|
REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
|
|
|
|
|
Adelto Gonçalves |
|
A criação literária ao alcance
de todos |
|
A CRIAÇÃO LITERÁRIA – POESIA
E PROSA, de Massaud Moisés, edição revista e atualizada. São Paulo:
Editora Cultrix, 2012, 782 págs. R$ 78,00. E-mail:
atendimento@editoracultrix.com.br Site: http://www.editoracultrix.com.br |
|
I |
Se é difícil admitir-se que se possa ensinar Literatura, como observou
Fidelino Figueiredo (1889-1967), o ensino da atividade crítica pode ser
algo ainda mais questionável. Mesmo assim, ensina-se. E quem quiser pode
aprender muito. É o que propõe A
Criação Literária – Poesia e Prosa (São Paulo, Cultrix, 2012), de
Massaud Moisés, obra anteriormente publicada em três volumes, um dedicado
à poesia e dois à prosa, que acaba de ganhar uma edição revista,
atualizada e unificada.
Concebida originalmente sob o título de
Introdução à Problemática da
Literatura, a obra, cuja primeira edição é de 1967, mereceu sucessivas
impressões e constitui o melhor manual de teoria literária produzido no
Brasil. Não é de admirar que ainda seja largamente utilizado nos cursos de
Letras.
É claro que a imensa maioria que recorre a este livro – que é, acima de
tudo, didático – é formada por aqueles que almejam uma carreira no
magistério na área de Letras. Mas este livro é fundamental mesmo para quem
quer seguir uma atividade cada vez menos prestigiada nestes dias, a de
crítico literário.
Até porque esta não é uma carreira profissional e ninguém sobrevive como
crítico ou resenhista de livros nem sobreviveu em outros tempos. Agrippino
Grieco (1888-1973), grande crítico literário e ensaísta, que viveu seus
últimos dias no subúrbio carioca da magra aposentadoria de ferroviário,
sempre lamentou o tempo que perdera analisando obras de autores que
considerava inferiores a ele em talento. Mas, se não constitui uma
carreira profissional, a atividade ao menos serve não só para bem ocupar
as horas de ócio como acumular erudição e, melhor ainda, estimular e
exercitar os neurônios, o que, na idade madura, pode ajudar a retardar as
manifestações do mal de Alzheimer. Já não é pouco.
Para piorar, nestes dias que correm, as revistas e suplementos literários,
praticamente, desapareceram. E os que sobreviveram, diante de tantas
dificuldades econômicas, não costumam remunerar seus colaboradores. O
último, justiça se faça, que ainda pagava por colaboração era o suplemento
Caderno de Sábado, que
desapareceu no começo do século XXI, numa daquelas crises periódicas pelas
quais passou o Jornal da Tarde,
de São Paulo, até o seu fechamento às vésperas do Dia de Finados de 2012.
|
|
II |
Seja
como for, se ainda hoje há jovens que, contrariando a vontade paterna,
queiram iniciar-se nesta atividade e tenham disposição e espaço para ler e
guardar a infinidade de livros que editoras e autores vão lhe enviar pelo
correio, para estes não há outro caminho que não seja começar por
A Criação Literária. Afinal,
por aqui, vão aprender que o verso é só uma maneira de marcar melhor a
narrativa, ou seja, “é mero instrumento da narrativa, que assume valor
absoluto”.
Portanto, verso não significa poesia, como sabe quem lê literatura de
cordel ou os contos em versos de Geoffrey Chaucer (c.1343-1400) ou de La
Fontaine (1621-1695). Na verdade, diz Moisés, a “poesia é a expressão do
‘eu’ por palavras polivalentes, ou metáforas”. São expressões que, como
observou Octavio Paz (1914-1998), em
O Arco e a Lira (Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1982), foram classificadas pela retórica e
chamam-se, além de metáforas, comparações, símiles, jogos de palavras,
paronomásias, símbolos, alegorias, mitos, fábulas etc.
Essas expressões verbais têm ritmo próprio, ou seja, são o próprio ritmo,
o mundo da alma do poeta. Não se deve, porém, confundir ritmo com
cadência. Para Moisés, “a cadência participa da formulação do ritmo, mas
não o determina: na verdade, o ritmo engloba a cadência, como o todo
implica a parte”. Já o ritmo, diz, constitui “a sucessão de unidades
melódico-emotivo-semânticas, movendo-se na linha do tempo”.
