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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Na moenda da cidade grande |
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I |
Como bem sabe o sempre atento leitor, o
bildungsroman, ou romance de formação,
recupera a trajetória de um herói ou anti-herói, resgatando as
experiências fundamentais que acabaram por moldar a sua personalidade até
a maturidade. Ou seja: traumas da infância e da juventude, desajustes
familiares, frustrações amorosas, sonhos que não se concretizaram, anseios
ou idealizações políticas que nunca foram cumpridas ou traídas por aqueles
dotados de ideias mais práticas e menos compromissos morais, dificuldades
para enfrentar a realidade – tudo isso, de certo modo, passa quem, um dia,
decide que não pode mais viver à barra da saia da mãe e do bolso do pai. E
vai à luta.
O termo em alemão justifica-se porque, na verdade, o
gênero nasce com Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister,
romance de Goethe (1749-1832), considerado o marco inicial do
bildungsroman. Trata-se de um gênero que floresceu na Europa no
século XIX e que teve outros expoentes como Balzac (1799-1850), Flaubert
(1821-1880), Dostoievski (1821-1881) e Marcel Proust (1871-1922), só para
citar alguns.
No Brasil, não foram poucos os romances de formação.
Pode-se citar O Ateneu (1888), de Raul Pompéia (1863-1895), e
Meus verdes anos (1956), de José Lins do Rego (1901-1957), entre
outros. Sem esquecer de Machado de Assis (1839-1908), que escreveu pelo
menos três “contos de formação”: "Conto de escola", de Várias
histórias (1896), "O caso da vara", de Páginas recolhidas
(1899), e "Teoria do medalhão", de Papéis avulsos (1882), cujos
protagonistas são retratados em seu processo de crescimento e de formação.
Já “novela de formação” e ainda escrita a quatro mãos é
um acontecimento raro não só na literatura de expressão portuguesa como na
mundial. É o caso de Moenda de silêncios: encontros & desencantos na
metrópole (São Paulo, Dobra Editorial, 2012), de Ronaldo Cagiano e
Whisner Fraga, que relata os desafios que dois personagens oriundos do
interior de Minas Gerais enfrentam na cidade de São Paulo em seus verdes
anos. É a história de Fabiano e Murillo que, procedente um de Cataguases e
outro de Ituiutaba, por coincidência (ou não) as terras de origem dos dois
autores, vão tentar a vida na grande e dura metrópole, conhecem-se num
pensionato e tornam-se amigos. E conservam a amizade, mesmo quando já
seguiram outro rumo e cada um já descobriu a mulher de sua vida e começa a
constituir a sua própria família.
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II |
A recuperação do tempo perdido, à la Proust,
também permite uma observação do estado catatônico da literatura hoje no
Brasil, refém do interesse ganancioso de editores pouco comprometidos com
a boa qualidade, já que não se fazem editores como José Olympio
(1902-1990) e Ênio Silveira (1925-1996). “(...) o que temos aí é um
“açougue fashion” com sua burrice memorável e sua falta de vergonha,
porque o que conta é o retorno financeiro, a gulodice dos editores
corrompendo tudo, a dolorosa falta de espanto (ou indulgência) da mídia e
da crítica para esse fenômeno”, diz Fabiano, candidato a escritor, citando
o poeta Marcelo Ariel (1968). E acrescenta: “O que conta é o lucro, disse
Danília em certo momento. O povo lê autoajuda, esoterismo de butique, o
lixo literário americano, em prejuízo de uma formação intelectual mais
sólida. Escrevem o que todo mundo quer ouvir, sem que haja necessidade de
deixar qualquer rastro de reflexão, questionamento ou inquietação”.
Mais adiante, observa: “Agora está aí a febre de
angelologia, runas, adivinhações, terapias disso e daquilo, padres fazendo
milagres, uma disseminação de um certo tipo de literatura e de religiões
de encomenda, que nascem da noite para o dia com o fito de enganar e
explorar os incautos, gente procurando nelas o sedativo para seus achaques
íntimos”. Enfim, eis um retrato do Brasil dos últimos trinta anos,
preocupado apenas em acumular lixo cultural alienígena e importar o que
não presta, como diria o poeta, professor e ensaísta Cassiano Nunes
(1921-2007), igualmente citado no livro.
