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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Um poeta brasileiro que
veio da Bielorrússia |
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QUARTA-FEIRA DE CINZAS E OUTROS POEMAS,
de Oleg Almeida. Rio de Janeiro: Sete Letras, 110 págs., 2011, R$ 29,00.
MEMÓRIAS DUM HIPERBÓREO,
de Oleg Almeida. Rio de Janeiro: Sete Letras, 75 págs., 2008, R$ 25,00.
E-mail: editora@7letras.com.br Site: www.7letras.com.br
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I |
Que seja um bielorrusso naturalizado brasileiro um dos melhores poetas do
Brasil deste século 21 é mistério que só mesmo a arte poética pode
explicar. Que em tão poucos anos de Brasil – menos de oito – tenha
encontrado tempo e disposição para conhecer a fundo a poesia praticada no
País desde a época colonial e em apenas dois livros apresentar uma
proposta poética inovadora é questão que, à primeira vista, foge à
compreensão do leitor comum. Mas foi isso mesmo o que se deu com Oleg
Almeida (1971), que lançou, em 2011,
Quarta-feira de cinzas e outros
poemas (Rio de Janeiro: Sete Letras),
laureado
em novembro de 2012 com o Prêmio Literário Bunkyo da Sociedade Brasileira
de Cultura Japonesa e de Assistência Social (São Paulo).
E não há
nenhum exagero no que se escreve aqui, pois apenas se confirma o que
Cláudio Murilo Leal expôs no prefácio que produziu para este livro. Lá
diz, sem nenhum favor ou encômio hiperbólico de encomenda, que Oleg
Almeida evitou o discursivismo enxuto, sem metaforização hiperpoética, da
chamada geração de 45 e também as reinvenções letristas da vanguarda
concretista (leia-se irmãos Campos e Décio Pignatari). Para Leal, Oleg
Almeida soube ainda livrar-se do arremedo de dicção reiterativa da
vertente metapoética de João Cabral de Melo Neto (1920-1999). E tampouco
em sua poesia nada há que o aproxime do pieguismo dos neorromânticos. Não
é pouco.
Naturalmente, Oleg Almeida não caiu do céu em solo brasileiro. Dessa
herança do passado da poesia brasileira, o poeta soube retirar um pouco de
cada fenômeno poético e de cada período para construir uma poesia que se
mostra única porque diferente do que se faz normalmente no País.
Obviamente, sem deixar de acrescentar a herança eslava que recebeu e que
vem de Alexandr Pushkin (1799-1837), o maior poeta russo de todos os
tempos e o renovador da linguagem literária russa, pois que todos que
vieram depois dele – Dostoiévski (1821-1881), Tolstoi (1828-1910),
Tchekhov (18601904), Gorki (1868-1936), Anna Akhmatova (1889-1966) e
outros tantos – foram por ele influenciados.
Quem
duvidar que leia este “Quarta-feira de cinzas”, que dá título à obra e
constitui um poema longo dividido em 13 atos que conta uma experiência bem
brasileira, que costuma atrair sempre o olhar estrangeiro: o Carnaval. Mas
o faz como uma metáfora da vida vivida, o que sobra de uma experiência, os
“resíduos da festa”. Eis o começo desse poema:
Ela dorme, rainha,
prostrada na cama de luxo,
desnuda no centro do mundo
domado por sua beleza.
São dez da manhã,
e os raios do sol estival
atravessam, discretos, o quarto,
tirando da quente penumbra
(purpúrea por terem a cor da paixão
as pudicas cortinas)
um par de sapatos – dois frágeis barquinhos
deixados à beira da praia recôndita pela maré
vazante – primeiro;
depois umas roupas que guardam ainda
um pouco de seu predileto perfume
não sei como chamam, almíscar ou âmbar,
àquela fragrância a cobrir
de gotículas quase palpáveis de néctar
o corpo em pelo (...).
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II |
Em Quarta-feira de cinzas e outros
poemas, há ainda cem “haicais urbanos”, forma
de origem japonesa, o
haiku, que desembarcou no
Brasil há cerca de um século e hoje conta com muitos praticantes e
estudiosos. Se o haicai é a arte de anotar sensações fugazes, de forma
despojada e sensível, especialmente as provocadas pela passagem do tempo,
representadas, por exemplo, nas estações do ano, os poemas de Oleg no
gênero chegam próximo da perfeição. Como neste exemplo:
Não finge nunca
ser feliz ou infeliz
o sol da tarde.
O haicai pode ser também um poema concentrado que capta em poucas palavras
a expressão de um momento:
Disse, sincero,
ao açougueiro: “Mano,
chega de sangue!”
Ou ainda, como numa fotografia que “congela” a imagem, o haicai registra o
abstrato, o segredo, o sentido:
Minhas idéias
são como os meteoros:
fulgem e somem.
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III |
Em seu livro de estreia, Memórias
dum hiperbóreo (Rio de Janeiro: Sete Letras, 2008), já há uma
ressonância do romance em versos
Eugênio Onegui, de Pushkin, como bem observou na apresentação Marco
Lucchesi. Trata-se de uma elegia que, à la Marcel Proust (1871-1922),
empreende uma busca do tempo perdido. Poeta de dois mundos, Oleg
reconstitui de maneira insinuante as duas terras em que viveu e vive, mas
de forma alegórica: de um lado a Grécia, ou seja, a Corinto mítica – não a
de hoje, em ruínas –, aquela que o apóstolo Paulo (ca.5d.C-67d.C) visitou
para levar a palavra de Cristo, e, de outro, a Finisterra, igualmente
mítica, ao Sul. Ambas podem ser lidas como a Bielorrússia e o Brasil, ou
Gômel, a cidade ele onde nasceu, e Brasília, onde vive hoje.