É por isso que pode haver poesia em textos armados em versos ou em linhas
cheias, ou seja, numa crônica, conto ou em qualquer outro texto, como, por
exemplo, El jardín de senderos que
se bifurcan (1941), de Jorge Luis Borges (1899-1986), que Octavio Paz
define como poema. Segundo o poeta, nesse relato, “a prosa se nega a si
mesma: as frases não se sucedem, obedecendo a uma ordem conceitual ou
narrativa, mas são presididas pelas leis da imagem e do ritmo. Há um fluxo
e refluxo de imagens, acentos, pausas, sinal inequívoco da poesia”. Em
outras palavras: estamos diante de uma prosa poética.
|
|
III |
Já poema em prosa é, antes de tudo,
poema, como diz Moisés, ou seja, a sua meta consiste na expressão da
poesia, enquanto na prosa poética o objetivo do ficcionista é “recriar o
mundo, inventando uma história e suas personagens, ainda que numa
atmosfera de permanente lirismo”. Poemas em prosa são pequenas peças
líricas em que toda a primazia é do “eu”, isto é, o poeta volta-se para
dentro de si, “fazendo-se ao mesmo tempo espetáculo e espectador”. Como
exemplo, leia-se fragmentos do
Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa (1888-1935).
Nenhuma dessas formas, porém, confunde-se com o poema de forma livre, em
que, segundo Moisés, o metro cede lugar ao ritmo que, sem a cadência
imposta pela forma fixa, torna-se “a própria alma do verso”, na definição
de Antonio Candido, em O Estudo
analítico do poema ((Terceira Leitura, FFLCH/USP, 1987). Como exemplo,
leia-se Oito elegias chinesas
(Lisboa: Edições Descobrimento, 1932), poemas traduzidos por Camilo
Peçanha (1867-1926), um dos precursores do Modernismo português.
O que sustenta as Oito elegias
chinesas é o ritmo, que espelha também toda a inquietação e as
alterações do espírito e da sensibilidade do poeta/tradutor. Livre da
camisa-de-força da forma fixa, Peçanha, como tradutor, sentiu-se à vontade
nos poemas/traduções para colocar toda a tristeza de sua alma de
autoexilado em Macau que se identificou com a
anima de poetas chineses
desterrados do tempo dos Ming (1368-1628). Para tanto, foi mais longe na
subversão das formas poéticas tradicionais, suprimindo rimas, fazendo
cortes bruscos, reduções inesperadas ou prolongamentos desmedidos –
inclusive, adotando soluções da prosa como a divisão silábica.
Mas não é só para elucidar estas questões ligadas à teoria da poesia,
aparentemente difíceis, que serve este
A Criação Literária. Vai mais
longe ao analisar também as formas em prosa, como o conto, a novela, o
romance, a crônica e o teatro, além de outras formas híbridas e, por fim,
a crítica literária, “talvez o mais espinhoso e controverso” dos problemas
relativos à teoria da Literatura, como o próprio autor admite.
|
|
IV |
Professor titular aposentado da Universidade de São Paulo, Massaud Moisés
foi professor visitante nas universidades de Wisconsin, Indiana,
Valderbilt, Texas, Califórnia e Santiago de Compostela. Alguns dos seus
livros, consagrados à teoria literária e às literaturas em vernáculo,
constituem referência obrigatória para estudantes e estudiosos destas
matérias como evidenciam as sucessivas edições que têm merecido
História da Literatura Brasileira,
3 v., A
Análise Literária, Dicionário
de Termos Literários, A
Literatura Brasileira Através dos Textos,
A Literatura Portuguesa
Através dos Textos,
Pequeno Dicionário de Literatura
Brasileira, A Literatura
Portuguesa, Fernando
Pessoa: o Espelho e a Esfinge
e Machado de Assis: Ficção e Utopia,
todos publicados pela Cultrix,
A Literatura como Denúncia (Cotia-SP: Íbis, 2002) e
As Estéticas Literárias em Portugal,
3 v. (Lisboa: Editorial Caminho, 2002), entre outros.
|
|
Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
|
|