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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Braga Horta e o tempo do
homem |
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I |
Houve um tempo em que o
Brasil e os países da América Latina viviam irremediavelmente de costas um
para o outro, não só nos negócios como nas artes, talvez como herança da
época colonial em que Portugal vivia aflito diante de uma sempre iminente
invasão espanhola e a possibilidade de virar uma Galiza. Aliás, esse medo
atravessou os séculos e chegou até o Oitocentos, como se percebe pelo
conto inacabado, “A catástrofe”, ou o projeto de romance que Eça de
Queiros (1845-1900) deixou, “A Batalha do Caia”, obra nunca concluída, mas
que Mário Cláudio (1941) aproveitou para construir As Batalhas do Caia,
ficção que, de certo modo, constitui uma biografia dos últimos 22 anos de
vida do romancista e abrange o período em que este viveu na Inglaterra e
na França como diplomata. Como se sabe, o argumento de Eça partia da
invasão de Portugal pela Espanha e a sua humilhação como nação secular.
Esse tempo, porém, já se foi. E, nos últimos anos, cada
vez mais, o que se vê é uma aproximação entre brasileiros e os demais
povos latino-americanos, principalmente argentinos, chilenos, peruanos e
mexicanos. Um bom exemplo é o fenômeno latino-americano das editoras
artesanais de livros feitos com capas de papelão (cartón em
espanhol), impulsionado especialmente pelo poeta Ademir Demarchi, fundador
da editora cartonera Sereia Ca(n)tadora, cujo primeiro título, lançado em
novembro de 2010, foi Voo de Identidade, do poeta peruano Óscar
Limache, em edição bilíngue traduzida por Alessandro Atanes, jornalista e
escritor.
Além de poetas brasileiros, como Regina Alonso, Madô
Martins, Paulo de Toledo, Flávio Viegas Amoreira e Marcelo Ariel, a Sereia
tem se voltado para a publicação de poesia latino-americana inédita em
português com outros quatro títulos publicados: As palavras do Rímac,
do mexicano Felipe Mendoza, e Berlim, da peruana Victoria
Guerreiro Peirano, ambos traduzidos por Demarchi, e Viagens
Imaginárias e À espera do outono, de Javier Heraud,
também peruano, publicados em um único volume com tradução de Atanes, que
também é autor da tradução para o espanhol do poema Novas revelações
do Príncipe do Fogo, de Marcelo Ariel, publicado na coletânea
temática “Poesía para el fin del mundo”, da editora Kodama Cartonera, de
Tijuana, México.
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II |
Do lado de lá do continente, os peruanos têm retribuído
o esforço brasileiro de divulgar a sua poesia. É o caso da Maribelina/Casa
del Poeta Peruano, de Lima, do editor José Vargas Rodríguez, que lançou,
em maio de 2015, Tiempo del Hombre: selección elemental bilíngüe
español-portugués, de Anderson Braga Horta, poeta mineiro radicado em
Brasília desde 1962, que reúne uma seleção de seus principais poemas
traduzidos para o espanhol por ele mesmo e por tradutores daqui e de
outras partes da América do Sul e da Espanha: Trina Quiñones (Venezuela),
Abelardo de Paula Gomes (Brasil), Francisco R. Bello (Argentina),
Cecília Guerra (Brasil), Nahuel Santana (Argentina), Francisco Hernández
Avilés (México), Felipe H. Trimboli (Argentina), Eduardo Dalter
(Argentina), Perpétua Flôres (Brasil), José Antonio Pérez (Espanha), Kori
Bolivia (Bolívia), Xosé Lois Garcia (Espanha), Claudio Sesin (Argentina),
Mariano Shifman (Argentina), Manuel Cabelo (Espanha) e Cristian de Nápoli
(Argentina), entre outros.
Poeta de estilo apurado e profundo conhecedor da
métrica, Braga Horta é dono de vasta obra, que inclui livros sobre teoria
e reflexão poética. Em Tiempo del Hombre, o que se destaca é a
constante busca do poeta pela forma perfeita e o valor da palavra exata
para manifestar o que vai por sua alma, o que resulta em ricas e insólitas
imagens. Como exemplo, seguem o poema “O Tempo” e a tradução do poeta
galego Xosé Lois Garcia (1945):
Soa a hora, sonora
no relógio de pêndulo.
Que sabemos do tempo?
O tempo não se deixa capturar
E pulsa, no escuro,
como um grande pássaro.
Inútil acender o dia.
Passa (e não passa) o tempo.
Mas
não fluvial, nem nuvens: como
as correntes marinhas
no mar imóvel,
flui o tempo em si mesmo.
“El Tiempo”
Suena la hora, sonora,
en el rloj de péndulo.
Que sabemos del tiempo?
El tiempo no se deja capturar.
Y pulsa, en la oscuridad,
como un gran pájaro.
Inútil encender el dia.
Pasa (e no pasa) em tiempo
Pero
No fluvial, ni nubes: como
Las corrientes marinas
en el mar inmóvil,
fluye el tiempo em si mismo.
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III |
Na apresentação que escreveu
para este livro, José Guillermo Vargas, presidente-fundador da Casa del
Poeta Peruano, considera a obra de Braga Horta “um hino ao direito de
delirar, de sonhar, que tem a humanidade em face do bombardeio de
antivalores”. E acrescenta que o poeta, “como o camponês de Saramago, sobe
ao campanário da poesia e arrebata os sinos cada vez que observa um abuso
ou uma glória em relação ao homem”. Segundo Vargas, essa atitude é muito
importante nestes tempos em que “os vates se dedicam a cantar a si mesmos,
“como crisálidas mudas e estáticas”. Por fim, considera este livro um
“sinal de união entre os nossos povos desta América”.
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IV |
Anderson Braga Horta (1934), nascido em Carangola,
Minas Gerais, formou-se em 1959 pela Faculdade Nacional de Direito da
Universidade do Brasil-RJ. Jornalista, professor e poeta de reconhecido
prestígio na América Latina. Foi diretor legislativo da Câmara dos
Deputados e co-fundador da ANE. É membro da Academia Brasiliense de Letras
e da Academia de Letras do Brasil. Predominam em sua obra títulos de
poesia, como Altiplano e outros poemas, de 1971, seguido de
Marvário, Incomunicação, Exercícios de homem, O
pássaro no aquário, reunidos, com inéditos, em Fragmentos da
paixão (São Paulo: Massao Ono, 2000), que obteve o Prêmio Jabuti de
2001, mais Pulso (São Paulo: Barcarola, 2000), Quarteto
arcaico (Guararapes, 2000), 50 poemas escolhidos pelo autor
(Rio de Janeiro: Galo Branco, 2003), Soneto antigo (Brasília:
Thesaurus, 2009) e De uma janela em Minas Gerais – 200 sonetos
(miniedição em 4 vols., 2011).
Na linha da crítica e da ensaística, publicou pela
Thesaurus o opúsculo Erotismo e poesia (1994), Aventura
espiritual de Álvares de Azevedo: estudo e antologia (2002), Sob
o signo da poesia: literatura em Brasília (2003), Traduzir poesia
(2004), Testemunho & participação: ensaio e crítica literária
(2007) e Criadores de mantra: ensaios e conferências (2007). Já
conquistou 15 prêmios literários.
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Tiempo del Hombre: selección
elemental bilingüe español-portugués, de Anderson Braga
Horta. Ciudad de Lima: Maribelina/Casa del Poeta Peruano, 122 págs., 2015.
E-mail: casapoetaperuano@gmail.com
Site: www.casadelpoeta.com
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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