Adelto Gonçalves

Palácio da Fazenda, um tesouro arquitetônico  

Tesouro (O Palácio da Fazenda, da Era Vargas aos 450 anos do Rio de Janeiro), de Helio Brasil e Nireu Cavalcanti. Rio de Janeiro: Pébola-Casa Editorial, 160 págs., 2015. E-mail: e.cantidiano@openlink.com.br

I

A história do Palácio da Fazenda, construção de 1943 que se destaca na Esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro, é o que contam os arquitetos, professores e pesquisadores Helio Brasil e Nireu Cavalcanti em Tesouro (O Palácio da Fazenda, da Era Vargas aos 450 anos do Rio de Janeiro), edição comemorativa e fora do comércio, publicada com o patrocínio da Caixa Econômica Federal e o apoio das empresas Carvalho Hosken Engenharia, Petróleos Ipiranga, Lopes Machado/BKR Auditores e Top Down Sistemas.

Construído para abrigar o Ministério da Fazenda, o antigo Tesouro da época do Império e Real Erário do tempo colonial, o vetusto prédio tem sido palco de acontecimentos de relevância na história do País e até hoje é o local preferido para despachos ou encontros promovidos pelo ministro da Fazenda, a despeito da transferência do órgão para Brasília quando da inauguração da atual Capital da República.

Considerado patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro, o prédio, projeto do arquiteto Luiz de Moura (1909-?), apresenta uma entrada principal baseada na arquitetura de um templo grego, ocupando uma quadra inteira de 9.360 metros quadrados de terreno e 14 pavimentos de altura. A construção abrange uma área privilegiada na Avenida Presidente Antônio Carlos, no centro da cidade do Rio de Janeiro, destacando-se na paisagem como uma das mais significativas representações do estilo neoclássico, tendo sido seu conjunto arquitetônico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Como observam os autores, a Esplanada do Castelo resultou do desmonte do Morro do Castelo, onde o governador-geral Mem de Sá ergueu o núcleo da cidade amuralhada ainda no século XVI: a fortificação, a igreja matriz dedicada a São Sebastião (que guardava os restos mortais do fundador, Estácio de Sá), o Colégio e a Igreja dos Jesuítas, os Armazéns Reais, a Casa da Câmara e Cadeia e algumas edificações particulares. Apesar do valor histórico, tudo isso foi abaixo antes de 1922. Tal como em muitas situações vividas hoje, desconfia-se de que, por trás de tudo, estivessem interesses especulativos, ainda que os argumentos esgrimidos à época fossem de que a região encontrava-se extremamente degradada e ainda constituísse um obstáculo à aeração do centro, ideia defendida desde o final do século XVIII.

Seja como for, aquele espaço iria receber a exposição comemorativa do centenário da Independência e nele foram erguidos imponentes pavilhões dos países convidados. Um deles, o Pétit Trianon, pavilhão francês, doado ao governo brasileiro, hoje abriga a Academia Brasileira de Letras. Outros prédios que chegaram aos dias atuais foram o pavilhão do Distrito Federal, ocupado em 1965 pelo Museu da Imagem e do Som (MIS), e aquele que passou a ser ocupado pelo Ministério da Saúde. A maioria, porém, foi demolida nos anos 1950 a 1960, provavelmente, em razão do preconceito contra o ecletismo em algumas camadas intelectuais, segundo Brasil e Cavalcanti.

 

 
II

Foi sob o mandato de Arthur Souza Costa (1893-1957), que assumiu em 1934 o Ministério da Fazenda durante a Era Vargas (1930-1945), que foi construído o Palácio da Fazenda. Como mostram os pesquisadores, ao contrário do ministro Gustavo Capanema (1900-1985), que aderira aos ideais do Modernismo, Souza Costa repudiou o projeto modernista vencedor do concurso público, de autoria de Wladimir Alves de Souza e Enéias Silva e destinado à Avenida Passos, para optar pelo de Luiz de Moura, ligado ao Ecletismo, com dominância de elementos clássicos, porém já em novo terreno, na Avenida Presidente Antônio Carlos.

Praticamente desaparecido na História e só citado laconicamente em textos sobre o próprio Palácio da Fazenda, o arquiteto Luiz Eduardo Frias Pereira de Moura, diplomado em 1934 pela Escola Nacional de Belas Artes, é retirado do anonimato neste livro por pesquisa que resgata a sua trajetória profissional na cidade do Rio de Janeiro marcada pela construção de prédios na Praia do Flamengo e outros empreendimentos.

Além de capítulos que reconstituem a história do Brasil no século XX a partir de seus fatos mais marcantes, como a criação de Brasília, o crescimento econômico sob a ditadura militar (1964-1985) – época em que o ministro Mário Henrique Simonsen (1935-1997), durante o governo Ernesto Geisel (1974-1979), deixou clara sua preferência pela utilização daquele prédio sem sinais de decrepitude –, até a redemocratização de 1985 e os dias hoje, o livro apresenta como contraponto as crônicas “Vozes sem rosto”, de Helio Brasil, em que o cronista, testemunha ocular de grande parte da história do prédio, procura recriar fatos e situações vividas por funcionários da instituição devidamente resguardados no anonimato.

III

Helio Brasil (1931), carioca de São Cristóvão, formado em 1955 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi funcionário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, hoje BNDES), entre 1955 e 1984, tendo realizado projetos para as instalações do banco. Projetou edifícios comerciais, industriais e residenciais no Rio de Janeiro e em outros Estados. Foi professor da disciplina Projeto de Arquitetura durante duas décadas nas universidades Santa Úrsula, Federal do Rio de Janeiro e Federal Fluminense (UFF).

Também contista e ficcionista, publicou os seguintes livros: O Anjo de bronze e outros contos (Oficina do Livro,1995); Tempos de Nassau: um príncipe em Pernambuco, ficções, com vários autores (Bom Texto, 2004); São Cristóvão, memória e esperança (Editora Relume-Dumará, 2004); A última adolescência (Bom Texto, 2004); Feitiço do boêmio (contos inspirados na vida e na obra de Noel Rosa), com vários autores (Bom Texto, 2010); O Solar da Fazenda do Rochedo e Cataguases (memórias), com José Rezende Reis (2010); O Rei, o Rio e suas histórias, com vários autores (7Letras, 2012); e Pentagrama acidental (Editora Ponteio, 2014).

Nireu Cavalcanti (1944), arquiteto formado em 1969 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, é doutor em História Social, com ênfase em História Urbana, pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais do Departamento de História da UFRJ desde 1997. Tem especialização em Planejamento Urbano e Regional e em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Santa Úrsula (1979-1982). É professor de pós-graduação da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF, da qual foi seu diretor de 2003 a 2007.

É autor de O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte (Zahar, 2003), seu trabalho de doutorado, com o qual obteve o primeiro lugar da 42ª Premiação Anual do Instituto de Arquitetos do Brasil-RJ em 2004; Histórias e conflitos no Rio de Janeiro colonial: da Carta de Caminha ao contrabando de camisinha – 1500-1807 (Civilização Brasileira, 2013); Arquitetos e Engenheiros: sonho de entidade desde 1978 (Crea-RJ, 2007); Crônicas históricas do Rio colonial (Civilização Brasileira/Faperj, 2004); Santa Cruz – uma paixão (Relume-Dumará, 2004); Rio de Janeiro, Centro Histórico – 1808-1998 (Anima/Dresdner Bank Brasil, 1998); e Construindo a violência urbana (Madana, 1986). Participou com capítulos em vários livros.                    

Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br