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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Camilo Pessanha na intimidade |
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Depois
de publicar Clepsidra e outros
poemas, para o qual escreveu o prefácio e fixou o texto, com
ilustrações de Rui Campos Matos (Lisboa: Livros Horizonte, 2006), e
A imagem e o verbo: fotobiografia de
Camilo Pessanha (Macau: Instituto Cultural do Governo da R.A.E. de
Macau e Instituto Português do Oriente, 2005), o pesquisador literário
Daniel Pires (1951) acaba de lançar
Correspondência, dedicatórias e outros textos, de Camilo Pessanha
(Campinas: Editora Unicamp; Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal), que
reúne 19 cartas do poeta português que se encontravam parcial ou
integralmente inéditas e 59 que estão disseminadas por livros esgotados e
por periódicos de difícil acesso.
Obra desde já imprescindível para quem se aventurar a escrever sobre
Camilo Pessanha (1867-1928), o livro traz ainda uma minuciosa cronologia
que avança até 2010, acrescentando obras, teses acadêmicas, filme e
exposições realizadas sobre a vida e a obra do poeta. Nos anexos, além de
dedicatórias feitas a amigos e admiradores, há dois textos da lavra do
funcionário público Camilo Pessanha: um relatório encaminhado ao
secretário-geral do Governo de Macau sobre a atividade pedagógica das
Irmãs Canossianas na cidade e uma ata secreta do Governo de Macau, que
consta de acervo do Arquivo Histórico de Macau.
No
primeiro documento, Pessanha, presidente de uma comissão nomeada pelo
governo, avalia a atuação de uma congregação religiosa na prática
educacional. De sua leitura, vê-se a influência e conseqüências em Macau
da revolução republicana de 5 de outubro de 1910, depois da deposição da
monarquia em Portugal. O segundo
documento, de certa maneira, relata o inconformismo do poeta diante da
provável execução, se fosse extraditado, de um alto dignitário chinês,
Lam-Kua-Si, perseguido pelo vice-rei de Cantão.
Como
observa Daniel Pires no ensaio que escreveu à guisa de prefácio, em razão
da dependência de Macau em relação à China, todas as personalidades
portuguesas convocadas a aconselhar o governador diante do pedido feito
pelo vice-rei se colocaram a favor da extradição, com exceção de Pessanha,
que justificou em separado a sua posição, ainda que não houvesse “decerto
bandidos mais bestialmente cruéis do que esse Lam-Kua-Si”, como escreveria
mais tarde, em 1912. É que ao poeta repugnava o comportamento indigno dos
tribunais chineses bem como os métodos desumanos com que as autoridades do
país faziam cumprir a pena, métodos tão abjetos que talvez só concorressem
em crueldade com os que seriam praticados pelos esbirros da ditadura
militar brasileira de 1964. Eis como Pessanha descreve um deles num
prefácio que preparou para o livro
Esboço Crítico da Civilização Chinesa, de J. António Filipe de Morais
Palha, publicado em Macau em 1912: “(...) Entre os suplícios restaurados
havia a sensacional morte de gaiola, em que o paciente era suspenso pelo gasnete, mas de
modo a poder apoiar no chão os dedos dos pés, e deixado nessa divertida
posição, de equilíbrio instável, até morrer de esgotamento”.
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II |
A respeito das dedicatórias, há uma observação:
não são dedicatórias feitas ao correr da pena, de forma burocrática,
apenas com o intuito de cumprir uma formalidade, mas que, em muitos casos,
apresentam detalhes introspectivos que ajudam a compreender a alma do
poeta. Obviamente, as cartas aqui reunidas ajudam muito mais a conhecer a
profunda capacidade introspectiva de Camilo Pessanha, além de sua
concentração no estudo do idioma e da civilização sínicos.
Eis o
que escreve ao amigo Carlos Amaro em 1912, à época em que cuidava da
tradução de “Oito Elegias Chinesas”, publicadas dois anos mais tarde no
jornal O Progresso, de Macau:
“Em quase vinte anos de Macau, fui-me adaptando ao meio, por um trabalho
penível, embora em parte inconsciente, que me incapacitou para ser
qualquer coisa fora daqui. São quase vinte anos de estudo, mais ou menos
assíduo, da língua chinesa, dos costumes chineses, da arte chinesa. A
língua, principalmente desde que cheguei aqui a última vez, há três anos,
tenho-a estudado brutalmente –, no furor de me absorver fosse no que
fosse, para ver se conseguia distrair-me de tantas desgraças a que não
posso dar remédio e que são a minha obsessão”.
