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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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‘Os ventos gemedores’: saga do
Brasil arcaico |
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I |
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No Brasil,
sempre foi assim: a luta pela terra invariavelmente produziu heróis falsos
e mártires verdadeiros. E o Estado sempre esteve ao lado dos mais fortes,
aqueles que conseguiam pela força subjugar os demais. Para aqueles que
venciam, nunca faltou a falsa pena dos escribas para legalizar suas
conquistas nos papéis dos cartórios e incensá-los na História. Ainda hoje
é assim: os mandões do sertão ganham placas e viram nome de fundações ou
de ruas, avenidas ou rodovias. Já para os derrotados sobram – quando muito
– uma vala sem lápide e o esquecimento eterno.
Sempre foi assim, desde os tempos
dos chamados bandeirantes,
homens mestiços, filhos de mães indígenas ou miscigenadas, que largavam
tudo na cidade de São Paulo ou em vilas como Santana do Parnaíba e Taubaté
para, a partir de Araritaguaba (hoje Porto Feliz), seguirem em canoas à
frente de uma legião de índios carijós, mulatos e negros em busca de
indígenas que pudessem ser escravizados, de ouro e pedras preciosas e mais
terras. Como arrastaram as fronteiras do Brasil para além do Tratado de
Tordesilhas, hoje, alguns desses régulos são homenageados com estátuas e
monumentos em que aparecem como homens de feições brancas, bem trajados.
Provavelmente, seguiam para os sertões descalços e quase semi-nus, como os
indígenas e africanos que
comandavam.
Ainda hoje é assim. Volta e meia,
algum parlamentar é acusado de manter trabalhadores sob regime escravo em
suas fazendas. De outros dizem que, em suas terras, ninguém entra sem
autorização: se alguém entrar, ainda que involuntariamente, será recebido
à bala por modernos jagunços bem armados, enquanto o mandão desfila sua
onipotência em Brasília ou mesmo em congressos lusófonos
em Lisboa. Os mandões modernos já não são grosseiros como
os de outros tempos: afáveis, conquistam o interlocutor com muita simpatia
e salamaleques.
E, assim, o mundo arcaico convive
com o Brasil moderno sem maiores sobressaltos. É esse Brasil arcaico que o
leitor vai encontrar no romance Os
ventos gemedores, de Cyro de Mattos (1939), que acaba de ser lançado
pela editora LetraSelvagem, de Taubaté-SP, em sua coleção
Gente Pobre (narrativas).
Ambientada nas terras do Sul da Bahia em época que se supõe que seja a de
meados do século 20, a
trama se dá no condado imaginário de Japará,
à la William
Faulkner
(1897-1962), região onde a mata até então impenetrável começa a dar lugar
às primeiras roças de cacau e pastos para bois e vacas. É o cenário de
Terras do Sem Fim (1943), clássico romance de Jorge Amado
(1912-2001), que, a rigor, inaugura a saga cacaueira do Sul da Bahia.
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II |
Aqui, a luta pela terra coloca, de
um lado, Vulcano Brás, um régulo do sertão acostumado a mandar bater e até
matar; de outro, o vaqueiro Genaro, escolhido como líder pelos explorados,
gente envelhecida precocemente que traz a pele engelhada pelo trabalho de
sol a sol. Como Almira, moradora de um casebre, que procura entender, numa
espécie de monólogo interior, como o vaqueiro Genaro encontrou coragem
para chefiar os homens no levante:
“(...) Ele havia dito que os homens
estavam dispostos a enfrentar o despotismo de Vulcano Brás, “não tenha
medo, dessa vez, a gente vai tirar o freio da boca, a argola da venta, o
chicote das costas e a espora da barriga”. Deu-lhe em seguida a notícia de
que os homens queriam ele como chefe do levante, ela então teve medo,
pensou na morte a espreitar pelos cantos todos eles, de dia e de noite”.
