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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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‘Livro de
Linhagem’ ou a busca da infância perdida
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Livro de
Linhagem, de Alberto da Costa e Silva.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 56 págs., 2010, R$
15,00. Site:
www.imprensaoficial.com.br .
E-mail:
livros@imprensaoficial.com.br
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I |
O diplomata Alberto da Costa e
Silva, nascido na cidade de São Paulo em 1931, um dos mais importantes
intelectuais brasileiros contemporâneos e historiador especialista na
cultura e na história da África, membro da Academia Brasileira de Letras e
seu presidente de 2002 a
2003, sempre foi, sobretudo, um poeta extremamente lírico, como poucos na
história da Literatura Brasileira.
E de um lirismo que sempre esteve umbilicalmente ligado à infância
que viveu e que, provavelmente, gostaria que tivesse sido outra, como ele
próprio admitiu em entrevista a Harold Alvarado Tenório publicada no
jornal La Prensa,
de Bogotá, em janeiro de 1994, à época em que mal havia cumprido sua
missão como embaixador do Brasil na Colômbia:
"Yo creo que esta tentativa
permanente que hago para rehacer el tiempo de mi niñez está ligada a un
profundo deseo de haberla vivido de otra manera".
Eis um exemplo desse lirismo que vem
de longe, mais especificamente de
Livro de Linhagem, conjunto de poemas escritos entre 1963 e 1965, que
só saiu à luz no Brasil em 2010 pela Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, mas que foi publicado em Portugal e distribuído aos amigos como uma
lembrança do Natal de 1966:
Rente à terra, o meu céu,
qual rês ajoelhada,
menino a vigiar, de bruços, a arapuca
e as aves que alçam vôo das crinas dos cavalos,
mão que toca outra mão,
ou muro esfarinhado
que desce com o calangro e onde o sol
faz abrir a plumagem.
(Fui menino demais e sofri como os outros,
os que levam, descalços, seus burricos com água,
pouca esperança, farinha, rapadura e a tarde,
com tudo o que volta
– os bezerros,
os focinhos molhados dos bois
E os lacrimosos carneiros.)
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II |
Os trechos acima compõem o poema
“Um sobrado, em Viçosa” que evoca parte da infância do poeta vivida no
município de Viçosa, no Ceará, na divisa com o Piauí, terra
inicialmente habitada por
índios
tabajaras. Viçosa, antiga
aldeia de índios dirigida por padres da Companhia de Jesus,
foi desbravada ao findar o século XVI, quando do contato dos índios com os
franceses, vindos do
Maranhão entre
1590 e
1604, data em que foram expulsos por
Pero Coelho de Sousa, quando este
fazia tentativas de colonização portuguesa no
Ceará. Os demais poemas do livro
evocam Amarante, no Piauí, cidade onde nasceu o pai de Alberto, o também
poeta (Antônio Francisco) Da Costa e Silva (1885-1950), e Sobral, cidade
do Ceará. O livro é concluído por “Sonetos rurais”, que igualmente evocam
paisagens e cheiros que o poeta viu e viveu quando menino, em andanças com
a família pelo Nordeste.
Como escreveu o também poeta e
diplomata Izacyl Guimarães Ferreira, em brilhante e denso ensaio que está
na revista digital Agulha,
Livro de linhagem é um corajoso corte entre a direta clareza dos
poemas dos 20 anos e a claridade madura dos poemas seguintes. “Chega a ser
obscuro aqui e ali, por cifrado o recordar de antepassados, quase uma
narrativa de acontecimentos apenas esboçados, uma evocação de estranha e
incomum beleza", diz.
Conta Ferreira, que Da Costa e
Silva, pai, sofreu de depressão profunda, aí por volta da década de 1940,
refugiando-se num silêncio profundo, o que levou o seu filho Alberto
assumir-se como responsável por seus cuidados até os seus últimos dias.
Diante do silêncio paterno, Alberto sentiu-se como um órfão antes de
sê-lo. “É desta relação que nasce a matéria poética de Alberto da Costa e
Silva”, diz Ferreira.
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III |
De fato, a partir
de Livro de Linhagem, a obra
poética de Costa e Silva assume-se como proustiana, baseada em sua
experiência pessoal de vida, em busca do tempo perdido, mais
especificamente da infância perdida.
