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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Anderson Braga Horta O romance de
Adelto |
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Anderson Braga
Horta, mineiro de Carangola, poeta, ensaísta e crítico literário, formado
em Direito pela Universidade do Brasil-RJ, vive em Brasília desde 1960.
Foi diretor legislativo da Câmara dos Deputados e co-fundador da
Associação Nacional de Escritores. É membro da Academia Brasiliense de
Letras e da Academia de Letras do Brasil. Já conquistou 15 prêmios
literários. É autor de Proclamações (Brasília, Editora Thesaurus,
2013), entre outros livros de uma vasta obra.
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I |
O professor Adelto
Gonçalves é conhecido e enaltecido pelo exercício da crítica literária,
função que desempenha com segurança, simpatia e estilo tanto nos
modernos meios de comunicação virtual — importantes sites do País e do
exterior, notadamente Portugal — quanto em órgãos da imprensa
tradicional. A qualidade, a frequência e a intensidade desse trabalho,
uma das mais louváveis exceções à tendência dos grandes periódicos,
hoje, de eliminar a resenha crítica regular a cargo de profissionais “do
ramo”, competentes e respeitados, fazem, por si sós, benemérita a pena
do escritor.
A crítica registra e analisa a produção literária, atuando como
fiel e guia do leitor e armazenando, para os historiadores e estudiosos
do setor, informações sem as quais a pesquisa seria um perder-se na
floresta, cada vez mais densa e intrincada, dos produtos e despejos
editoriais. Sem a crítica restam a publicidade e a resenha expositiva,
cumpridoras, é certo, de um papel respeitável, mas incapazes, por
definição, de ir ao âmago da criação literária, em termos de técnica, de
humanismo e de arte.
Além disso, é autor de ensaios
literários, históricos e biográficos como, apenas exemplificando, os que
dedicou a Bocage, Tomás Antônio Gonzaga e Fernando Pessoa, que lhe
aumentaram a notoriedade e lhe granjearam justos prêmios.
Finalmente, sabemo-lo autor de
narrativas ficcionais, como os contos de Mariela Morta (sua
estréia, em 1977) e o romance Barcelona Brasileira, publicado em
Lisboa, em 1999, e em São Paulo, em 2002. Quanto a mim, tomo
conhecimento direto desta sua faceta de escritor apenas agora, com a
recente publicação, por LetraSelvagem, da segunda edição de Os
Vira-Latas da Madrugada. Tendo-o escrito no final da adolescência,
refundiu-o em 1977-78, vindo essa versão a merecer destaque, dois anos
depois, no Prêmio Nacional José Lins do Rego, da editora José Olympio,
que o publicou em 1981.
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II |
A trama tem base na
realidade, passando-se em Santos, num espaço fervilhante de vida e de
miséria, entre o porto, o bairro Paquetá e o centro da cidade. Os
personagens são — diz em nota o editor, Nicodemos Sena —
“ex-sindicalistas, punguistas, jornaleiros, vendedores de jogo do bicho,
catadores de restos que caem no transporte antes de chegar aos navios,
mendigos, engraxates, cafetinas, cafetões, prostitutas e jovens aprendizes
de todo tipo de expediente”; os “vira-latas”, diz o posfácio de Maria
Angélica Guimarães Lopes, são os moleques do bairro.
E o tempo? Este, segundo o autor, “não existe, os acontecimentos
se confundem, as datas são esquecidas”; não obstante, deve ser afastada a
idéia de uma intemporalidade absoluta: a trama se desenvolve às vésperas
do golpe militar de 1964, que lhe impõe um corte brusco, sem o recurso
usual de um final definitivo.
Conforme detalha Ademir Demarchi
nas orelhas, em que lhe traça ágil roteiro, há um plano de fundo
fortemente político por trás do enredo, com personagens que rememoram a
Coluna Prestes e a era Vargas, tomados em cena “no período pré-golpe”.
