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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Um estudo da ‘pedagogia’ da violência |
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I |
Que a execução dos Távoras a 13 de janeiro de 1759, em
Belém, foi um “excesso de horror”, na definição do filósofo francês
François-Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694-1778), não se
discute. Mas não se pense que por isso Portugal fosse o país mais bárbaro
da Europa Ocidental. À época, em casos de regicídio ou crimes considerados
de lesa-majestade, na maioria dos países europeus, era comum que o
criminoso fosse executado com requintes de crueldade, pois se esperava
que, desse modo, ficasse a sociedade atemorizada e ninguém mais ousasse
praticar atentado semelhante. Por isso, costumava-se pendurar em lugares
públicos pedaços dos corpos dos acusados para que o medo se alastrasse.
Em 1761, os atos de barbárie seriam repetidos com a execução do
padre Gabriel Malagrida (1689-1761), condenado ao garrote e à fogueira da
Inquisição ao Rossio, em Lisboa, ainda como desdobramento do atentado
sofrido pelo rei D. José I (1714-1777) a 3 de setembro de 1758, que teria
sido idealizado pelos Távoras em conluio com os jesuítas, segundo o juízo
do ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), conde de Oeiras
e, depois, marquês de Pombal. Ainda no século XVIII, em 1792, no Rio de
Janeiro, a sociedade colonial também teria a oportunidade de assistir a
espetáculo semelhante, com a
execução do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes
(1746-1792), acusado de liderar uma conspiração em Minas Gerais, em 1789.
Estudar os sistemas europeus da justiça para a aplicação da pena
máxima foi o que levou o professor Manuel Cadafaz de Matos, da Academia
Portuguesa da História, a escrever o trabalho “Ausência de liberdade,
violência, e sociologia punitiva à escala global na Idade Moderna (I).
Foucault, Ricoeur, a normativa do Direito e a História da Justiça
sentenciária na Europa ao longo dos séculos XV e XVI: a pedagogia da
violência pela imagem impressa”, publicado na
Revista Portuguesa de História do
Livro, ano XVII, nºs 33-34, 2014, pp. 441-551.
Diz o professor que esse tipo de pena era aplicada diretamente a
pessoas (nobres ou não) que estivessem envolvidas em crimes contra o rei e
príncipes. Se não estivessem envolvidos membros da família real, haveria
outra tipologia de execução, que previa apenas a execução dos sentenciados
na forca, embora nem sempre esse procedimento tenha sido rigidamente
seguido. Foi o caso do padre Fernando Costa (1416-1478), prior de
Trancoso, sentenciado durante no reinado de D. João II (1455-1495), que
teve seu corpo esquartejado e “posto aos quartos, cabeças e mãos em
diferentes distritos”, como se lê na sentença em auto depositado no
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. O sacerdote era acusado de ter levado
vida dissoluta, tendo dormido com afilhadas, comadres, escravas e uma tia,
colocando no mundo 281 filhos e filhas, “concebidos de 53 mulheres”.
Explica o estudioso que, como o polígamo prior de Trancoso era um
plebeu, o tipo de encenação para o seu ato executório não poderia ter os
mesmos ingredientes sociológicos de
espetáculo da expiação do Duque de Bragança (1430-1483), que ocorreu
cinco anos depois, em Évora, pelo crime de conjura contra D. João II, ou
da expiação em Paris, em 1475, de Luís de Luxemburgo (1418-1475), o
Condestável de França, por crime de conjura contra o rei Luís XI
(1423-1483). Talvez tenha pesado muito a perplexidade da sociedade diante
de quem se esperava que tivesse uma vida projetada para o
divino.
Fosse como fosse, segundo o
professor, tudo parece apontar que a justiça penal de Portugal andava de
par com a das demais nações europeias, ou seja, “acompanhava trâmites
processuais de algum modo comuns aos praticados em outros pontos da Europa
ocidental e central”.
O objetivo do professor, porém, foi mostrar que houve uma lógica,
nas monarquias europeias, quatrocentistas e quinhentistas, no âmbito de
uma sociologia punitiva, bem como de uma
pedagogia da violência, tal
como entenderam os filósofos franceses Michel Foucault (1926-1984) e Paul
Ricoeur (1913-2005). Essa pedagogia
da violência valeu-se de gravuras que rememoravam tais execuções, o
que se deu a partir dos séculos XV e XVI, com gravadores e pintores
passando para a imagem aqueles momentos dramáticos da aplicação das penas.
Mas seria nos séculos XVII e XVIII que essas gravuras passariam a assumir
plenamente essa função pedagógica.
