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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Rodolfo Alonso, o fabricante de encantos |
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I |
Depois de conhecer
Antologia Pessoal, do poeta
argentino Rodolfo Alonso, edição bilingue, com traduções de José Augusto
Seabra (1937-2004), Anderson Braga Horta e José Jeronymo Rivera (Brasília,
Thesaurus Editora, 2003), o leitor brasileiro tem a oportunidade de entrar
em contato com Poemas Pendentes,
do mesmo autor, igualmente em edição bilingue, com tradução de Anderson
Braga Horta e apresentação de Lêdo Ivo (1924-2012), que acaba de chegar ao
mercado pela Editora Penalux, de Guaratinguetá-SP.
Um dos maiores poetas
latino-americanos do nosso tempo, Rodolfo Alonso tem tudo para ser o
primeiro argentino a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, mas, a exemplo
de Jorge Luis Borges (1899-1986), Julio Cortázar (1914-1984) e Ernesto
Sabato (1911-2011), corre o risco de ser igualmente esquecido pela
Academia Sueca, que, na América Latina, premiou Gabriela Mistral (1945),
Miguel Ángel Astúrias (1967), Pablo Neruda (1971), Gabriel García Márquez
(1982), Octavio Paz (1990) e Mario Vargas Llosa (2010).
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II |
Na contracapa, há um texto de Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987) em que o poeta diz que Alonso não usa as
palavras pela sensualidade que desprendem, mas pelo silêncio que
concentram. Mais: que “sua poesia tenta exprimir o máximo de valores no
mínimo de matéria vocabular, impondo-se por uma concisão que chega à
mudez”.
Quer dizer, depois de uma
apresentação como essa, não há muito para um resenhista o que acrescentar.
Mas ainda vale a pena reproduzir o que Lêdo Ivo no prefácio disse dele, a
quem chamou, com incontestável precisão, de “fabricante de encantos”:
nesta coletânea, os poemas se exibem sempre em sua nitidez e concretude,
com a rigorosa face imagística.
Lêdo Ivo, outro grande poeta
esquecido pela Academia Sueca, aponta para o pano de fundo que cerca a
poesia de Rodolfo Alonso, dizendo que sempre aponta para “uma era de
emergências e turbilhões do século XX, como seu extenso catálogo de
colisões e mudanças”. É o que se pode ver neste trecho do poema mais
extenso desta coletânea, “Ocupem-se de Arlt”, de 1977, em que ele
homenageia o romancista Roberto Arlt (1900-1942), que, em tão pouco tempo
de vida, criou obras fundamentais, como
Los siete locos (1929), um
romance sobre a impotência do homem diante da sociedade que o oprime e
obriga a trair seus ideais e a aceitar a hipocrisia burguesa. Eis um
trecho:
Recordo a primeira vez que vi atuar a
Aliança
os primeiros noticiosos do pós-guerra
rostos de homens mulheres meninos judeus quase sempre
em ossos atrás de arame farpado
os campos de concentração que nunca esquecerei
como o inextinguível esplendor leproso do cogumelo de
Hiroxima
a primeira vez que foram me buscar no colégio um dia de chuva
como um casaco para lançar-me aos ombros não tinha capa
Recordo o barulho da chuva sobre o teto de um automóvel dentro
do qual sou um menino que sobe pela primeira vez num carro
quando havia poucos carros
e descobre ambas as coisas
a intimidade de um interior em movimento
a intimidade da chuva
a cara íntima que a cidade dá à chuva no outono o prazer de
escutar chover sobre um teto
Recordo a impossibilidade da prosa para contar tudo isso
Recordo estas duas linhas de Rafael Alberto Arrieta
(“Sol da manhã/ glória do inverno”)
lidas num de meus primeiros livros de leitura
nas quais sem dúvida descobri a poesia
por experiência própria
e de uma vez para sempre
Quisera vir a ler outra vez
Os sete loucos (...)
