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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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A homenagem a
Salinas devida |
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I |
A Voz a Ti Devida/La Voz a Ti Debida,
um dos melhores livros de poesia de Pedro Salinas (1891-1951), está desde
agosto de 2012 no mercado brasileiro em edição bilíngue
castelhano-portuguesa, graças aos esforços de José Jeronymo Rivera (1933),
que se tem destacado como um dos grandes tradutores das poesias espanhola
e francesa para a Língua Portuguesa. Lançado pela Thesaurus Editora, de
Brasília, a edição traz um extenso e elucidativo ensaio à guisa de
prefácio, “Pedro Salinas e La Voz a Ti Debida”, de autoria do escritor e professor José Antonio
Pérez-Montoro, assessor cultural da Embaixada da Espanha em Brasília e
tradutor de autores brasileiros para o espanhol, além de apresentação do
poeta João Carlos Taveira, notícias biobibliográficas do autor e do
tradutor e texto de contracapa do poeta Anderson Braga Horta.
Para quem desconhece a história da Literatura Espanhola, é preciso que se
diga que Salinas fez parte da Geração de 27, que inclui, entre outros,
Rafael Alberti (1902-1999), Jorge Guillén (1893-1984), Luis Cernuda
(1902-1963), Vicente Aleixandre (1898-1984) e Federico García Lorca
(1898-1936), o mais famoso deles. E que
A Voz a Ti Devida é o seu título
mais conhecido, sendo considerado o melhor livro de poesia amorosa do
século XX da Literatura Espanhola, na opinião de muitos estudiosos. Esta
bela tradução, portanto, é uma homenagem que as letras brasileiras deviam
à memória de Salinas e à Literatura Espanhola.
Graduado em Direito, Letras e Filosofia, Salinas dedicou-se à docência
universitária. De 1914 a 1917, atuou como leitor de Espanhol na Sorbonne,
em Paris, onde se doutorou em Letras. De sua afinidade com a cultura
francesa resultou a vontade de traduzir para o espanhol
Em busca do tempo perdido, de
Marcel Proust (1871-1922), tarefa que não chegou a concluir, tendo vertido
alguns volumes.
Depois, Salinas ensinou na Universidade de Sevilha e, em 1922-23, em
Cambridge. Passou para a
Universidade de Múrcia e, em seguida, para a de Madri. A guerra civil
espanhola o obrigou a mudar-se para os Estados Unidos, onde passou a
lecionar na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Em 1943,
transferiu-se para a Universidade de Porto Rico, mas reassumiu mais tarde
a cátedra na Johns Hopkins. Morreu em Boston e está sepultado em San Juan
de Puerto Rico.
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II |
A Voz a Ti Devida
é um poema longo e unitário e não uma antologia de 70 poemas, como se pode
supor a princípio. Inclusive, na Espanha, houve uma edição póstuma da obra
completa do autor que trouxe alguns poemas deste livro com títulos, o que
nunca foi a intenção do poeta.
É preciso que se diga também que Salinas é um poeta modernista, na acepção
espanhola do termo, o que não corresponde à brasileira. Está ligado à
Belle Époque e, no Brasil, o seu
fazer poético corresponde ao Parnasianismo e ao Simbolismo, o que nada tem
a ver com Mário de Andrade (1893-1945) e seus modernistas. Mesmo assim, a
sua poesia já se apresenta livre das amarras da rima, embora siga a
métrica, para manter o cômputo silábico, como observa José Antonio
Pérez-Montoro no estudo introdutório.
Trata-se, portanto, de um poeta ao mesmo tempo clássico e moderno, como
ressalta na apresentação João Carlos Taveira, lembrando que o poema
A Voz a Ti Devida é quase todo
construído em versos de seis sílabas e redondilha maior, com pouquíssima
utilização da métrica decassilábica. Aqui, ao contrário do que fez em
outros livros, Salinas nunca recorre ao verso livre. Eis aqui um exemplo
da poesia de Salinas, exatamente a parte final do poema, na tradução bem
medida de José Jeronymo Rivera:
(...) Ouves como elas pedem
realidades,
elas, descabeladas, feras,
elas, as sombras que nós dois forjamos
neste tão grande leito de distâncias?
Cansados já de infinitude e tempo
sem medida, do anônimo, feridas
por imensa saudade de matéria,
pedem limites, dias, nomes.
Não podem
viver assim, não mais; estão à beira
do desmaiar das sombras, que é o nada.
Acode, vem comigo.
Estende as mãos, estende-lhes teu corpo.
Os dois lhe buscaremos
uma, uma data, um peito, um sol.
Que descansem em ti, sê tu sua carne.
Calmar-se-á seu grande ansiar errante,
Enquanto ávidamente
as estreitamos entre os corpos nossos
onde encontrem seu pasto e seu repouso.
E dormirão enfim em nosso sono
abraçado, abraçadas. E assim logo
,
ao separar-nos, ao nutrir-nos só
de sombras, em distâncias,
elas
terão lembranças já, terão passado
de carne e osso,
o tempo que viveram dentro em nós.
E seu sono afanoso
de sombras, outra vez, será o retorno
a esta rósea e mortal corporeidade
onde inventa o amor seu infinito.
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III |
Quem compulsa a tradução e o original pode enganosamente atribuir ao
tradutor neste caso um trabalho fácil. É que Salinas não é um poeta
rebuscado; pelo contrário, busca a singeleza como ideal. Por isso,
encontrou em Rivera um “poeta disfrazado de traductor”, na perfeita
definição de Pérez-Montoro, ou seja, o interlocutor certo não só pelo
conhecimento que tem da língua espanhola como pelo respeito que devota à
sintaxe original.
Como bem observa o poeta Anderson Braga Horta, Rivera tem dado uma
contribuição inestimável ao enriquecimento das letras nacionais com
criações originais de outras línguas, como é bom exemplo a tradução que
fez de Gaspard de la Nuit, de
Aloysius Bertrand (1807-1841). Sem contar as versões que fez do português
para o castelhano, algumas já publicadas em
Poetas Portugueses y Brasileños de los Simbolistas a los Modernistas,
obra organizada pelo professor José Augusto Seabra (1937-2004), ao tempo
em que era embaixador de Portugal em Buenos Aires, publicada pelo
Instituto Camões. Traduziu também poemas do belga Émile Verhaeren
(1855-1916), de quem tem previsto para ao prelo a versão de
Les Heurs. Traduziu ainda o
clássico Rimas, de Gustavo
Adolfo Bécquer (1836-1870).
Engenheiro, economista e administrador, Rivera foi professor universitário
e de ensino médio. É membro da Academia de Letras de Brasília. De sua
lavra, publicou Aprendizado de poesia: 1951-1953 (Brasília: Thesaurus Editora).
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A VOZ A TI DEVIDA,
de Pedro Salinas. Tradução de José Jeronymo Rivera. Brasília: Thesaurus
Editora, 2012, 208 págs. E-mail:
editor@thesaurus.com.br Site:
www.thesaurus.com.br |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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