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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Vidas (e obras) de poetas |
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I |
Desde
que Caio Suetônio Tranquilo (70d.C.-122d.C.), no começo do século II,
escreveu De grammaticis,
coleção de resumos biográficos de gramáticos,
retóricos e poetas romanos
(Terêncio, Virgílio, Horácio e Lucano), que faz parte de uma obra mais
ampla, De uiris illustribus, ficou claro que o tema sempre renderia textos
excepcionais. Proclamações
(Brasília, Editora Thesaurus, 2013), de Anderson Braga Horta (1936),
livro que reúne dez ensaios e conferências sobre onze poetas
brasileiros, segue essas pegadas e não foge à regra.
Até porque o seu autor não só é um fino e
consagrado poeta como um crítico e ensaísta de alto quilate, que sabe
que o seu ofício não se resume à inspiração – ainda que sem ela não
exista poesia, como diria Lêdo Ivo (1924-2012) –, mas que é preciso
também conhecer a técnica e saber como aplicá-la ou deter conhecimento
para reconhecê-la e, ao mesmo tempo, detectar os defeitos que cometem os
seus utilizadores.
Por isso, só mesmo quem domina à exaustão a
técnica do fazer-poético poderia escrever o ensaio “Os erros de Castro
Alves”, texto que deveria ser lido não só por candidatos ao ofício como
por todos aqueles que se interessam por poesia e mesmo por alguns bardos
com obra já conhecida. Munido de vasto conhecimento, o ensaísta rebate
várias acusações que se apresentam infundadas e que pretendiam mostrar
que o bardo baiano teria cometido deslizes de linguagem e tropeços
métricos.
Para o ensaísta,
não há em Castro Alves (1847-1871) nenhuma insuficiência de linguagem e
muito menos erros métricos que possam tirá-lo do panteão da poesia
brasileira. Muitas vezes, como diz, os pretensos erros não passam de
licença poética ou palavras que seriam acentuadas de outra forma ao
tempo do poeta. São os casos de
blásfemo por blasfemo,
Niagara por
Niágara ou nenufares por nenúfares,
entre outros.
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II |
De Menotti del Picchia (1892-1988),
o autor inclui neste livro uma palestra que deu na Associação Nacional de
Escritores (ANE) em 2009 em que aborda especificamente o poema “Juca
Mulato” (1917), mostrando que a sua linguagem e versificação conservadoras
em nada antecipam a ruptura modernista, embora para o crítico Wilson
Martins (1921-2010) tenha sido ele “e não Mário ou Oswald de Andrade o
chefe do primeiro Modernismo”. Segundo Braga Horta, porém, nada disso
invalida o valor da composição, “uma das mais fascinantes realizações da
lírica nacional” e igualmente das mais conhecidas da Literatura
Brasileira.
De Lêdo Ivo, em ensaio escrito
poucos meses depois da morte do poeta, Braga Horta faz uma
leitura/releitura dos poemas que mais o impressionaram, entre os quais “A
inspiração” em que se lê:
Não creio na inspiração
essa bruxa radiosa
que sopra a canção
e te faz alegre ou triste.
Mas que ela existe, existe!
Para o ensaísta, Ledo Ivo é “um
enamorado da linguagem”, pois, “senhor de grande vocabulário, aprecia a
combinação de palavras díspares, nisso incluída a adjetivação improvável”,
além de dominar as técnicas e o idioma.
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III |
Poeta pouco conhecido ao seu
tempo, Cassiano Nunes (1921-2007) também merece percuciente esboço
biográfico-literário de Braga Horta no ensaio “Cassiano Nunes: vida e
poesia em simbiose”. Tendo convivido com Cassiano Nunes em Brasília por
largos anos, o autor reconstitui os primeiros anos do poeta em sua cidade
de Santos natal, até os seus últimos anos como frequentador do badalado
restaurante Beirute.
Se é permitida uma incursão
pessoal deste resenhista, igualmente santista como o poeta, mas de geração
mais recente, é para dizer que, filho de imigrantes portugueses de modesta
condição e escassas letras, o jovem Cassiano sempre escutara do pai que
“livros não davam dinheiro”. E que, por isso, fora obrigado a fazer o
curso de Contabilidade para mais bem se preparar para a vida.
O resenhista ouviu essa informação
à época em que, no começo dos anos 1980, costumava deixar a redação do
jornal A Tribuna, de Santos, para se encontrar lorquianamente,
a las cinco en punto, no café
Paulista, na Praça Rui Barbosa, com os poetas Roldão Mendes Rosa
(1924-1989) e Narciso de Andrade (1925-2007), que haviam participado na
década de 1940 com Cassiano Nunes do movimento literário denominado
pesquisista, que reunira, entre
outros nomes, Miroel Silveira (1914-1988), Cid Silveira (1910-?), Nair
Lacerda (1903-1996) e Leonardo Arroyo (1918-1985).
