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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Contos dos quais o leitor
jamais sairá indiferente
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I |
Não se sabe quando nasceu o conto na forma como o conhecemos hoje, mas um
arremedo do gênero deve ter sido o primeiro relato que um homem da caverna
tentou fazer a um(a) companheiro(a). Basta ver que até mesmo sociedades
ágrafas guardam narrativas míticas, que foram transmitidas oralmente de
geração para geração. Seja como for, apesar de suas raízes estarem
fincadas na história da Humanidade, o conto como gênero literário é
produto nascido no século XIX, quando a imprensa começou a se expandir.
A essa época, o leitor de jornais – obviamente, alguém alfabetizado e
possuidor de alguma cultura – passou a se interessar por literatura, o que
justifica o aparecimento não só de relatos pouco extensos nas folhas
diárias, semanais ou quinzenais bem como de capítulos de romances, os
chamados folhetins, que apareciam geralmente no rodapé da página.
Obviamente, o conto, como narrativa curta, foi o gênero que mais bem se
adaptou ao espaço limitado dos jornais, atraindo romancistas e contistas
conhecidos como Guy de Maupassant (1850-1893) em Paris, Eça de Queirós
(1845-1900) em Lisboa e Machado de Assis (1839-1908) no Rio de Janeiro.
Hoje, em tempos de informática, a narrativa curta acaba de ganhar novo
fôlego, com a proliferação de blogs e sites que
reproduzem microtextos, a já denominada microficção, ainda que já
proliferem pelo menos desde o início do século XXI os chamados e-books,
que reproduzem romances e livros de todos os gêneros, embora seja a sua
leitura exercício difícil ao menos para aqueles que já carregam mais de
cinco ou seis décadas às costas e foram formados na velha escola do livro
impresso e das bibliotecas públicas.
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II |
Provavelmente, pressionados pelo espaço reduzido dos
jornais e revistas, os contistas procuraram, ao longo do século XX,
concentrar suas narrativas em poucas e resumidas linhas, sem deixar de se
aprofundar no âmago de suas personagens. É de se reconhecer que, no século
XX, os argentinos Jorge Luis Borges (1899-1986) e Julio Cortázar
(1914-1984) foram aqueles que procuraram, por meio do gênero, criar uma
nova forma de fazer literatura na América Latina. Para tanto, procuraram
romper com os modelos clássicos, produzindo narrações que escapam à
linearidade temporal. Geralmente, suas personagens adquirem autonomia,
graças à profundidade psicológica que lhes creditam.
No Brasil, não foram poucos os escritores que se sentiram influenciados
pela maneira criativa de escrever narrativas breves que tanto Borges
quanto Cortázar exibiam. Ainda hoje essa influência é visível. Como pode
constatar quem vier a ler O Rei condenado à morte & outras histórias
(Guaratinguetá-SP, Editora Penalux, 2015), de Edmar Monteiro Filho (1959),
que reúne relatos inéditos e outros já publicados e premiados.
Entre os textos inéditos, está o conto que abre o livro, uma narrativa
densa que tem como pano de fundo o futebol, curiosamente um tema pouco
explorado pelos escritores brasileiros, embora essa seja a modalidade
esportiva mais popular no País. É de se recordar que, desde o começo do
século XX, o excepcional romancista Lima Barreto (1881-1922) sempre se
opôs ao futebol, não propriamente contra a prática esportiva, mas contra
um projeto político-ideológico das elites que procurava fazer do
football um esporte praticado só por pessoas bem postas na vida.
O Rei, como percebe o leitor a partir da capa, é Pelé, o jogador mais
famoso do mundo, mas o foco do conto recai sobre personagens secundárias,
coadjuvantes, as “vítimas” do malabarismo do atacante, ou seja, jogadores
obscuros – ou pelo menos não tão notórios e famosos como Ele (a quem se
reverencia com a letra inicial em maiúscula) – que, em algum momento de
suas carreiras, tiveram de enfrentar a sua genialidade.
O conto começa com Gustavsson, zagueiro da seleção sueca “humilhado” por
um “chapéu” desconcertante na derrota da Suécia para a seleção brasileira,
na final da Copa do Mundo de 1958. Avança com um relato que parece saído
das páginas de um jornal da década de 1950 e que reproduz os
acontecimentos de um dia de sábado à tarde, em agosto de 1959, quando, no
estádio Conde Rodolfo Crespi, na Rua Javari, no tradicional bairro da
Moóca, em São Paulo, o Santos derrotou o Juventus pelo Campeonato Paulista
e Pelé marcou um gol antológico, depois de aplicar dois “chapéus” em dois
antagonistas e mais um no goleiro Mão de Onça.
