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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Microficção:
salada de gêneros literários |
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I |
Para quem reluta em aceitar a
microficção como gênero literário, o último número da revista
Forma Breve, nº 11, da
Universidade de Aveiro, de dezembro de 2014, oferece cinco ensaios que
ajudam a jorrar luz sobre o assunto, até porque esse é um tema ainda
recente na literatura portuguesa. É de se lembrar que a
Primeira Antologia de Micro-Ficção
Portuguesa, de Rui Costa e André Sebastião, organizadores (Vila Nova
de Gaia, Editora Exodus), e única até agora, foi editada em 2008. Seja
como for, como observou Henrique Fialho no prefácio que fez para esta
antologia, “ninguém pode negar que, sob a capa de poema, poema em prosa,
aforismo, ou o que quer que seja, a micronarrativa vai marcando presença
na literatura portuguesa”.
Já Rui Costa, co-organizador daquela
antologia pioneira, afirma que aquilo que mais o “atrai na microficção é a
sua extrema aptidão para a promiscuidade”. E acrescenta: “A micro-ficção
não é um gênero literário, é a riqueza da impossibilidade de o ser.
Confunde os gêneros e deixa-nos (bem) perdidos no caminho para qualquer
definição”. Além disso, como se trata de textos curtos e de leitura
rápida, a microficção ganhou um fôlego especial nestes tempos de Internet
e profusão de
blogs dedicados à literatura.
Um dos ensaios mais fecundos sobre o
assunto que se encontra no último número de revista
Forma Breve é “Eros y Afrodite
en la minificción”, de Dina Grijalva Monteverde, da Universidad Autônoma
de Sinaloa, México, em que a autora diz que foi o escritor mexicano
Edmundo Valdés (1915-1994) quem chamou de minificção este tipo de texto
breve, que admite outros nomes como miniconto, microrrelato, conto pigmeu,
conto liliputense, microconto, relato vertiginoso, conto minúsculo, entre
outros. Nesses textos de tamanho reduzido, observa a estudiosa, é possível
encontrar-se todas as paixões que inquietam o ser humano: amor, ódio,
inveja, ciúme, desejo. Ou seja, é a mesma variedade que se pode encontrar
em outros gêneros.
Em
seu ensaio, Dina Grijalva Monteverde, porém, prefere restringir-se às
incursões que Eros tem feito em miniaturas textuais escritas por autores
da Argentina e do Chile. E destaca o trabalho de dois deles; o argentino
Orlando Van Bredam (1952) e o chileno Max Valdés Avilés (1963). De tão
breves que são – e para que o leitor neófito tenha
uma ideia do que sejam esses relatos curtos –, pode-se repeti-los aqui:
En el ascensor, de
Orlando Van Bredam:
Mientras bajan, él imagina lo que haría con ella si
ella quisiera. Ella se imagina
lo que él imagina y lo mira. Él ve en los ojos de ella lo que ha imaginado
y se llena de vergüenza. Ella se lamenta, otra vez, de la eterna
indecisión de ambos.
El amor en tiempos de postmodernidad,
de Max Valdés Avilés:
Un hombre, una mujer, tocan la pantalla
simultáneamente, uno a cada lado del hemisferio, esa nueva forma de amar y
extasiarse, hasta la soledad.
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II |
Lendo o ensaio “Linguagem e arte de
sugestão: Os contos de Ukamba Kimba”,
de Lola Geraldes Xavier, da Escola Superior de Educação de Coimbra/Centro
de Literatura Portuguesa, fica-se sabendo que João-Maria Vilanova, poeta
angolano da geração de 70, pseudônimo literário de João Guilherme
Fernandes de Freitas (1933-2005), foi um dos maiores cultores em Língua Portuguesa desse gênero (ou subgênero) que
à época nem essa classificação carregava. Em
Os contos de Ukamba Kimba (Luanda, Editora Vila Nova de Cerveira,
2012), o leitor encontra 24 narrativas muito curtas, que, como observa a
estudiosa, mudam de forma se o narrador é português ou angolano.
