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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Um romance do coração do Brasil |
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I |
Foi o
crítico Wilson Martins (1921-2010), autor da monumental
História da Inteligência Brasileira
(1976), sete volumes, mais de quatro mil páginas, quem alertou para o
fato de a crítica do Rio de Janeiro e São Paulo – na época em que ainda
havia suplementos culturais e crítica literária de respeito na grande
imprensa – nunca dera a atenção devida ao romance provincial brasileiro,
que ele distinguia de “regional” ou “provinciano”. Como se sabe, se alguma
coisa mudou nesse sentido, foi para pior. Hoje, por exemplo, nenhuma das
grandes editoras paulistas e cariocas ocupa o lugar da antiga Livraria
José Olympio Editora, do Rio de Janeiro, propulsora do lançamento de
grandes ficcionistas brasileiros por mais de meio século – pelo menos dos
anos 1930 até o começo da década de 1980.
Entre esses “esquecidos” pela
crítica, Wilson Martins colocava, em 1999, o romancista goiano Alaor
Barbosa (1940), a propósito de resenha que fez de seu livro
Memórias do nego-dado Bertolino
d´Abadia, “memórias do singularmente aventuroso e desventurado goiano
de Imbaúbas anotadas pelo ilustre advogado Rafael Santoro Noronha”. E
ainda o alçava como integrante de uma família literária que incluía nomes
como Balzac (1799-1850), Thomas Hardy (1840-1928), Eça de Queiroz
(1845-1900), Dostoievski (1821-1881), Graciliano Ramos (1892-1953) e
Giovanni Verga (1840-1922). Bem poucos autores brasileiros mereceram
tamanho elogio de um crítico extremamente exigente como Wilson Martins.
Pouco tempo depois, em 2000, um crítico da nova geração, mas igualmente
exigente, Ronaldo Cagiano, também ficcionista e poeta, escreveu, a
propósito do mesmo romance, que o autor goiano radicado em Brasília há
mais de três décadas merece, como poucos, lugar de destaque na
bibliografia nacional. “Sua obra não deve nada às melhores do gênero, mas
por culpa e obra de uma perversa lógica editorial (que visa ao lucro, em
detrimento da solidificação de obras de relevo), ainda não caiu nas graças
da mídia, que prefere a subliteratura e o lixo literário estrangeiro em
lugar dos bons escritores nacionais”, disse.
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II |
Dezesseis anos depois, período em
que publicou mais três romances, um ensaio e um livro de contos e novelas
que reúne obras publicadas anteriormente, Alaor Barbosa lança
A solidão e a coragem de cada um
(Brasília, Editora Vila Bela, 2015), romance em que pinta mais um quadro
do Brasil interiorano, que vai do início da ditadura civil-militar de 1964
até os dias de hoje de urbanização acelerada e transformação capitalista.
Como William Faulkner (1897-1962),
que colocou a ação da maioria de sua obra no fictício condado de
Yoknapatawpha, e Gabriel García Márquez (1927-2014), com sua Macondo,
Alaor Barbosa faz da imaginária Imbaúbas uma réplica de sua natal
Morrinhos, cidade ao Sul de Goiás. E, muitas vezes, recupera personagens
de livros anteriores, como o advogado Rafael Santoro Noronha, de
Memórias do nego-dado Bertolino
d´Abadia, alter ego do
autor, que reaparece em A solidão e
a coragem de cada um e , ao final, sonha refazer sua vida em Imbaúbas.
É através da visão de Rafael que o
leitor conhece a personagem principal deste romance, Ambrosino Porfírio de
Andrade, mais conhecido como Peter Porfírio, protótipo de algumas figuras
amorais que vicejaram no Brasil dos anos 70 – e ainda vicejam por aí – e
fizeram fortuna a qualquer preço. No caso de Peter Porfírio, trata-se de
um solteirão mulherengo, fazendeiro comprador e vendedor de gado e dono de
empresas, um típico self made man
brasileiro, de poucas luzes intelectuais, mas grande vivacidade para
ganhar dinheiro que, finalmente, consegue abrir um pequeno banco – um
“tamborete”, como dizia ironicamente – que, por algum tempo, expande-se
com a abertura de agências em Goiânia, São Paulo, Belo Horizonte e outras
grandes cidades brasileiras.
Pela força de seu poder financeiro,
Porfírio acaba atraindo todo tipo de gente, tais como outros compradores e
vendedores de gado, capatazes de suas fazendas, pilotos de avião e até um
advogado idealista, como Rafael Santoro Noronha, além de mulheres
aventureiras, algumas ingênuas, outras interesseiras, como aquela com quem
acabaria por se casar com separação de bens, mas a quem daria 30% das
ações de sua empresa mais rentável. Ao final, fica-se sabendo que, tempos
depois, a mulher o abandonaria sem explicação e passaria a viver nos
Estados Unidos.
