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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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De vira-latas e de madrugadas
criativas
Por Helio Brasil
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Helio Brasil, carioca de São Cristóvão,
formado em 1955 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade
do Brasil, foi professor nas universidades Santa Úrsula, Federal do Rio
de Janeiro e Federal Fluminense (UFF). Contista e ficcionista,
publicou O Anjo de bronze e outros contos (Oficina do
Livro,1995);); São Cristóvão, memória e esperança (Editora
Relume-Dumará, 2004); A última adolescência (Bom Texto, 2004);
e Pentagrama acidental (Editora Ponteio, 2014),entre outros. |
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I |
O autor destas linhas
não sente acanhamento por usar uma expressão popular, talvez “batida”, mas
de grande oportunidade: sentimos a “alma lavada” diante do texto do
santista Adelto Gonçalves, tal a leveza com que conduz seus ensaios
literários e suas obras de ficção. Sem que a expressão “leveza” signifique
superficialidade.
Já conhecia o autor de textos acadêmicos,
abordando em biografia o poeta Bocage (“o perfil perdido”), o nosso
luminoso Tomás Antônio Gonzaga e o sombrio Pessoa, obras que lhe valeram
prêmios e o reconhecimento da comunidade voltada para a escrita. Nas
incursões ficcionais tive, há alguns anos, a oportunidade de me
surpreender com a emocionante narrativa de Barcelona Brasileira,
não por acaso ambientada no que parece ser o palco predileto de Adelto: o
porto da cidade de Santos.
Naquele romance (que julguei fosse o primeiro),
percebi o “buril” de retratista social, o uso do suspense de forma muito
pessoal, narrando as arriscadas aventuras dos sonhadores anarquistas:
“...(o Anarquismo é) só um código de conduta moral...” nos dirá o
“vira-latas” Marambaia, à espera de uma sociedade ideal, responsável pelo
coletivo sem o encilhamento de mandantes. Em Barcelona Brasileira
já se revelara no autor o domínio da linguagem para obter tensões
necessárias à narrativa.
Surpresa terá o leitor no posfácio do editor
deste Os Vira-latas da Madrugada, onde é revelado que a primeira
versão foi escrita por Adelto (nascido em 1951) quando tinha 18-19 anos e
o romance retomado no final dos anos de 1970 para ganhar Menção Honrosa no
Prêmio Nacional José Lins do Rego. Uma obra, pois, da juventude do autor e
que, sem perder o esperado frescor, revela extraordinária maturidade,
capturando o leitor desde as primeiras linhas.
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II |
Fica bem claro que Adelto Gonçalves elegeu o
Paquetá – um bairro no porto de Santos; frequentado e povoado pela
“escória” de desencantados – como o cenário sombrio para as histórias que
formam o tecido trágico de seu romance, confessando ter guardado no olhar
de juventude muito dos seus largos lamacentos e escusas ruelas. Os
personagens que neles transitam são esculpidos de tal forma que a um só
tempo, tornam-se incômodos e fascinantes, seus “desenlaces” violentos ou
torturantes, acumpliciam o leitor ou o colocam em cheque com o sentimento
de repulsa ou de ternura diante de seus destinos.
O quase terno encontro de Pingola e Sula, as
esculturas de Pai João de Angola e seu jovem seguidor Louva-Deus, o
atormentado Plínio, a violência da luta entre Grego e o astucioso
Batatinha, a inevitável “traição” de Quirino, personagem que tangencia as
tragédias gregas, magnetizam as páginas do romance. A entrega de Marambaia
a uma causa (para ele) maior, e o estranho ritual de Irene, a streaper,
à luz do palco, trazem ao leitor uma inquietação que mostra ser a escrita
de Adelto arquitetada para ir além do “efeito literário”. Pungente sem ser
lacrimosa.
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III |
O ambiente do porto, do bas fond, produz
inevitável aproximação às sagas do baiano Jorge Amado em seu Capitães
de Areia, Jubiabá e outras epopeias da denúncia social. No
entanto, sem questionar o justo pódio de Amado, Adelto Gonçalves revela
uma saudável descrença nas soluções simplistas de uma “revolução”,
mostrando que a consciência crítica é algo que deve amadurecer dentro de
cada um no processo social. A nosso ver, uma forma menos idealizada e mais
“terra a terra” de um “caminho possível” para os brasileiros. Personagens
quase românticos, dentro do painel manchado pela crueldade, Pingola e Sula
– que traz no ventre uma nova vida – partem para um horizonte que lhes
caberá construir. Uma esperançosa mensagem.
Por fazer incursões no desenho e na gravura, o
resenhista justifica-se: se a aproximação literária com Jorge Amado é
admitida, desde as primeiras linhas os quadros descritos com o pulso firme
de Adelto lembram o clima das xilogravuras de Goeldi. Mas não há vácuo.
Com extraordinária propriedade, as talentosas ilustrações de Ênio Squeff
valorizam as páginas do romance.
No dizer do prefaciador Marcos Faerman
(1943-1999), o jovem dissidente Adelto ao lançar seu romance nos anos de
1970, não agradaria aos mandantes da ocasião (o que levou à exclusão do
prefácio da edição de 1981, que premiava o autor). Pior para eles que,
parece, merecem hoje um merecido desprezo após a passagem sinistra na vida
brasileira.
Os Vira-latas da Madrugada veio para
ficar em importante lugar na literatura nacional.
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IV |
Adelto Gonçalves, doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de inúmeras obras de natureza
acadêmica. Também jornalista, é mestre na área de Língua Espanhola e
Literaturas Espanhola e Hispano-americana pela USP e ex-professor titular
da Universidade Santa Cecília (Unisanta), no curso de Jornalismo, e da
Universidade Paulista (Unip), no curso de Direito, ambas em Santos-SP. É
também professor de Literaturas Portuguesa, Brasileira e Africanas de
Expressão Portuguesa. Acaba de lançar também Direito e Justiça em
Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo, 2015).
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Os Vira-latas
da Madrugada, de Adelto Gonçalves, com prefácio de Marcos Faerman,
apresentação de Ademir Demarchi, posfácio de Maria Angélica Guimarães
Lopes e ilustrações e capa de Enio Squeff. Taubaté-SP: Associação Cultural
Letra Selvagem, 216 págs., 2015, R$ 35,00. E-mail:
letraselvagem@letraselvagem.com.br Site:
www.letraselvagem.com.br |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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