Isso fica mais claro quando se sabe que os hiperbóreos são um povo
lendário que, para os gregos antigos, habitavam o extremo Norte da Terra.
E quando o poeta diz:
Eu nasci muito longe daqui,
lá no norte severo,
na terra beata, dos hiperbóreos
além deste mar bravio situada,
inatingível. (...)
Ou quando recorda a casa paterna:
Na minha casa, se bem que
tivesse um só andar,
comiam-se ótimas carnes e pães excelentes,
bebiam-se vinhos de uva e maçã,
cada dia, usavam-se finas toalhas e pratos
ornamentados. (...)
Ou quando lembra o dia em que deixou a terra dos hiperbóreos e a cidade de
Gômel:
Adeus,
minha pátria bela:
cidade, onde passei a infância feliz
e da áurea juventude colhi as primícias;
casa em que moraram
três gerações de minha família;
pedras e árvores
de que nem no leito de morte me esquecerei.
Adeus, minha pátria...
Como são boas as tuas cerejas vermelhas e pretas!
(...)
Em Gômel, presenciou a “bárbara destruição da União Soviética”, como diz,
episódio de que também fala, de forma alegórica, em
Memórias dum hiperbóreo .
“Tinha de mostrar o passaporte para comprar, digamos, um quilo de açúcar”,
recorda.
O mundo em que o poeta chegou, como a uma Ítaca da qual nunca houvera
partido porque é aquela que carregamos no íntimo, o nosso aqui e agora, de
que fala o poeta Antônio Cicero em breve apresentação na contracapa deste
livro, é o Brasil (ou a Brasília feérica), o que pode ser lido
alegoricamente nestes versos finais:
Contudo Alexandria – se bem
que não seja o nome real
da metrópole onde resido – tem míseros bairros e bairros
de luxo,
palmeiras, calçadas expostas ao sol ardente,
bibliotecas em que, do papiro transcritos,
os versos homéricos avizinham os livros de auto-ajuda,
folganças e pesadelos de sobra;
contudo eu mesmo tenho emprego fixo,
televisão a cabo
e umas garrafas de vinho bastante caro na geladeira
e não me sinto, graças a Deus,
estrangeiro a ponto de abdicar ao sonho em prol da
memória. (...)
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IV |
Oleg Andréev Almeida nasceu
numa família humilde, mas culta. Estudou numa típica escola dos tempos
soviéticos, a qual tinha Homero (sec.VIII a.C), Shakespeare (1564-1616),
Cervantes (1547-1616), Tolstoi e Dostoiévski no currículo do ensino médio.
Estudou também as letras francesas numa pequena, embora
tradicional, instituição, a Escola Central das Letras Estrangeiras em
Moscou (1989-1992).
A levar-se em conta o que escreve no prólogo em versos que escreveu para
Quarta-feira de cinzas e outros
poemas, se dependesse da vontade de seus pais, teria se formado em
medicina, que “a saúde é bom negócio”, como diziam com insistência, ou dos
avós, que o queriam ver ministro
no regime soviético ou, na pior
das hipóteses, funcionário da prefeitura. Não se pode dizer que não se
tenha preparado para isso: é pós-graduado em
Gestão Financeira pela Academia da Fazenda subordinada ao Governo da
Federação Russa
(1999). E fez carreira como tradutor, analista e executivo da área
comercial.
Em Gômel, publicou poemas e artigos em periódicos e ainda em coletâneas de
poesia bielorrussa.
Trabalhou, por muito tempo, na iniciativa privada – “máxime para não
morrer de fome”, diz – e aprendeu o idioma Português por mera curiosidade,
usando dois livros (O Alienista,
de Machado de Assis, e Crônicas,
de Luís Fernando Veríssimo) e um curso de português editado nos Estados
Unidos. Imigrou para o Brasil com 34 anos de idade, em 2005.
E, desde então, mora em Brasília e trabalha como tradutor de russo.
Casou-se com uma brasileira e começou a traduzir diversos tipos de textos.
“Escrevi alguns versos que, inesperadamente, foram publicados em
antologias amadoras”, diz o poeta, que se naturalizou brasileiro em
fevereiro de 2011.
É também tradutor de obras literárias e científicas.
Traduziu do francês
O
esplim de Paris: pequenos poemas em prosa, e outros escritos, de
Charles Baudelaire (São Paulo: Martin Claret, 2010); e
Os cantos de Bilítis: romance
lírico, de Pierre Louÿs (Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2011). Verteu
para o russo Tu país está feliz,
de Antonio Miranda (Brasília: Fundo de Apoio à Cultura, 2011);
Canções
alexandrinas, de Mikhail Kuzmin (São Paulo: Arte Brasil, 2011);
Pequenas tragédias, de Alexandr
Pushkin (São Paulo, Martin Claret, 2012);
Diário do subsolo, de Fiódor
Dostoiévski (São Paulo: Martin Claret, 2012), e
O jogador: do diário de um jovem
(São Paulo: Martin Claret, 2012).
Sócio da União Brasileira de Escritores (UBE), seção de São Paulo,
colabora com as revistas eletrônicas
EisFluências e
(n.t.) – Revista Literária em
Tradução, administra o projeto
Stéphanos: Enciclopédia virtual da poesia lusófona contemporânea e
atua como agente cultural.
Participou
de 15 antologias e coletâneas de poesia
lusófona editadas no Brasil e em Portugal, inclusive da
Câmara Brasileira de Jovens Escritores, do Rio de Janeiro, e do grupo
literário Celeiro de Escritores, de Santos-SP, e de várias editoras
brasileiras.
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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