Não teria voltado nem mesmo quando
Porfírio morreu, depois que já passara para frente o grande empreendimento
bancário, talvez por falta de capacidade individual para levá-lo mais
adiante. Sua morte trágica, numa emboscada em curva de estrada em sua
fazenda, teria sido ocasionada por divergências quanto à divisa entre a
sua propriedade e a de um vizinho. O autor seria o filho de um fazendeiro
assassinado por um peão, provavelmente a mando de Peter Porfírio.
Com estilo fluente e coloquial que
procura recuperar algumas expressões típicas do linguajar popular goiano,
mas sem cair na vulgaridade, Alaor Barbosa resgata “causos” dos rincões do
Brasil, seguindo as pegadas de ficcionistas ilustres como Graciliano
Ramos, Guimarães Rosa (1908-1967), José Lins do Rego (1901-1957) e os seus
conterrâneos Bernardo Élis (1915-1997) e José J. Veiga (1915-1999). Ainda
que o autor deixe claro que esta é uma obra de ficção, muitas das
passagens recuperadas nos diálogos que formam este romance são por demais
semelhantes a acontecimentos e vidas que passaram pelo Brasil Central nos
últimos 60 anos.
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III |
Advogado militante, Alaor Barbosa
trabalhou quando jovem na redação do
Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. Forçado pelas circunstâncias
políticas, em 1964, abandonou o jornalismo e optou por um “exílio”
voluntário, retornando ao interior de Goiás. É graduado em Direito pela
Universidade Católica de Goiás e mestre em Literatura Brasileira pela
Universidade de Brasília. Em 1982, tornou-se procurador federal do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e, mais tarde,
assessor legislativo do Senado Federal, tendo-se aposentado em 1993.
Em 2015, publicou também
O menino que eu fui (Goiânia, Editora Kelps), que reúne as suas
lembranças do período de sua vida que vai dos dois aos dez anos de idade,
destinado especialmente ao público infanto-juvenil, e
Mais histórias para ler e lembrar (Goiânia, Editora Vila Bela,
2015), que abrange estórias inspiradas em sua época de adolescente no
interior de Goiás e até um texto que leva todo o jeito de autobiográfico,
mas devidamente anunciado como ficção, “A Revolução de 1962 (meu
depoimento para a História)”, que rememora seus tempos de jovem jornalista
no Rio de Janeiro que acompanhou passo a passo a degringolada do governo
João Goulart e a ascensão daqueles que promoveriam a ditadura
civil-militar de 1964.
É autor de mais quatro romances:
Memórias do nego-dado Bertolino d´Abadia (Goiânia, AB Editora,
1999), Uma lenda (Brasília, LGE
Editora, 2004), Barulho e fúria em
Imbaúbas: a morte de Cornélio Tabajara (Brasília, Annabel Lee, 2011) e
Vasto mundo (Brasília, Annabel
Lee, 2011). E de Contos e novelas
reunidos: A espantosa realidade, Picumãs, Os rios da coragem, Gente de
Imbaúbas (Brasília, Projecto Editorial, 2006).
Publicou ainda
Um Cenáculo na Paulicéia
(Brasília, Projecto Editorial, 2002), originalmente tese de mestrado em
Literatura Brasileira defendida em 1991 na Universidade de Brasília, que
constitui estudo minucioso sobre um grupo de autores que se formou na
cidade de São Paulo, nos primeiros anos do século XX, ao tempo em que seus
integrantes eram estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco, entre os quais Monteiro Lobato (1882-1948), o único que se
sobressaiu e, de fato, marcou um lugar nas letras nacionais.
É autor ainda de
Sinfonia de Minas Gerais – a vida e
a literatura de João Guimarães Rosa (Brasília, LGE Editora, 2007),
ampliação do livro A epopéia
brasileira: para ler Guimarães Rosa, editado em 1981 em Goiânia. Esse
livro acabou tornando Alaor Barbosa conhecido nacionalmente, depois que
Vilma Guimarães Rosa, filha do escritor, e a Editora Nova Fronteira, do
Rio de Janeiro, processaram a LGE Editora, por ter publicado o livro.
O biógrafo foi acusado de plagiar a
obra Relembramentos: João Guimarães
Rosa, meu pai, de autoria da filha do autor do romance
Grande sertão: veredas. Mas a
Justiça não constatou a existência de plágio e tampouco concluiu que a
obra prejudicasse a imagem e a obra do escritor mineiro, liberando a
biografia – que ficou impedida de circular por algum tempo – e, ao mesmo
tempo, condenou Vilma Guimarães Rosa e a Nova Fronteira a pagar custas
judiciais e indenizar o escritor por danos morais no valor de R$ 50 mil.
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A solidão e a
coragem de cada um,
de Alaor Barbosa. Goiânia: Editora
Kelps/Brasília: Editora Vila Bela, 396 págs., 2015.
E-mail:kelps@kelps.com.br
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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