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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Alexandre
O´Neill: uma biografia inovadora |
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I |
Ainda que não seja regra,
uma biografia costuma começar pelo nascimento do biografado ou, melhor
ainda, por seus ancestrais, mas nada impede que comece pelo dia de sua
morte. Pois é assim que tem início
Alexandre O'Neill – Uma Biografia
Literária (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007), de Maria Antónia
Oliveira, o que mostra quão inovadora é esta biografia de um poeta que
está entre os maiores da segunda metade do século XX em Portugal.
Como ainda era muito jovem quando
o poeta morreu, a biógrafa, provavelmente, nunca esteve próxima de seu
biografado. Mas pôde reconstruir sua trajetória, praticamente, sem
lacunas, ao dar a palavra aos amigos do poeta, acompanhando os seus
passos por Lisboa. Recuperou assim a sua paixão pelo Surrealismo, de que
foi um dos maiores divulgadores em Portugal, seus amores, suas facetas
de publicitário e colecionador e a história de “Um Adeus Português”, o
seu poema mais famoso, do qual transcrevemos abaixo apenas as duas
primeiras estrofes e a última para deixar o leitor que o não conhece com
água na boca:
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor (...)
(...) Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
Graças ao trabalho de investigação da biógrafa, fica-se sabendo que o
poema surgiu em homenagem a uma antiga namorada, à época em que o poeta
tinha 26 anos de idade, Nora Mitrani, uma francesa que não era bem vista
por sua família, a ponto de esta ter se movimentado para que a polícia
salazarista lhe negasse passaporte para ir ao encontro dela em França.
Alexandre seria chamado à Pide, a polícia política do regime direitista
de António Salazar, para um interrogatório que teria durado quase quinze
horas, conforme recordou o próprio poeta em crônica escrita em 1984.
Nora, que para a Pide seria uma perigosa agitadora esquerdista, nunca
mais veria Alexandre: viveria mais onze anos, até suicidar-se ao saber
que tinha câncer. Foi desse amor contrariado que nasceu o famoso poema,
que a homenageada chegou a ler comovida, como confessou em carta que
enviou ao poeta.
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II |
Maria Antónia recupera ainda os
entusiasmos literários do jovem O´Neill. Com isso, sabe-se de sua
descoberta, “um fervor que nunca abandonou”, da poesia brasileira,
especialmente de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Guilherme de
Almeida, Cecília Meireles, Mário de Andrade, Jorge de Lima e Ribeiro
Couto, ainda na década de 1940. Reconstitui quase passo a passo a
trajetória de vida do poeta, detendo-se naqueles mais significativos, como
o conhecimento que, durante o inverno de 1956, travou com Maria Noémia de
Freitas Delgado, uma rapariga que viera de Moçambique para estudar
Belas-Artes em Lisboa, com quem ele se casaria.
Para reconstituir a vida do poeta, a
biógrafa lembra que recolheu cerca de 50 depoimentos de pessoas que o
conheceram, além de vasculhar papéis no Arquivo Nacional da Torre do Tomo,
na Biblioteca Nacional de Lisboa e outros. E confessa as dúvidas que
passou diante de tanta informação levantada, a ponto de admitir que,
perante a dificuldade para estabelecer uma verdade impossível, escreveu
uma “curiosa mistura de narrativa ficcional e de realidade”.
Seja como for, o resultado é uma
biografia que encanta o leitor desde as primeiras linhas, ao permitir
também que aquele que a lê conheça ou reconheça a Lisboa daqueles anos,
ressuscitando às vezes lugares já perdidos no tempo que foram locais de
convivência de O´Neill com os amigos, na maioria intelectuais. E ainda o
amor que viveu com Teresa Gouveia, com quem se casaria em 1971, em meio à
oposição da família da moça.
Tinha ele 45 anos de idade e ela,
25. Sem contar que o poeta carregava fama de ser “um desbragado estúrdio,
devasso, estróina e perdulário”. E a família da rapariga era tradicional
em meio a uma sociedade fechada e conservadora como a portuguesa do começo
dos anos 70. Teresa viveria com Alexandre até o fim de sua vida. Esposa de
um poeta, não deixaria de cumprir, porém, uma carreira importante na
estrutura da burocracia portuguesa pós-queda do salazarismo. Em 16 de
abril de 1986, quando o poeta sofreu o segundo acidente vascular cerebral
que o derrubaria para sempre, ela atuava como secretária de Estado da
Cultura no governo do professor Aníbal Cavaco Silva.
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III |
Alexandre O´Neill nasceu em 1924, em Lisboa. Participou
da criação do Grupo Surrealista de Lisboa em 1947. Editou o seu primeiro
livro de poesia, No Reino da
Dinamarca, em 1958, do qual consta o seu poema mais célebre, “Um Adeus
Português”. Escreveu também letras para fados e traduziu e organizou
antologias. Assinou colunas em jornais lisboetas e colaborou em revistas
literárias. Escreveu para teatro, cinema e televisão, mas viveu
basicamente de seu trabalho como
copy em publicidade. Morreu
a 21 de agosto de 1986, em Lisboa.
Maria Antónia Oliveira (1964),
nascida em Viseu, é licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos
Portugueses e Franceses), pela Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra (1982-1986), e mestre em Estudos Literários
Comparados pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa (1994), com a tese “O Grande Hotel
Universal – A Poesia de Mário de Sá-Carneiro”.
Concluiu o doutoramento, em 2010, em Estudos Portugueses,
na Universidade Nova de Lisboa, com a tese “Os Biógrafos de Camilo”. Foi
professora de Literatura Portuguesa entre os anos de 1994 e 2005, no
Instituto Piaget; colaboradora do suplemento
Leituras do jornal
Público, de Lisboa, da revista
de poesia Relâmpago (Fundação
Luís Miguel Nava) e da Revista LX
Metrópole; formadora de e-Learning no âmbito do programa Projeto
e-Inovar da Escola Superior de Educação de Coimbra; e fez trabalho de
investigação para a revista
Colóquio/Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian.
É responsável com Fernando Cabral
Martins pela edição de Anos 70 –
Poemas Dispersos, de Alexandre O’Neill (Lisboa, Assírio & Alvim,
2005); edição e posfácio de Uma
Coisa em Forma de Assim, de Alexandre O’Neill (Lisboa, Assírio &
Alvim, 2004); edição e prefácio da obra
Céu em Fogo, de Mário de
Sá-Carneiro (Lisboa, Relógio d’Água, 1998); e prefácio à reedição de
No Reino da Dinamarca, de
Alexandre O’Neill (Lisboa, Relógio d’Água, 1997). Ganhou ainda o Prêmio de
Revelação de Ensaio APE/IPLL do ano de 1990, pelo trabalho
A Tristeza Contentinha de Alexandre O’Neill, ensaio publicado no ano
de 1992, pela Editorial Caminho, de Lisboa.
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Alexandre
O´Neill – Uma Biografia Literária, de
Maria Antónia Oliveira. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 346 págs., 9,90
euros, 2007. Site: www.domquixote.pt
E-mail:info@dquixote.pt
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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