ou o moinho das
tribulações (Prêmio Machado de Assis, da Fundação Biblioteca Nacional,
em 2000) e ensaios diversos e até literatura infanto-juvenil como
O Menino-rio (1985),
Era um vento muito branco
(1987), A formiga metafísica
(1988), Zão (1989) e
Grande vento (1997).
Participou de antologias e
coletâneas de poesias e tem sua obra traduzida para diversos idiomas. Em
1989, entrou na Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de seu
conterrâneo Vianna Moog (1906-1988). Participou de vários congressos e
eventos internacionais de poesia, representando o Brasil, e foi premiado
em diversas oportunidades: Prêmio Nacional de Poesia, do Instituto
Nacional do Livro, em 1970; Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira
de Escritores, em 1974; Prêmio Monteiro Lobato, em 1981; e Troféu Cassiano
Ricardo, do Clube de Poesia, em 1995, entre outros.
Seus principais livros de poesia são
O campeador do vento (1966),
Danações (1969),
Ordenações (1971),
Casa dos arreios (1973),
O poço do calabouço (1974),
A árvore do mundo (1977),
Os viventes (1979),
Livro de gazéis (1984),
A genealogia da palavra (1989),
Amar, a mais alta constelação
(1991), Simon vento Bolívar
(1993), Arca da aliança (1995),
Sonetos do paiol, e
Ao sul da aurora (1997). A
exemplo de O feroz círculo do homem,
de prosa poética é também O poço
dos milagres (Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes,
2005).
Em 2013, saiu a terceira edição de
Viventes, acrescida de 300
novos poemas, e o romance A negra
labareda da alegria. Em 2012,
publicou Contos inefáveis, pela
editora Nova Alexandria. Em 2014, A
vida secreta dos gabirus, pela Editora Record, e
Matusalém de flores, pela
Editora Boitempo.
|
|
O feroz círculo
do homem, de Carlos Nejar.
Taubaté-SP: Editora Letra Selvagem, 160 págs., 2015, R$ 35,00. E-mail:
letraselvagem@letraselvagem.com.br
|
|
Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
|
|