Para quem tivera a oportunidade numa cidade pequena e
bem organizada – e no Brasil de hoje ainda existem essas cidades – de
fazer viagens solitárias e escondidas à biblioteca do ginásio, onde
“escalava montanhas em busca de um everest de conhecimento e
descobertas”, com quem falar sobre “Manuel Bandeira, Augusto dos Anjos,
Olavo Bilac, Fagundes Varela, José
Saramago, Borges, Cortázar e Dalton Trevisan naquela cidade, pequeno
deserto de memórias esquecidas, cemitérios dos vivos?” Eis o drama de
Murillo, que viera de Ituiutaba, e encontra em Fabiano com quem dividir a
saudade da família e as angústias diante da nova fase na vida.
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III |
Por aqui se vê, como bem assinalou o autor do posfácio,
o escritor e jornalista Emanuel Medeiros Vieira, que este livro não é só
“uma história de formação nas vísceras da metrópole”, mas também uma
homenagem e uma celebração da literatura, pois os autores (e personagens),
embora tenham “plena consciência do mundo massificado - áspero, deserto de
utopias e de compaixão - no qual vivem, e absolutamente mercantilizado, da
hegemonia, do ter, do aparecer e do triunfo do individualismo”, ainda
encontram tempo para discutir suas inquietações existenciais.
Para o poeta, ficcionista e crítico literário Rubens
Shirassu Jr., autor do texto das “orelhas” do livro, esta novela significa
também "a procura de uma dignidade", pois "expõe os sonhos entrecortados
pelas tentativas dos rapazes de vencer a batalha numa cidade toda feita
contra eles". E, acrescente-se, um exemplo a ser seguido por esses jovens
que continuam a sair do interior do Brasil em busca de dias melhores em
São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, ainda que não carreguem na
lembrança nenhum personagem ou verso de um daqueles autores citados por
Murillo, mas um Harry Potter qualquer...
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IV |
Ronaldo Cagiano (1961) nasceu em
Cataguases-MG, viveu de
1979 a
2007 em Brasília, onde se formou em Direito, e reside em São Paulo. Publicou
Palavra engajada (1989),
Colheita amarga & outras angústias
(1990), Exílio (1990),
Palavracesa (1994),
O prazer da leitura (1997), em parceria com Jacinto Guerra,
Prisma – literatura e outros temas
(1997), Canção dentro da noite
(1999), Espelho, espelho meu
(2000),em parceria com Joilson Portocalvo,
Dezembro indigesto
(2001), vencedor do Prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária,
Concerto para arranha-céus (2005),
Dicionário de pequenas solidões (2006) e
O sol das feridas (2011).
Organizou as coletâneas Poetas mineiros em Brasília (2002), Antologia do
conto brasiliense (2003) e Todas
as gerações - o conto brasiliense contemporâneo (2006). Escreve com
regularidade resenhas para o Diário
da Manhã e Jornal Opção, de
Goiânia, Jornal de Brasília,
Correio Braziliense, e Hoje em
Dia, de Belo Horizonte, entre outros.
Whisner Fraga (1971), engenheiro
mecânico, é mineiro de Ituiutaba, e autor de
Seres & sombras (1997),
Coreografia dos danados (2002),
A cidade devolvida (2005),
As espirais de outubro (2007),
Abismo poente (2009),
O livro da carne (2010) e
Sol entre noites (2011).
Publicou poesia e ficção em diversos jornais e revistas, entre os quais
Correio Braziliense, Revista
Cult, Revista E,
Rascunho,
Revista Brazzil, Revista
Literatura e Iararana.
Ultimamente, vem escrevendo resenhas para o
Estado de Minas e
Rascunho.
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MOENDA DE
SILÊNCIOS – ENCONTROS & DESENCANTOS NA METRÓPOLE,
de Ronaldo Cagiano e Whisner Fraga. São Paulo: Dobra Editorial,
105 págs., R$ 30,00, 2012. Site:
www.dobraeditorial.com.br
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Adelto
Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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