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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Malagrida: o último supliciado pelo fogo
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I |
O
confronto entre Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), conde de
Oeiras e, depois, marquês de Pombal, secretário de Estado dos Negócios do
Reino, com os jesuítas teve o seu epílogo com a condenação do padre
Gabriel Malagrida (1689-1761) ao garrote e à fogueira da Inquisição na
Praça do Rossio, em Lisboa. Um ato de barbárie explícita que, mesmo no
século XVIII, horrorizou o mundo civilizado, que já havia ficado chocado
com a morte dos Távoras em 1759, acusados de tramar um atentado contra a
vida do rei d. José I (1714-1777).
Os
Távoras
e demais acusados
foram executados por quebra de ossos das pernas e dos braços e,
finalmente, por esmagamento do tórax num pátio armado em Belém. Com
Malagrida, ainda houve certa “complacência”, pois não teria sido atirado
vivo ao fogo. De qualquer modo, sua execução foi uma exibição da mais
completa selvageria, no dizer do filósofo francês François-Marie Arouet,
mais conhecido como Voltaire (1694-1778) que, embora anti-jesuíta, definiu
assim o episódio: “Juntou-se o excesso de ridículo e de absurdo ao excesso
de horror”.
Reconstituir esse episódio foi o que levou o pesquisador Daniel Pires
(1951) a escrever Padre Gabriel
Malagrida: o último condenado ao fogo da Inquisição (Setúbal: Centro
de Estudos Bocageanos, 2012), que jorra luz a um acontecimento singular na
vida política portuguesa do século XVIII, livro que, de certo modo, tem a
sua sequência com O Marquês de Pombal, O Terramoto de 1755 em Setúbal e o Padre Malagrida,
que, a exemplo do anterior, acaba de ser editado pelo Centro de Estudos
Bocageanos, dentro da Coleção Clássicos de Setúbal.
De
nacionalidade italiana, Malagrida em 1721 radicou-se no Brasil, fazendo um
trabalho de catequese com os índios guaranis, caiacazes, tabajaras,
gamelas e barbados, além de fundar colégios, casas de retiro e um asilo, à
época em que os jesuítas tinham apoio da monarquia portuguesa. A derrocada
dos jesuítas – que, de início, até apoiaram a nomeação de Sebastião José
de Carvalho e Melo para o ministério de D. José I – deu-se a partir de
1753, quando os guaranis começaram a resistir à demarcação de fronteiras
estabelecida em 1750 pelo Tratado de Madri em que Espanha e Portugal
definiram aleatoriamente as fronteiras entre a província espanhola do
Paraguai e a capitania de Mato Grosso, sem levar em consideração os
interesses dos índios guaranis.
Como os índios rebelados contavam com o apoio dos jesuítas, que tinham
também interesses econômicos na questão, a atitude despertou a ira do
conde de Oeiras, então uma estrela em ascensão no reinado de D. José I que
começou a partir da morte de D. João V a 31 de julho de 1750.
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II |
O
mais notável dos jesuítas de sua época, Malagrida passou a ter a sua vida
confundida com a da própria Companhia de Jesus. Com admiradores e
seguidores na monarquia, o padre seria chamado de volta pela rainha
Mariana Ana da Áustria (1683-1764) para viver na Corte, onde estava quando
ocorreu o terremoto de 1º de novembro de 1755 que destruiu boa parte de
Lisboa, chegando a causar danos também em Setúbal e outras vilas d´além
Tejo.
Talvez
porque se sentisse protegido pela nobreza tradicional, Malagrida escreveu
e publicou no ano seguinte a obra
Juízo da verdadeira causa do terremoto que padeceu a Corte de Lisboa no
primeiro de novembro de 1755 em que considerava o cataclismo um
castigo de Deus, que teria ficado revoltado com toda sorte de iniqüidades
e licenciosidade que grassariam nas altas esferas do Reino. Sua publicação
com a licença necessária do governo seria uma prova de que à época
Malagrida desfrutava de grande prestígio na Corte.
O
terremoto, porém, favoreceria a ascensão do conde Oeiras a ministro de D.
José I com plenos poderes. Obviamente, o recado que trazia a obra seria
endereçado também ao conde de Oeiras e talvez fizesse parte de um plano
que pretendia levar ao seu afastamento do governo. Mas o tiro acabaria
saindo pela culatra porque o conde de Oeiras, fortalecido cada vez mais,
depois de “enterrar os mortos e tratar dos vivos”, acabaria por obrigar
Malagrida a se exilar na vila de Setúbal, com residência fixa.
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III |
Em 1758, ocorreria a tentativa de assassinato do rei D. José I, o que
daria ao conde de Oeiras a oportunidade de se vingar e livrar-se da
nobreza tradicional que nunca vira com bons olhos a sua ascensão a
ministro plenipotenciário, até porque não o considerava um dos seus, mas
de uma nobreza subalterna. Como muito bem mostra Daniel Pires, o conde de
Oeiras aproveitaria a ocasião para acusar os jesuítas da autoria moral do
atentado.
Como se sabe, na noite de 3 de setembro de 1758, D. José I, quando voltava
para as tendas armadas próximas ao Palácio na Ajuda, então em
reconstrução, depois de uma visita a sua amante, Teresa de Távora, seria
alvo de tiros, mas, mesmo ferido, conseguiria escapar. Os jesuítas, então,
seriam perseguidos no Reino e nas colônias e a Companhia de Jesus extinta.