O conto reconstitui ainda o antológico “gol de placa”, anotado por Pelé,
em 1961, no Maracanã, em lance em que metade da equipe do Fluminense foi
driblada pelo craque. E encerra-se com os acontecimentos de certa noite de
domingo de 1969, no mesmo estádio do Maracanã, onde ocorreu o chamado
“milésimo gol” marcado por Pelé diante do goleiro argentino Andrada, do
Vasco da Gama. Desse episódio há um vídeo que mostra como “El Gato”,
depois de sofrido o gol, dá socos no chão, inconformado por passar para a
história como coadjuvante da glória do Rei do futebol. Anos mais tarde,
Andrada voltaria às páginas dos jornais, desta vez acusado de ter
colaborado em crimes praticados em 1983, à época da última ditadura
militar (1976-1983) que tanto infelicitou a Argentina.
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III |
No segundo relato do livro, “Primeiro de janeiro é o
dia dos mortos”, laureado com o Prêmio Guimarães Rosa de 1997, em concurso
promovido pela Rádio França Internacional, o contista mergulha no
inconsciente de um policial alcoólatra, às voltas com um assassino de
mendigos na cidade de São Paulo. Em outro conto, “Alfinete”, um médico
psiquiatra sofre uma estranha metamorfose diante dos olhos do leitor,
assumindo as idiossincrasias e alucinações de seu paciente, tal como uma
personagem de Franz Kafka (1883-1924).
Aliás, no conto “Água Suja”, Edmar Monteiro Filho repete também o
cotidiano sufocante e burocrático de Kafka, ao reconstituir a vida de um
funcionário da Justiça em sua tentativa de conciliar as divergências entre
dois cidadãos. Em outro texto, “Cavaleiro negro contra o matador de
cangaceiros”, igualmente criativo, o autor investiga a alma de um filho
oprimido pelo pai, que busca conforto nos desafios de uma máquina de
fliperama.
Em “Voador”, os personagens são Kublai Khan, Marco Polo, Italo Calvino, o
rei V. e o próprio autor. Como numa fábula, o leitor pode viajar no tempo
e no espaço, indo da China à Florença, passando por Amparo, pequena cidade
do interior de São Paulo. Enfim, são oito relatos dos quais o leitor não
sairá ileso e muito menos indiferente, tal a inventividade do seu autor.
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IV |
Edmar Monteiro Filho escreve e publica desde 1980.
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São
Paulo (1980) e em História pela Fundação Municipal de Ensino Superior de
Bragança Paulista (2007), com especialização em História Cultural pela
mesma instituição de ensino (2010). É mestre em Teoria e História
Literária pela Universidade Estadual de São Paulo (Unicamp), título obtido
com a dissertação “O major esquecido: Histórias de Alexandre, de
Graciliano Ramos” (2013). Atualmente é doutorando em Teoria e História
Literária na Unicamp.
Recebeu também o Prêmio Cruz e Souza de Literatura, com o livro
Aquários (contos, Fundação Catarinense de Cultura, 2000). Publicou
ainda Este lado para cima (poesia, edição de autor, 1993),
Halma húmida (poesia, edição do autor, 1997), Às vésperas do
incêndio (contos, edição do autor, 2000), com o qual conquistou o
Prêmio Cidade de Belo Horizonte, Que fim levou Rick Jones?
(contos, 2010) e a novela Azande (edição de autor, 2004).
Nascido na cidade de São Paulo, mora em Amparo, desde a infância, mas,
como funcionário do Banco do Brasil, pôde viajar por quase todo o País
recolhendo experiências que depois utilizaria em seus contos. Também atuou
como funcionário do Fórum local. Foi ainda em jornais de Amparo que
começou a publicar seus textos, em 1981, ano em que ganhou seu primeiro
prêmio literário com o conto “Maré vermelha”, na cidade de Araguari-MG.
Desde 1997, ministra oficinas literárias de contos em várias cidades.
Assina uma coluna em que faz resenhas de livros no jornal semanário A
Tribuna, de Amparo.
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O Rei condenado à morte &
outras histórias,de Edmar Monteiro Filho.
Guaratinguetá-SP: Editora Penalux, 206págs., R$ 38,00, 2015. E-mail:
penalux@editorapenalux.com.br
Site:
www.editorapenalux.com.br
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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