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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Mulheres que
fizeram História |
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I |
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A História do Brasil, como a de
tantos países, até hoje tem sido escrita sob uma ótica masculina. Neste
país, quando se lê livros da época colonial, é como se as mulheres sempre
tivessem vivido numa penumbra social, limitando-se a reproduzir. Até mesmo
nesta função sua presença tem sido relativizada. Basta ver que os chamados
bandeirantes até hoje são
idealizados em gravuras e estátuas como se fossem brancos, bem vestidos,
embora nos séculos XVII e XVIII a presença de mulheres brancas na América
portuguesa fosse insignificante. Na imensa maioria, os
bandeirantes seriam filhos de indígenas, de africanas ou de
miscigenadas, pois poucas mulheres brancas enfrentaram o desafio de
atravessar o Atlântico.
Foi preciso que o historiador
Luciano Figueiredo, doutor em História Social pela Universidade de São
Paulo (USP) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF),
escrevesse dois livros basilares sobre o assunto –
O avesso da memória: cotidiano e
trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII (Rio de Janeiro,
José Olympio, 1993) e Barrocas
famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII (São Paulo,
Hucitec, 1997) para que se descobrisse que, no século XVIII em Minas
Gerais, parte significativa das mulheres negras e mestiças atuou no
comércio, contribuindo decisivamente para o crescimento da economia da
capitania.
Muitas dessas mulheres eram
conhecidas como as negras de tabuleiro, enquanto outras eram proprietárias
de vendas, as vendeiras. Neste
caso, sua importância foi inegável para o abastecimento das zonas
mineradoras. Outras se envolveram com ofícios mecânicos, sozinhas ou, às
vezes, lado a lado com seus maridos ou concubinos em padarias, tecelagens
ou alfaiatarias. Se assim foi em Minas Gerais, com predominância de
mulheres negras, em outras regiões, como em Goiás, a presença maior teria
sido das indígenas e miscigenadas.
Nenhuma delas, porém, ao que se
saiba, chegou a se afirmar em patamar de igualdade no jogo do poder,
embora muitas tenham tido papel relevante nas questiúnculas palacianas,
valendo-se provavelmente da atração física para barganhar favores junto a
governadores e outras autoridades. Na
Antiguidade, porém, há alguns exemplos de mulheres que se celebrizaram em
épocas, espaços e sociedades distintas, exibindo em comum a força e a
ousadia do enfrentamento com os homens e o poder instituído, de que a
Rainha de Sabá talvez seja o exemplo mais clássico, até porque aparece na
Bíblia (I
Reis, 10:1-13). Mas há também os casos de Elisa, Cleópatra e Zenóbia,
que se destacaram na História por sua sagacidade e inteligência,
personagens do livro Rainhas da Antiguidade: sedução e majestade, ensaio de História do
mundo antigo da professora Dirce Lorimier Fernandes, doutora em História
Social pela USP, que acaba de ser lançado pela editora Letra Selvagem, de
Taubaté-SP.
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II |
A princesa fenícia Elisa é a Dido, a
imortal musa de Virgílio (70ª.C-19a.C), aquele que foi escolhido por Dante
Alighieri (1265-1321) para descer ao Inferno em
A divina comédia. No livro II da
Eneida, Dido acolhe Eneias em
Cartago e lhe pede que conte a tragédia da derrocada de Troia. Tornam-se
amantes e o idílio vai até o livro V, quando o destino obriga Eneias a
seguir viagem para fundar o reino da Itália. Amargurada, a rainha africana
atira-se a uma pira funerária.
A segunda personagem deste livro é a
rainha egípcia Cleópatra (69a.-30a.C), aquela que subjugou pela paixão os
imperadores romanos César (62a.C-14d.C) e Marco Antônio (82a.C-30a.C). Era
descendente de Ptolomeu (366-283a.C), general de Alexandre, o Grande
(356a.C-323a.C), que depois da morte do comandante macedônio, resolveu
criar um império no Egito. Cleópatra não desempenhou apenas o papel de
princesa romântica, lasciva e pérfida que as lendas e o cinema lhe
impuseram, mas foi uma militante política, obcecada pela restauração do
reinado ptolomaico.