Roldão e Narciso sempre lembravam
com admiração do colega que partira em 1947 para os Estados Unidos bolsa
de estudos, atuara como orientador literário da Editora Saraiva, em São
Paulo, e, graças a outras bolsas, estudara também em Heildelberg, na
Alemanha, e Nova York e que, ao retornar, em 1966, fora para Brasília, por
indicação do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), lecionar na
Universidade de Brasília (UnB).
Costumavam trocar cartas,
telefonemas e poemas com ele. E igualmente lembravam do poema “Os bombons
da Leoneza”, reproduzido por Braga Horta, em que Cassiano Nunes rememora
os doces que o pai lhe trazia daquela confeitaria à noite e os deixava
sobre a sua cama de menino. Um detalhe: o café Leoneza, hoje desaparecido,
à época da infância de Cassiano ficava ao Largo do Rosário, exatamente a
atual Praça Rui Barbosa em que está até hoje o tradicional café Paulista.
Eis um trecho do poema:
Após o duro dia de trabalho
na oficina mecânica,
lavado e depois da janta,
meu pai saía à noite.
Ia conversar
com os sócios, colegas e fregueses
no café A Leoneza
do largo do Rosário,
onde toda a gente se encontrava em Santos. (....)
Braga Horta diz que a poética de
Cassiano Nunes não é chegada a requintes, rebuscamentos ou pesquisas
formais. Curiosamente, assim também são as poéticas de Roldão Mendes Rosa
e Narciso de Andrade, seus companheiros de geração. São semelhantes não só
na forma como forjaram seus versos, mas em seus temas em que são
recorrentes imagens do cais de Santos, seus guindastes, seus navios que
chegam e partem. Aliás, este seria um bom tema para uma dissertação de
mestrado ou doutoramento em Letras: estabelecer as similitudes entre as
obras dos três poetas.
A exemplo de Cassiano Nunes, há
outros autores de qualidade, que ainda não entraram no panteão em que, com
certeza, estão Castro Alves, Menotti del Picchia e Ledo Ivo, mas que
igualmente passam pelo crivo de Braga Horta neste livro, como Olegário
Mariano (1889-1958), Guilherme de
Almeida (1890-1969), Waldemar Lopes (1911-2006), Fernando Mendes Vianna
(1933-2006), Joanyr de Oliveira
(1933-2009) e Anderson de Araújo Horta (1906-1985) e Maria Braga Horta
(1913-1980), pais do ensaísta.
Dessas obras, o
ensaísta/conferencista, com perspicácia, tira interpretações quase sempre
criativas e insólitas. Por isso, como observa José Jeronymo Rivera na
apresentação que escreveu para este livro, esta nova coletânea de Braga
Horta constitui “mais uma valiosíssima contribuição ao campo da nossa
melhor análise literária”.
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IV |
Anderson Braga Horta, mineiro de
Carangola, formou-se em 1959 pela Faculdade Nacional de Direito da
Universidade do Brasil-RJ. Foi diretor legislativo da Câmara dos Deputados
e co-fundador da ANE. É membro da Academia Brasiliense de Letras e da
Academia de Letras do Brasil. Predominam em sua obra títulos de poesia,
como Altiplano e outros poemas,
de 1971, seguido de Marvário,
Incomunicação,
Exercícios de homem, O pássaro
no aquário, reunidos, com inéditos, em
Fragmentos da paixão (São Paulo: Massao Ono, 2000), que obteve o
Prêmio Jabuti de 2001, mais Pulso
(São Paulo: Barcarola, 2000),
Quarteto arcaico (Guararapes, 2000),
50 poemas escolhidos pelo autor
(Rio de Janeiro: Galo Branco, 2003),
Soneto antigo (Thesaurus, 2009) e
De uma janela em Minas Gerais – 200 sonetos (miniedição em 4 vols.,
2011).
Na linha da crítica e da ensaística,
publicou pela Thesaurus o opúsculo
Erotismo e poesia (1994),
Aventura espiritual de Álvares de Azevedo: estudo e antologia (2002),
Sob o signo da poesia: literatura em
Brasília (2003), Traduzir poesia
(2004), Testemunho &
participação: ensaio e crítica literária (2007) e
Criadores de mantra: ensaios e conferências (2007). Já conquistou 15
prêmios literários.
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Proclamações
Anderson Braga Horta Brasília: Editora Thesaurus, 192 págs., R$ 35,00,
2013. E-mail:
editor@thesaurus.com.br Site:
www.thesaurus.com.br
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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