Em janeiro de 1759, na seqüência desses episódios, Malagrida seria
encarcerado no Forte da Junqueira, depois de processo aberto pela
Inquisição. Só que, gênio irrequieto, nunca silenciaria e, sempre que
podia, avançaria contra o conde de Oeiras, denunciando a podridão moral do
reinado de D. José I.
A
rigor, teria uma atitude suicida que só pode ser explicada pelo depoimento
que D. João de Almeida Portugal, o Marquês de Alorna (1726-1802), detido
então na Junqueira, acusado também de envolvimento no regicídio, deu a
respeito do comportamento de Malagrida na prisão, dizendo que o padre
ficava horas em oração com a cabeça postada no chão, “no tempo em que
estas casas de paredes tão grossas, acabadas de fazer, continham em si um
frio e uma umidade insuportáveis”. Isso teria perturbado o seu
entendimento, o que o levava a dizer que ouvia vozes.
Familiar do Santo Ofício, o conde de Oeiras, obviamente, teve participação
decisiva no julgamento que condenaria Malagrida, sem levar em conta que
sua conduta podia estar ligada à insanidade mental. Também maçom, o conde
de Oeiras disse que Malagrida “obrava por se venerar como santo e para
estabelecer o fanatismo na crudelidade e leveza do povo ignorante”. Para o
ministro, o padre teria sido o “diretor espiritual dos réus que haviam
fomentado e dirigido o insulto praticado contra D. José”. Contra
Malagrida, constavam ainda acusações de que costumava extorquir famílias
nobres – especialmente senhoras, que pediam suas orações – sob o pretexto
de devotos fins. O padre, porém, acabaria condenado pela Inquisição por
heresia.
Nas conclusões, Daniel Pires observa que o conde de Oeiras encenou, de
forma extremamente inteligente e metódica, uma acusação que não refletia a
realidade, atribuindo aos jesuítas a autoria moral da tentativa de
regicídio. Lembra ainda que Malagrida viveu seus últimos 30 meses em
condições subumanas, nas prisões da Junqueira e da Inquisição, convivendo
com ratos e sujeira, o que, com certeza, contribuiu para lhe agravar o
estado de demência.
Todos esses episódios com requintes de detalhes podem ser acompanhados
neste livro de Daniel Pires, que passa a fazer parte de uma extensa obra
que inclui livros sobre Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805),
Camilo Pessanha (1867-1926), Wenceslau de Moraes (1854-1929) e Raul
Proença (1884-1941), entre outros.
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IV |
Doutor
em Cultura Portuguesa pela Universidade de Lisboa,
Daniel Pires é mais conhecido por suas
pesquisas sobre Bocage, sua paixão literária, o que o levou a fundar o
Centro de Estudos Bocageanos, em Setúbal, além de defender tese de
doutoramento a respeito da obra do poeta. Foi responsável pela edição da
Obra Completa de Bocage,
publicada pela Edições Caixotim, do Porto, entre 2004 e 2007.
Licenciado em Filologia Germânica, já deu aulas de inglês no ensino
secundário e foi professor em Setúbal. Sua paixão pela pesquisa e seu
gosto pelo conhecimento já o levaram a trabalhar em São Tomé, Angola,
Moçambique, Macau, China, Goa e Escócia. Em Macau viveu por três anos,
entre 1987 e 1990, onde atuou na Universidade local, e, mais tarde,
ensinou na Universidade de Cantão, a cerca de 120 quilômetros de Hong
Kong.
É autor
de importantes trabalhos de divulgação da obra de Bocage, como o livro
Fábulas de Bocage (Setúbal,
Centro de Estudos Bocageanos, 2000) e a organização e publicação da
brochura da Exposição Biobibliográfica comemorativa dos 230 anos de
nascimento e dos 190 anos da morte de Bocage (Setúbal, Câmara Municipal de
Setúbal/Biblioteca Pública Municipal de Setúbal, 1995). Com Fernando
Marcos, preparou a edição de uma pasta com 15 belos postais (sépia) sobre
Bocage na Prisão (Setúbal, CEB,
1999).
Publicou ainda o Dicionário da
Imprensa Periódica Literária Portuguesa no Século XX (Lisboa, Editora
Grifo, 1996), constituído por três volumes.
Colaborou no Dicionário de
História de Portugal e no
Dicionário de Fernando Pessoa, além de fazer parte da comissão que
organizou as comemorações do bicentenário da morte de Bocage, em 2005. Tem
pronto para publicação o Dicionário da Imprensa de Macau do Século XIX,
trabalho iniciado em 1990 em que descreve todos os periódicos que
foram publicados em Macau no século XIX, incluindo os jornais ingleses
que, durante a Guerra do Ópio, saíram simultaneamente em Macau e em
Cantão.
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PADRE GABRIEL MALAGRIDA: O ÚLTIMO CONDENADO AO FOGO DA INQUISIÇÃO,
de
Daniel Pires. Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 136 págs., 2012.
Preço do exemplar: 10 euros mais portes de correio. E-mail:
danielspires@netcabo.pt
Foto: Luiz Nascimento |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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