Já Zenóbia (século III d.C), a
Rainha do Deserto, três séculos adiante das duas personagens
anteriores, tornou-se soberana absoluta na pequena Síria, então reino de
Palmira. Apoiou o judaísmo, patrocinou poetas e pesquisadores e lançou-se
a uma aventura expansionista, desafiando o poder de Roma. Proclamando-se
parente de Cleópatra, conquistou o Egito, mas sucumbiu diante do exército
de Aureliano (214-275).
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III |
A escolha dessas três mulheres
incomuns pela historiadora Dirce Lorimier Fernandes para personagens de
seu livro mostra, segundo Joaquim Maria Botelho, autor do texto de
apresentação publicado nas “orelhas”, a admiração da autora “pelas
mulheres fortes – mesmo as que pereceram, vitimadas pelas próprias
fraquezas”. Para Botelho, “este livro é uma composição narrativa de
verdades e mitos, descortinando informações que ultrapassam a frieza
histórica”.
Na introdução, a historiadora
explica que o enfoque do trabalho é “o papel dessas mulheres na História,
especialmente na vida pública, fora da
oika (casa), ambiente que as mulheres do entorno da nobreza
continuavam dirigindo, ao mesmo tempo em que algumas privilegiadas atuavam
em vários setores do saber”. Ela lembra que foram raras as civilizações
antigas, com exceção do Egito, em que a mulher alcançou postos sociais
importantes.
Fora do círculo de Elisa e de
Cleópatra, diz, na Grécia a situação feminina era ainda mais degradante,
pois, não tendo personalidade jurídica nem política, sempre estava à
sombra da figura masculina que se encarregava de tratá-la como uma
possessão em todos os sentidos. “Esta dependência gerava o analfabetismo
e, em muitos casos, as mulheres deviam se conformar com a educação
recebida de sua mãe”, acrescenta.
Segundo a professora, quanto ao
matrimônio, a mulher era objeto de troca, não somente do possuidor senão
que geralmente se dotava com propriedades por parte do pai ao prometido
para assegurar o acordo matrimonial, mais parecido a uma transação
econômica. Aliás, um comportamento que ainda valia para o século XVIII em
Portugal e suas possessões ultramarinas, pois foi só com o Romantismo que
o casamento passou a ganhar outro foro com a valorização do amor, da fé,
do sonho, da paixão e da intuição.
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IV |
Dirce Lorimier Fernandes é
professora universitária, licenciada e pós-graduada em Letras pela
Universidade São Judas Tadeu (USJT) e doutora em História Social pela USP,
além de crítica literária e ensaísta, além de membro da diretoria da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Associação Paulista de Críticos de
Artes (APCA). É, ainda, coautora dos livros: Meu Nome é Zé (São
Paulo, Ideograma Técnica e Cultura), contos, Antologia de Contos da
UBE (São Paulo, Editora Global, 2009) e Inquisição Portuguesa -
Tempo, Razão e Circunstância (Lisboa, Prefácio, 2007). É organizadora
e coautora do livro Religiões e Religiosidades - Leituras e abordagens
(Arké 2008).
É também autora de
A literatura infantil (Edições
Loyola, 2003), A Inquisição na América Latina (Editora Arké, 2004) e
Rainhas da Antiguidade: entre a
realidade e a imagem do poder – Teodora, a imperatriz de Constantinopla,
Urraca e Teresa, duas rainhas obstinadas (São Paulo, Clube dos
Autores, 2012), entre outros.
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Rainhas da
Antiguidade: sedução e majestade (Elisa, Cleópatra e Zenóbia),
de Dirce Lorimier Fernandes. Taubaté-SP: Letra Selvagem, 160 págs., R$
25,00, 2014. Site:
www.letraselvagem.com.br
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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