Desse grupo humano
emergem com força figuras marcantes como o velho Marambaia, seu calejado
“mestre”, e o jovem Pingola com sua explorada amante, a jovem prostituta
Sula. Marambaia, legendário participante da Coluna, depois homem do mar e,
nessa condição, capitão de motins em defesa de direitos dos marujos, é
forte presença nessas páginas, com um halo de conselheiro e mentor.
Pingola, seu protegido, malandrinho, mas aprendiz de estatuário, leva sua
contradição até a página final, quando parece tomar consciência de sua
condição subumana e apontar os olhos para uma meta.
O verdadeiro
protagonista do romance, assim o sentimos, é a sua humanidade sofrida,
recalcada em patamares de primitivismo socioeconômico. O livro
estrutura-se em três “confissões”, palavras do eu-narrador que o comentam
e definem, cada uma delas introduzindo uma de suas partes, culminando com
uma “Última confissão”, sem sequência, espécie de brevíssima coda à guisa
de “moral da história”. É interessante registrar como numa dessas
confissões, a segunda, o romancista nos adianta uma das vertentes mais
notórias do futuro crítico, o ensaio de fulcro histórico, ao discorrer
sobre a origem e a etimologia do nome de batismo da região do Paquetá, com
base nas anotações de Francisco Martins dos Santos, em sua História de
Santos, de 1937; e, naturalmente, ao descrever o Paquetá de “hoje”.
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III |
Sobre quem leia o livro salteadamente,
randomicamente — eu mesmo às vezes o faço, e isso é possível no caso, pois
os capítulos de Os Vira-Latas da Madrugada soem ter um fechamento
que lhes permite o folheio aleatório —, impende o risco de acabar
pespegando-lhe o rótulo de niilismo, tal o acúmulo de desgraças e
humilhações que relata. Se se detiver nas páginas que descrevem a
animalesca fúria repressória e torturadora dos beleguins da quartelada, ou
nas que pintam a loucura supostamente revolucionária do velho Marambaia,
seguida de seu covarde assassínio, tal conclusão parecerá indiscutível: a
mensagem seria de treva e desesperança.
Mas o capítulo do enterro do negro artesão,
quando Plínio intui que Marambaia “aproveitara o dinheiro do jogo do bicho
para dar ao pobre João de Angola um enterro decente”, antecipa conclusão
bem diversa. Pois, “então, Plínio sentiu uma ternura imensa por Marambaia;
nem tudo no mundo era mesquinharia”; e “de repente, ali, inclinado sobre
os joelhos, descobria a solidariedade, a honestidade, a amizade, valores
que pareciam mortos”. Outro momento luminoso é o que encerra o volume
(antes da já comentada “confissão” final), com Pingola, após o
sepultamento de Angola, que lhe ensinara a arte de esculpir em madeira, e
o martírio de Marambaia, seu protetor, abraçando a companheira grávida:
“Amanhã, iremos embora desta merda de cais ....
Vamos começar de novo. Ele vai precisar de um pai de quem possa ter
orgulho”, diz, apontando com os olhos para a sombra do ventre inchado da
mulher que se desenha na parede.
Valida-se, assim, em termos de fé — ou pelo
menos de esperança — em nossa tumultuosa humanidade, este belo romance de
Adelto Gonçalves, válido essencialmente, de resto, pelo vigor da narração
e pela compassividade intrínseca do narrador.
Brasília, 12 de novembro de 2015.
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Os Vira-latas da Madrugada,
de Adelto Gonçalves, com prefácio de Marcos Faerman, apresentação de
Ademir Demarchi, posfácio de Maria Angélica Guimarães Lopes e ilustrações
e capa de Enio Squeff. Taubaté-SP: Associação Cultural Letra Selvagem, 216
págs., 2015, R$ 35,00. E-mail:
letraselvagem@letraselvagem.com.br
Site:
www.letraselvagem.com.br
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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