Depois, Almira questiona: “Que
adianta fazer esta revolta, Genaro? O lado de Vulcano Brás sempre foi mais
forte”. Mas ele responde “A pior derrota é daquele que não luta”,
acrescentando que “onde ninguém faz nada contra Vulcano Brás só a vontade
dele é a única que impera, e os que se agacham permanecem assim mesmo o
tempo inteiro, trabalhando, trabalhando, sem nunca ter nada na vida”.
Ainda hoje é assim não só Sul da
Bahia, mas em todo o Brasil: aqueles que trabalham na terra só costumam se
aposentar aos 65 anos de idade, isso quando conseguem apresentar papelada
reconhecida pelos sindicatos rurais que comprove o tempo de trabalho na
roça. Para ganhar salário mínimo.
O final deste livro conta a batalha
corpo a corpo entre os jagunços de Vulcano Brás e os homens de vaqueiro
Genaro e – ao contrário do que normalmente se dá na vida real – a vitória
dos explorados, apesar das baixas de lado a lado. A vitória maior, porém,
que se registra é da Literatura Brasileira que sai desse romance mais
enriquecida.
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III |
Nascido em Itabuna, ao Sul da Bahia,
Cyro de Mattos conhece bem a região que retratou em seu romance. Foi ali
que fez os primeiros estudos, concluindo o curso ginasial no Colégio dos
Maristas, em Salvador. Depois,
fez o curso de Direito na Universidade Federal da Bahia, concluindo-o em
1962. Hoje, é advogado aposentado, depois de militar durante mais de
quatro décadas nas comarcas da região cacaueira na Bahia. Antes, atuou
como jornalista no Rio de Janeiro, passando pelas redações do
Diário de Notícias,
Jornal do Comércio e
O Jornal.
Contista, ensaísta, cronista e
poeta, é autor também de livros de literatura infanto-juvenil e
organizador de várias antologias. Já publicou mais de 50 livros e obteve
numerosos prêmios literários. O principal foi o Prêmio Nacional de Ficção
Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras, para o livro
Os Brabos (Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1979), romance elogiado por Jorge Amado, Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987) e Alceu Amoroso Lima (1893-1983).
Sua estréia, porém, ocorreu em 1966
com o livro Berro de fogo e outras
histórias, em que já se anuncia a sua preocupação em denunciar “a
decadente engrenagem econômica cacaueira dominada pelo coronelismo”, como
observa Nelly Novaes Coelho, professora titular de Literatura Portuguesa
da Universidade de São Paulo (USP), autora do posfácio que constitui um
texto-homenagem aos 40 anos (1966-2006) da carreira literária do autor.
Para a professora, “a obra de Cyro de Mattos já conquistou seu lugar nos
quadros da Literatura Brasileira contemporânea”.
Cyro de Mattos está incluído na
antologia Narradores da América
Latina, publicada na Rússia, ao lado do argentino Julio Cortázar
(194-1984) e do uruguaio Mario Benedetti (1920-2009), entre outros. Seus
poemas foram incluídos na antologia
Poesia do Mundo 3, organizada por Maria Irene Ramalho de Sousa Santos,
da Universidade de Coimbra, publicada em Portugal, que teve tradução para
o inglês.
Em 2010, participou da Feira
Internacional do Livro de Frankfurt, quando autografou a antologia poética
Zwanzig von Rio und andere Gedichte, publicada pela Projekte-Verlag,
de Halle, com tradução de Curt Meyer-Clason, tradutor de Guimarães Rosa
(1908-1967). E em 2013, esteve presente ao XVI Encontro de Poetas
Iberoamericanos da Fundação Cultural de Salamanca, na Espanha. Tem livros
publicados em Portugal, França, Alemanha e Itália.
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Os ventos
gemedores, de Cyro de Mattos.
Taubaté-SP: Editora LetraSelvagem, 208 págs., R$ 30,00, 2014. Site:
www.letraselvagem.com.br
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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