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II |
A exemplo do trabalho do professor Manuel Cadafaz de
Matos, os demais ensaios que compõem este volume especial (duplo) da
Revista Portuguesa de História do Livro homenageiam o filósofo
francês Paul Ricoeur, a propósito do centenário de. seu nascimento.
Licenciado em Filosofia em 1936, Ricoeur, mobilizado durante a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), passou vários meses prisioneiro das forças
nazistas na região da Pomerânia. Depois de sua libertação, integrou-se ao
corpo docente da Universidade Paris-Sorbonne. A partir de então, produziu
vasta obra filosófica, que teve repercussão não só na Europa como no
Brasil e nos Estados Unidos.
Seus trabalhos filosóficos, que compreendem a Fenomenologia, a
Heurística bíblica e outras áreas do pensamento, exerceram influência
decisiva em Portugal, inclusive sobre o professor Manuel Cadafaz de Matos,
que o conheceu pessoalmente. Seu espólio hoje faz parte do acervo da
Faculté Libre de Théologie Protestante de Paris.
Deste volume da Revista
Portuguesa de História do Livro, constam também trabalhos do
investigador francês François Dosse, autor de uma biografia de Ricoeur, e
da professora francesa Françoise Dastur, além de ensaios dos
investigadores portugueses Fernanda Henriques, da Universidade de Évora,
Maria Luísa Portocarrero e Gonçalo Marcelo, da Universidade de Coimbra, e
Gabriela Castro, da Universidade dos Açores, e do professor castelhano
Tomás Domingo Moratalla, da Universidade Complutense de Madrid.
Do Brasil, há colaborações do professor Luís Henriques Menezes
Fernandes, da Universidade Estadual de Londrina, que estuda o parentesco
ideológico de Ricoeur com o português João Ferreira de Almeida, tradutor
seiscentista da Bíblia, e da professora Josiane Magalhães, da Universidade
do Estado do Mato Grosso, que faz comentários sobre as reflexões de
Ricoeur às Meditações, de René Descartes (1596-1650).
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III |
Doutor em Estudos Portugueses pela Faculdade de
Ciências Humanas da Universidade Nova de Lisboa, título obtido em julho de
1998, Manuel Cadafaz de Matos é membro da Academia Portuguesa da História
e da Academia de Marinha. Ex-docente da Universidade Católica Portuguesa e
ex-professor associado na Escola Superior de Design, ambas em Lisboa,
lecionou como professor catedrático convidado na Universidade de Barcelona
em 2004.
Atualmente, dirige projetos editoriais das obras latinas de Damião
de Góis (1502-1574) e André de Resende (1498-1573). É diretor, desde 1997,
da Revista Portuguesa de História do
Livro, que se edita semestralmente, e do Centro de Estudos de História
do Livro e da Edição (Cehle), que patrocina a publicação da revista.
Acompanha, de igual modo, a edição das suas
Obras Completas de que até ao momento já saíram oito volumes, os
cinco últimos dos quais de uma assinalável dimensão (cada um deles com
cerca de 800 páginas).
Em 2015, obteve o Prêmio Laranjo Coelho, de Estudos Medievais, um
dos prêmios atribuídos anualmente pela Academia Portuguesa da História,
pelo volume VII das suas Obras
Completas, sobre o tema específico
Da História Cultural, Social e das
Técnicas, à História das Bibliotecas, na Idade Média Europeia (Lisboa,
Edições Távola Redonda, 2014).
Naquele mesmo ano, recebeu o Prêmio História da Europa daquela
mesma instituição pela sua obra
Estudos Erasmianos, 1987-2012 (Obras
Completas, vol. 5), atribuído em colaboração com a Fundação Calouste
Gulbenkian. Ainda em abril daquele ano, recebera das mãos do
presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, no Palácio de Belém, a Ordem
Honorífica da Instrução Pública e o Grau de Comendador, por quatro décadas
de dedicação à pesquisa história e ao serviço do ensino superior, em
Portugal e no estrangeiro. Em outubro, no XIII Simpósio de História
Marítima, promovido pela Academia da Marinha, recebeu daquela instituição
o Prêmio EDP – História da Missionação e Encontro de Culturas.
Tem, em sua especialidade, cerca de 120 trabalhos científicos, a
maioria deles sobre temas da História do Livro e da Edição. Tais estudos
do autor encontram-se publicados em Portugal e em outros países como
Espanha, França, Itália, Holanda, Macau e República Popular da China.
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Revista Portuguesa de História
do Livro,
ano XVII, vols. 33-34 (2014). Lisboa: Edições Távola Redonda/Centro de
Estudos de História do Livro e da Edição (Cehle), 807 págs., ISSN:
0874-1336. Site: www.cehle.com E-mail: manuelcadafazdematos@cehle.com
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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