“Isso significa o uso de uma
linguagem que tenta aproximar-se do coloquial, utilizada por uma camada da
população que tem acesso ao português apenas falado, misturando-o com
termos de quimbundo, que o autor esclarece em alguns contos com glossário.
Encontram-se, aqui e ali, as marcas de uma linguagem socioletal,
representativa de grupos menorizados, negros, como tentativa de criação de
uma literatura “descolonizada”, com o mínimo de marcas do Português
europeu”, diz Lola Geraldes Xavier.
Explica ela que, embora a linguagem
usada por Vilanova se enquadre majoritariamente na variante do Português
falado em Angola, o estilo lingüístico é original e próprio, “é reinvenção
da realidade, é a linguagem que a memória de João de Freitas recria de uma
mundividência angolana que vivera décadas antes de dar por encerrados
alguns dos seus contos (outros não terá finalizado)”.
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III |
Em “Micro
fiction and short ficction: surrounded by scaffolding on all sides”
(Microficção e ficção curta rodeadas por andaimes), Erik Van Achter, da
CLP/Coimbra-KULeuven (Bélgica), diz que tanto o conto literário moderno
quanto a microficção são produtos
duma época diferente e consequentemente de circunstâncias diferentes.
“Contrariamente ao que acontece com a
short story”, diz Van Achter,
“a
micro fiction não tem encontrado
grandes opositores nem críticas severas”. Entre estas duas categorias de
micronarrativas, acrescenta, existe ainda a
vignette.
Ou seja, vinheta, em bom
português, pode ser entendida como um atalho ou cena curta (na linguagem
teatral). Ou ainda, em diagramação de jornal, um minitítulo que marca um
tema. Van Achter questiona qual o lugar deste gênero no concerto dos
subgêneros da narrativa breve. O articulista mesmo procura responder
lembrando que, se o conto ocupou lugar de destaque na literatura praticada
nos séculos 19 e 20, a
microficção vale-se em sua divulgação da era digital em curso neste século
21.
Do mesmo modo, Paulo Antonio
Gatica Cote, da Universidad de Salamanca, no ensaio “Nuevas tradiciones
electrónicas y viejas rupturas de vanguardia en la tuiteratura mexicana”,
diz que as práticas artístico-literárias na Internet têm dado cumprimento,
além da consolidação de uma estética fragmentária, ao grande projeto
vanguardista de desmaterialização da obra de arte. “A realidade textual do
objeto-livro tem dado lugar a novas realizações eletrônicas que respondem
a uma lógica distinta da “posse” da obra-documento: a lógica do acesso ou
distribuição praticada por grande parte dos criadores nas redes sociais”,
acrescenta.
Em seu trabalho, Gatica Cote
procura aprofundar-se na tuiteratura mexicana, ou seja, na literatura
produzida e compartilhada no Twitter no México em língua castelhana, por
meio da recolha das manifestações literárias que considera as mais
interessantes.
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IV |
Ainda dentro
do tema microficção, o ensaio “João Gilberto Noll, leitor de Clarice
Lispector”, de Luiz Gonzaga Marchezan, da Universidade Estadual Paulista
Julio de Mesquita Filho (Unesp), campus da Araraquara, analisa o
microconto “Afã”, com 129 palavras, publicado no jornal
Folha de S. Paulo em 6 de agosto
de 2001 e que faz parte do livro
Mínimos, múltiplos, comuns (São Paulo, Editora Francis, 2003),
do autor gaúcho, que reúne outros
337 contos ultracurtos e obteve o Prêmio ABL (Academia Brasileira de
Letras) de Ficção de 2004. Nesse conto, João Gilberto Noll faz uma alusão
a uma passagem do conto “O búfalo”, de Clarice Lispector (1920-1977), mas
que só percebe quem a conhece, o que constitui um hipotexto, como bem
explica o ensaísta. E que pode ser vista também como intertextualidade.
Nunca como plágio.
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Forma Breve,
Revista de Literatura. Microficção, nº
11, dezembro de 2014. Departamento de Línguas e Cultura da Universidade de
Aveiro. E-mail: antonio@ua.pt
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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