Poemas reunidos (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2000), prêmio Jabuti,
por exemplo, está estruturado justamente em faixas etárias: poemas dos
vinte, dos trinta, dos quarenta, dos cinquenta e sessenta anos. Segundo o
poeta Fabrício Carpinejar, a espacialização da antologia demonstra a
circularidade do tempo, a linha de convivência simultânea e harmoniosa
(ainda que difícil e dolorida) do menino-pai-avô. “Eles conversam ao mesmo
tempo em todos os quadrantes, em diferentes perspectivas”, observa.
Em
Livro de Linhagem, no poema
“Paisagem de Amarante”, que abre o livro, sente-se o horizonte nordestino,
em meio ao ambiente agreste que ainda resiste com um instante de verdor à
inclemência de um tempo árido. E não só, porque emoldurado por uma figura
de mulher:
E fomos para onde a relva era
ainda de um verde
acastanhado e havia babaçus e um regato
magro como os bois que levávamos,
onde
o
florido algodão depois plantámos.
Ela vinha
e
não usava bandós, nem tranças de sereia
dessas gravuras de mau talho,
que
recebemos de longe,
de
Lisboa talvez. Também não tinha
a
blusa de unicórnios e de heráldicas feras,
nem
rosas e corações no vermelho do linho.
Trazia um pássaro inventado
no
lábio inferior.
Sem saias e anáguas,
pintada de vermelho e jenipapo
andava como a nhambuzinha,
apressada e sensível (....).
Por tudo isso,
este é um livro, ainda que breve, indispensável na bagagem de todo
cultivador de poesia de boa qualidade.
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IV |
Alberto da Costa e Silva estreou
em 1953 com O parque e outros poemas.
Publicou depois sete livros de poesia. Publicou dois volumes de memórias,
Espelho do Príncipe (1994) e
Invenção do desenho (2007) e,
como ensaísta, O pardal na janela
(2002) e Das mãos do oleiro
(2005), que traz a apresentação que fez para
Gonzaga, um poeta do Iluminismo
(Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), deste articulista..
Publicou oito livros sobre a
História da África, entre os quais se destacam
A África antes dos portugueses
(1992), A enxada e a lança
(1992), A manilha e o libambo: a
África e a escravidão de
1500 a 1700 (2002),
Um rio chamado Atlântico (2003)
e Francisco Félix de Souza, mercador
de escravos (2004). Escreveu Castro Alves, um poeta sempre jovem (2006), para a coleção Perfis
Brasileiros, da Companhia das Letras. Também é autor de livros
infantojuvenis, como Um passeio pela
África (2006) e A África
explicada aos meus filhos (2008). Em
2009, publicou O quadrado amarelo (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), que
reúne textos sobre arte e literatura, cruzando referências populares e
eruditas, recorrendo à memória e às experiências de viagem.
Entre os prêmios e distinções que
recebeu estão os títulos de doutor
honoris causa pela Universidade Obafemi Awolowo (ex-Universidade de
Ifé, Nigéria, 1986), pela Universidade Federal Fluminense (2009) e pela
Universidade Federal da Bahia, em 2013, além do prêmio Juca Pato de
Intelectual do Ano (2003), da União Brasileira de Escritores e do Prêmio
Camões de 2014. Ao lado de Lilia Moritz Schwarcz, desde 2008 dirige a
coleção das obras completas de Jorge Amado para a Companhia das Letras.
Membro do Júri do Prêmio Camões em 2001, 2003 e
2013, é sócio-correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e
sócio-correspondente da Academia Portuguesa da História e da Real Academia
de História, da Espanha. Diplomata de carreira, foi professor do curso de
Aperfeiçoamento de Diplomatas do Instituto Rio Branco em 1971-1972,
presidente da banca examinadora do curso de Altos Estudos do Instituto Rio
Branco, de 1983 a 1985, e
vice-presidente de 1995
a
2000.
Foi cônsul em Caracas (1964-1967), embaixador em
Lagos, na Nigéria (1979-83), e cumulativamente em Cotonu, na República do
Benim (1981-83), chefe do Departamento Cultural do Ministério das Relações
Exteriores (1983-84), subsecretário-geral de administração do Ministério
das Relações Exteriores (1984-86), embaixador em Lisboa (1986-90), em
Bogotá (1990-93) e em Assunção (1993-95); entre outros cargos
diplomáticos.
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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