Para o leitor brasileiro – pouco
conhecedor da história argentina –, o tradutor Anderson Braga Horta lembra
que a Aliança aqui citada é uma referência ao violento grupo de extrema
direita Alianza Libertadora Nacionalista, muito ativo à época do primeiro
período do governo de Juan Domingo Perón (1895-1974), que vai de 1946 a
1955. Acrescente-se aqui que Rafael Alberto Arrieta (1889-1968) foi um
professor e poeta que chegou a ocupar a presidência da Academia Argentina
de Letras (1964), ligado ao modernismo do nicaraguense Rubén Darío
(1867-1916), que nada tem a ver com o modernismo brasileiro, mas com a
tendência francesa art nouveau.
Composto em parte por poemas mais
antigos que não apareceram em livros anteriores e em parte por poemas
recentes, alguns curtos, de duas linhas, mas não
hai kais, este livro traz ainda uma homenagem – a que poucos poetas
brasileiros fizeram – à cantora brasileira Maria Bethânia, de 2007, em que
se lê:
(...)
Há tom, há densidade,
há gravidade, há timbre,
há palavra que canta
e há música que expressa
a pulsação que sentes.
Rege, Bethânia, ordena
a poesia do mundo,
torna o caos em sentido,
a altura em canto fundo,
e faz do intenso, alento (...)
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III |
Poeta, tradutor e ensaísta
reconhecido internacionalmente, Rodolfo Alonso (1934) foi pioneiro na
tradução para o castelhano na América Latina dos poemas de Fernando Pessoa
(1888-1935), especialmente de seus heterônimos, e de grandes poetas
brasileiros, dos quais era amigo como Carlos Drummond de Andrade, Murilo
Mendes (1901-1975), Manuel Bandeira (1886-1968) e Lêdo Ivo.
Publicou mais de 30 livros.
Traduziu poemas do francês, italiano e galego. Foi editado não só na
Argentina como no Brasil, Bélgica, Colômbia, Espanha, inclusive em galego,
México, Venezuela, França, Itália. Cuba, Chile e Inglaterra. Destacam-se
as suas celebradas traduções de grandes poetas como Giuseppe Ungaretti
(1888-1970), Cesare Pavese (1908-1950), Paul Eluard (1895-1952), Eugenio
Montale (1896-1981), Charles Baudelaire (1821-1867) e Guillaume
Apollinaire (1880-1918), entre outros.
Entre as distinções que recebeu,
estão o Prêmio Nacional de Poesia e o Prêmio Único Municipal de Ensaio
Inédito (por La voz sin amo), da
Argentina, a Ordem Alejo Zuloaga da Universidade de Carabobo, na
Venezuela, e Palmas Acadêmicas, da Academia Brasileira de Letras. Seu
último livro de poemas, El arte de
callar, obteve o Prêmio Festival Internacional de Poesia de Medellín,
na Colômbia.
Seu arquivo pessoal (textos e
fotos) encontra-se em fase de catalogação na Universidade de Princeton,
nos Estados Unidos. Recentemente, foi lançada em inglês
The art of keeling quiet (Salt,
Cambridge, 2015). Na França, saíram no mesmo ano
L´art de se taire, com prólogo de Juan José Saer (Paris, Reflet de
Lettres), e Dernier tango à Rosario
(Paris, Al Amar) e está para ser lançado
Entre les dents, com prólogo de
Juan Gelman (Toulouse, Po&psy/Erès). Na Espanha, saiu em idioma galego
Cheiro de choiva (Cangas,
Barbantes, Cangas, 2015) e está prevista a publicação de
Tango do galego fillo (Cangas,
Rinoceronte). Dirigiu sua própria editora, com um catálogo de mais de 250
livros.
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Poemas Pendentes,
edição bilingue, de Rodolfo Alonso. Tradução e notas de Anderson Braga
Horta, com apresentação de Lêdo Ivo. Guaratinguetá-SP: Editora
Penalux, 2016, 198 págs. E-mail:
penalux@editorapenalux.com.br Site:
www.editorapenalux.com.br
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Rodolfo Alonso no
TriploV |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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