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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Cinco novelas e algumas surpresas |
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I |
Com uma linguagem realista que descreve sem nenhum
disfarce não só o mundo cão das favelas cariocas como as histórias de
algumas das muitas vidas desfeitas pelo turbilhão produzido pela
intervenção militar na vida constitucional do País em 1964, Helio Brasil
contempla o leitor em Pentagrama acidental (Rio de Janeiro,
Ponteio, 2014) com cinco novelas bem estruturadas e arquitetadas, não
fosse ele um experiente arquiteto e urbanista, além de professor
universitário com vasto currículo e experiência.
No posfácio que escreveu para este livro, o também
professor Ivan Cavalcanti Proença, mestre e doutor em Literatura
Brasileira, autor de obras clássicas como A ideologia do cordel,
Futebol e palavra e O poeta do eu, este último sobre o
poeta Augusto dos Anjos (1884-1914), diz que Helio Brasil é, hoje, um dos
mais importantes ficcionistas brasileiros, embora não seja dado a procurar
a divulgação de seu trabalho na mídia nem frequentar a roda-viva oficial
dos intelectuais.
“Seus livros, inclusive o artesanal texto-memória,
recente, sobre a infância em São Cristóvão, constituem prova de seriedade
intelectual, competência e extrema lucidez na seleção de temas que compõem
sua obra”, diz.
Proença aponta a novela “Corte e costura” como o
carro-chefe do volume, incluindo-a entre os textos mais significativos da
contemporânea ficção brasileira. De fato, poucos ficcionistas hoje no
Brasil teriam tanta habilidade verbal e gênio para produzir uma narrativa
tão realista como esta, sem perder o compromisso com o fazer literário,
tornando os seus personagens figuras inesquecíveis para o leitor.
A novela conta a história de um casal separado pelas
consequências nefastas do golpe militar, que tanta infelicidade trouxe
para muitas famílias brasileiras. Loreta, 20 anos, dona de casa que fazia
da atividade como costureira um meio para reforçar o orçamento doméstico,
vivia no Rio de Janeiro com Erasmo, jovem professor universitário, que, de
repente, envolvido nas malhas do movimento de resistência pelas armas ao
regime militar (1964-1985).
Erasmo é obrigado a abandoná-la sem qualquer aviso ou
explicação, à época da Copa do Mundo de Futebol em 1970, auge da repressão
política, partindo para o exílio na França, onde constituiria família,
depois de um tempo de clandestinidade no Brasil e no Paraguai. Sozinha,
depois de inutilmente procurar o corpo do marido desaparecido, Loreta
refaz a vida com um vendedor de cadernos de corte e costura, o gaúcho
Greco, 20 anos mais velho. O ponto alto da novela é o reencontro daquelas
vidas desfeitas no cemitério em 1998, quase três décadas depois, por
ocasião do enterro de Greco, vítima de mal súbito.
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II |
Gustavo Barbosa, na apresentação deste livro, além de
ressaltar a perspectiva realista de Helio Brasil na descrição de
personagens, destaca a “densidade emocional dos protagonistas e a
indicação precisa de quem são, de onde vêm e o mistério de seus destinos,
quase sempre essa a motivação das histórias”. É o caso se constata na
novela “O bem mais precioso”, que abre o volume, em que o autor
reconstitui o dia-a-dia de uma família desestruturada que vive numa
favela, descrevendo em detalhes o avanço do amante alcoólatra sobre a
enteada de poucos anos de vida, até ser surpreendido pelo irmão da menina,
que o despacha para o outro mundo. Eis um trecho:
“Através da cortina que protegia a cama da menina
viu a silhueta de Mazinho dobrando-se sobre o corpo da criança, o braço
espichado. O rapaz levou a mão à pistola. O estampido, embora não fosse um
ruído estranho aos ouvidos dos moradores, chamaria a atenção dos
moradores. Olhou em torno. Cravada na carne assada, a faca: lembrança e
sugestão. Em gesto rápido, afastou a cortina e empunhando a arma com
firmeza mergulhou-a no cachaço de Mazinho. Uma, duas, dez vezes, o sangue
escurecendo o vermelho da camisa e fazendo desaparecer o enorme número
branco. Um grunhido abafado pelo gargarejo mortal, jugulado pelo braço
musculoso do jovem, o homem bambeou o corpo. A menina fez um leve
movimento, ajeitou-se na cama e continuou o sono inocente”.
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III |
Esse estilo cruento, cheio de violências, erotismo e
irreverência, que faz lembrar os contos de Rubem Fonseca (1925), também se
constata na novela “Seis vezes seis. Noves fora: nada”, que reproduz a
solidão da velhice de alguns tipos bem sucedidos na vida burguesa, não
raro em meio a falcatruas, que se reúnem para participar de um bacanal no
sítio do mais bem afortunado deles.
Já em “Os riscos da paixão”, o autor deixa à mostra
também os seus dotes como historiador e arquiteto, reconstituindo a época
do Império numa narrativa em que o protagonista é o adolescente José
Augusto, que se apaixona por D. Domitila, a marquesa de Santos, exatamente
a amante do imperador, D. Pedro I. Como bem observa Cavalcanti Proença, a
história remete para outras “cenas de atração” clássicas na bibliografia
de Machado de Assis (1839-1908), como as que se lê em contos como “Uns
braços” e “Missa do galo”.
Por aqui, vê-se que o leitor que “descobrir” o
ficcionista Helio Brasil, ainda que tardiamente como este resenhista, não
vai se arrepender. São novelas (talvez algumas possam ser tidas como
contos, ainda que extensos) que, realmente, envolvem o leitor da primeira
à última linha, sem deixar de surpreendê-lo com finais insólitos. Ou seja,
são novelas que estavam no “fundo da gaveta”, como diz o autor, mas que
reúnem tudo o que se poderia esperar de um grande ficcionista. E que
mostram que a Literatura Brasileira ainda pode oferecer boas surpresas.
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IV |
Helio Brasil (1931), nascido no Rio de Janeiro, é
formado em 1955 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do
Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi
funcionário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, hoje
BNDES), entre 1955 e 1984, tendo realizado projetos para as instalações do
banco. Projetou edifícios comerciais, industriais e residenciais no Rio de
Janeiro e em outros Estados. Foi professor da disciplina Projeto de
Arquitetura, durante vinte anos, nas Universidade Santa Úrsula e nas
universidades Federal do Rio de Janeiro e Federal Fluminense (UFF).
É autor de São Cristóvão – memória e esperança
(Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2004); O anjo de bronze, contos
(Rio de Janeiro, Oficina do Livro, 1994); A última adolescência,
romance (Rio de janeiro, Bom Texto, 2004); Tempos de Nassau: um
príncipe em Pernambuco, ficções, com vários autores (Rio de Janeiro,
Bom Texto, 2004); e O solar da fazenda do Rochedo – memórias
(edição dos autores, 2010). É co-autor com Nireu Cavalcanti de O
Tesouro – O Palácio da Fazenda, da Era Vargas aos 450 anos do Rio de
Janeiro (Rio de Janeiro, Pébola Casa Editorial, 2015). Participou
ainda de coletâneas de contos das editoras Uapê, Bom Texto e 7Letras.
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Pentagrama acidental,
novelas, de Helio Brasil, com pósfácio de Ivan Cavalcanti Proença e
apresentação de Gustavo Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Relume
Dumará/Ponteio, 200 págs., R$ 35,00, 2014. Site: www.ponteioedicoes.com.br
E-mail:
ponteio@ponteioedicoes.com.br
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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