No prefácio, Daniel Pires lamenta que se tenha
perdido a correspondência que, por certo, existiu entre Camilo Pessanha e
Wenceslau de Moraes (1854-1929). Este poeta radicou-se em 1886 em Macau,
onde desempenhou funções como oficial da Marinha, e desenvolveu uma
estreita amizade com Pessanha. Em 1896, foi para o Japão a fim de
participar do trabalho de instalação do consulado português em Hiogo e
Osaca e manteve-se naquele país até falecer.
Sua correspondência, porém, desapareceu, já
que sua casa, em Tokushima, cidade do Sul do Japão onde se havia
instalado, não resistiu aos bombardeamentos ocorridos durante a Segunda
Guerra Mundial. Já o espólio literário de Pessanha, como observa Pires,
foi vítima da incúria de seu filho e apenas uma parte dela recuperada por
Danilo Barreiros, que seria seu biógrafo, em 1931, quando dava seus
primeiros passos em Macau.
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III |
Daniel
Pires, doutor em Cultura Portuguesa pela Universidade de Lisboa,
lisboeta de nascimento e setubalense de coração,
é mais conhecido por suas pesquisas sobre Bocage (1765-1805), sua paixão
literária, o que o levou a assumir a direção do Centro de Estudos
Bocagenos, de Setúbal, além de defender tese de doutoramento a respeito da
obra do poeta, a quem considera “um transgressor”. Foi responsável pela
edição da Obra Completa de Bocage,
publicada pela Edições Caixotim, do Porto, entre 2004 e 2007.
Essa paixão pelo poeta e sua obra, porém, nunca o limitou em suas
pesquisas. Tanto que é autor de várias obras sobre Camilo Pessanha,
Wenceslau de Moraes e Raul Proença (1884-1941). Licenciado em Filologia
Germânica, já deu aulas de inglês no ensino secundário e foi professor em
Setúbal, embora possa ser encontrado com freqüência nas salas de leitura
da Biblioteca Nacional de Lisboa.
Sua
paixão pela pesquisa e seu gosto pelo conhecimento já o levaram a
trabalhar em São Tomé, Angola, Moçambique, Macau, China, Goa e Escócia. Em
Macau viveu por três anos, entre 1987 e 1990, onde atuou na Universidade
local, e, mais tarde, ensinou na Universidade de Cantão, a cerca de 120
quilômetros de Hong Kong.
É autor
de importantes trabalhos de divulgação da obra de Bocage, como o livro
Fábulas de Bocage (Setúbal,
Centro de Estudos Bocageanos, 2000) e a organização e publicação da
brochura da Exposição Biobibliográfica comemorativa dos 230 anos de
nascimento e dos 190 anos da morte de Bocage (Setúbal, Câmara Municipal de
Setúbal/Biblioteca Pública Municipal de Setúbal, 1995). Com Fernando
Marcos, preparou a edição de uma pasta com 15 belos postais (sépia) sobre
Bocage na Prisão (Setúbal, CEB,
1999).
Publicou ainda o Dicionário da
Imprensa Periódica Literária Portuguesa no Século XX (Lisboa, Editora
Grifo, 1996), constituído por três volumes.
E promete lançar em breve o
Dicionário da Imprensa de Macau, trabalho de pesquisa a que se dedicou
nos últimos anos. Colaborou no
Dicionário de História de Portugal e no
Dicionário de Fernando Pessoa, além de fazer parte da comissão que
organizou as comemorações do bicentenário da morte de Bocage, em 2005.
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CORRESPONDÊNCIA, DEDICATÓRIAS E OUTROS TEXTOS,
de Camilo Pessanha, com prefácio, organização, cronologia e notas por
Daniel Pires. Campinas: Editora Unicamp; Lisboa: Biblioteca Nacional de
Portugal, 333 págs., R$ 62,00, 2012. E-mail: vendas@editora.unicamp.br
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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