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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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O antirromance de quem ainda vai nascer
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I |
Depois de publicar Goto – o reino
encantado do barqueiro noturno do rio Itararé (Joinville-SC: Editora
Clube de Autores, 2014), obra nitidamente do século XXI, em que toda a
coerência formal da narrativa já foi desrespeitada, o poeta e ficcionista
Silas Corrêa Leite ressurge agora com
Gute Gute – Barriga Experimental de Repertório
(Rio de Janeiro: Editora Autografia, 2015),
outro romance pós-moderno, igualmente fragmentado, desintegrado e de
linguagem rebelde, que se apresenta como não-romance ou antirromance,
assumindo um rompimento definitivo com as fôrmas literárias do Romantismo
e do Modernismo.
Conhecido como ciberpoeta, Silas Corrêa Leite, um dos mais originais
escritores deste Brasil pós-moderno, surpreende, mais uma vez, com um
relato fragmentário de um bebê de altíssimo quociente intelectual (QI)
que, ainda no útero materno, mas em fase final de gestação, já demonstra
sentimentos, reações e faz citações, algumas de raízes populares e outras
de poetas e pensadores famosos. Abusando do recurso da intertextualidade,
o romancista faz o seu personagem ainda sem nome questionar não só
momentos íntimos da mãe como manifestar algumas reflexões e impressões a
respeito do mundo que há de viver fora do útero.
Com tanta originalidade, por certo,
Gute Gute – Barriga Experimental de Repertório começa a atrair os
leitores desde as primeiras linhas, ao fazer questionamentos sobre termos,
canções e sons que o protagonista ouve de dentro da barriga da mãe. Como
diz o autor na introdução, o romance trata da relação da criança, ainda na
forma fetal, com tudo o que a cerca: “o lar, as
barulhanças nos derredores, as
tristices e
contentezas de formação, as
formatações e configurações evolutivas de meio, os sentimentos de base e
aprumo, a sensibilidade generalizada de compreender e ser inteirado da
vida intrauterina a partir do que rola lá fora, no exterior, a partir do
que sente no colmeial do adjacente barrigal”.
Leia-se, por exemplo, este excerto:
“(...) A gente vive aqui dentro pelo menos 9 meses. Parece uma eternidade.
E na vida lá fora deve ser dez ou cem vezes isso. Sei não, não vou ser bom
de aritmética, matemática. A barriga da natureza-mãe é melhor ou pior?
Como o Pai diz, numa graceza lá dele (o velho é bom de bico): o buraco é
mais embaixo. Não saquei direito essa frase detravessada dele. Quer dizer
alguma coisa que faça sentido? (...)
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II |
Sempre em busca da surpresa e do ineditismo, o ficcionista vai compondo o
seu antirromance porque, se a vida ainda não existe fora do útero,
tampouco não há como traçar um enredo com começo, meio e fim. Só restam
reflexos produzidos por atos de quem gera – “percebo tudo aqui dentro da
barriga” –, além de suposições sobre um futuro que há de vir: “Sobreviver
lá fora deve ser um grande negócio. Ou é barra pesada? Ou tudo é
rigorosamente regrado, regulado, normas e leis? Tudo lá fora é certinho,
funciona direito e com precisão como um relógio?”, imagina.
Dividida em seu quatro livros e subdividida em muitas partes, esta obra
reproduz também as angústias de uma futura mãe ainda adolescente, que se
deixou engravidar por quem não pretende assumir o filho. Lê-se:
“(...) – Eu não estava no
programa... falhou o calendário, a cartelinha, alguma coisa que deveria
estar vestido e não estava, alguma coisa que deveria ter usado, sei lá
mais o quê... Eu fui um acidente de encontro... Acidente de percurso, sei
lá... (...).
Como se percebe, o poeta Silas Corrêa Leite, com muita criatividade, atrai
o leitor com uma linguagem do dia-a-dia brasileiro, ou melhor, do mundo
caipira do interior de São Paulo e do Paraná, colocando novamente em
evidência a cidadezinha de Itararé, com suas ruas de pedras, onde nasceu,
na divisa entre estes dois Estados, e com a qual mantém vínculos
familiares e sentimentais até hoje. Como dele já escreveu o romancista
Moacir Scliar (1937-2011), percebe-se que o poeta sente prazer em narrar,
“prazer este que se transmite ao leitor como um forte apelo – o apelo que
se espera da verdadeira literatura”.
O leitor, portanto, só terá a ganhar ao conhecer e experimentar esta prosa
experimentalista deste poeta cibernético, que, antenado com o seu tempo,
não hesita em apertar a tecla SAP, mandar poemas-mensagens ou
mensagens-poemas por torpedo, e-mail ou
WahtsApp para construir um
antirromance de uma vida que ainda vai nascer.
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III |
Silas Corrêa Leite, educador, jornalista comunitário e conselheiro em
Direitos Humanos, começou a escrever aos 16 anos no jornal
O Guarani, de Itararé-SP.
Migrou para São Paulo em 1970. Formado em Direito e Geografia, é
especialista em Educação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São
Paulo, com extensão universitária em Literatura na Comunicação na Escola
de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP).
É autor também, entre outros, de
Porta-lapsos, poemas (Editora All-Print-SP),
Campo de trigo com corvos,
contos (Editora Design-SC), obra finalista do prêmio Telecom, Portugal,
2007, O homem que virou cerveja:
crônicas hilárias de um poeta boêmio (Giz Editorial-SP), Prêmio
Valdeck Almeida de Jesus, Salvador-BA, 2009, e
Pirilâmpadas (Editora
Pragmatha-Porto Alegre), poesia
infanto-juvenil.
Seu e-book O rinoceronte de Clarice,
onze ficções, cada uma com três finais, um feliz, um de tragédia e um
terceiro final politicamente incorreto, por ser pioneiro, foi destaque em
jornais como O Estado de S. Paulo,
Diário Popular, Revista Época, Revista Ao Mestre Com Carinho e
Revista Kalunga e na rede
televisiva. Por ser único no gênero e o primeiro livro interativo da Rede
Mundial de Computadores, foi recomendado como leitura obrigatória na
disciplina Linguagem Virtual no mestrado de Ciência da Linguagem da
Universidade do Sul de Santa Catarina. Foi tema de tese de doutoramento na
Universidade Federal de Alagoas (“Hipertextualidade, o livro depois do
livro”).
Silas Corrêa Leite recebeu os prêmios Paulo Leminski de Contos, Ignácio
Loyola Brandão de Contos; Lygia Fagundes Telles para Professor Escritor,
Prêmio Biblioteca Mário de Andrade (Poesia Sobre São Paulo), Prêmio
Literal (Fundação Petrobrás), Prêmio Instituto Piaget (Lisboa,
Portugal/Cancioneiro Infanto-Juvenil); Prêmio Elos Clube/Comunidade
Lusíada Internacional; Primeiro Salão Nacional de Causos de Pescadores
(USP), Prêmio Simetria Ficções e Fantástico, Portugal (Microconto), entre
outros. Tem trabalhos publicados em mais de 100 antologias e até no
exterior (Antologia Multilingue de
Letteratura Contemporânea, Trento, Itália; e
Cristhmas Anthology, Ohio,
EUA).
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Gute Gute – Barriga Experimental de Repertório,
de Silas Corrêa Leite. Rio de
Janeiro: Editora Autografia, 225 págs., R$ 40,00,
2015. E-mail:
poesilas@terra.com.br Site:
www.autografia.com.br
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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