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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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A sedução totalitária |
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PODER E MORALIDADE: O TOTALITARISMO E OUTRAS EXPERIÊNCIAS ANTILIBERAIS
NA MODENIDADE,
de
José Maurício de Carvalho (organizador). São Paulo: Annablume/Universidade
Federal de São João Del Rei (UFSJ), 232 págs., 2012, R$ 40,00. E-mail:
mauricio@ufsj.edu.br Site: annablume.com.br |
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I |
Por que o século XX foi um
período tão propício a experiências totalitárias? Sabe-se que Hitler,
Mussolini, Stalin, Franco, Salazar, Vargas e outros ditadores menos
cotados ou conhecidos não chegaram ao poder e muito menos governaram
sozinhos, contando com o apoio não só de grandes homens de negócios, que
sustentaram as maiores ignomínias praticadas contra seres humanos, em
troca de interesses pessoais e, muitas vezes, mesq uinhos,
como do homem comum, o das ruas, o homem-massa, conforme o definiu o
pensador espanhol Ortega y Gasset (1883-1955).
Examinar a gênese do
pensamento totalitário e as razões que o levaram a encantar multidões
foi o que motivou a XIII Semana de Filosofia, realizada em 2010 na
Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), em Minas Gerais. São os
12 estudos apresentados durante esse seminário que estão reunidos em
Poder e Moralidade: o totalitarismo e outras experiências antiliberais
na modernidade (São Paulo, Annablume/UFSJ, 2012), com apresentação e
organização do filósofo e psicólogo José Maurício de Carvalho, professor
titular de Filosofia Contemporânea do Departamento de Filosofia da UFSJ,
doutor em Filosofia pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro.
Em poucas palavras, os
estudos revelam que o totalitarismo é adversário do homem livre, ou
seja, daquele que se percebe responsável por seu destino histórico, que
escolhe e é capaz de sustentar responsavelmente suas opções, como
assinala o professor José Maurício de Carvalho na apresentação que
escreveu para este volume. Isso não significa que nos regimes ditos
liberais não existem focos de totalitarismo, como sabe muito bem quem já
trabalhou em redações de jornais e revistas e viu de perto grandes
empresas e autoridades públicas procurarem asfixiar a liberdade de
pensamento à custa de pressões econômicas. Sem contar que a chamada
liberdade de imprensa quase sempre é a liberdade do dono do jornal de
publicar o que quiser, mas não a do empregado jornalista. |
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II |
Para o professor Selvino Antonio Malfatti, da Universidade Federal de
Santa Maria, do Rio Grande do Sul, o fenômeno totalitário é uma
experiência relativamente recente na história política do Ocidente e
constitui um desvio de rota da moralidade ocidental. Em seu estudo
“Moralidade e Política no Totalitarismo”, Malfatti diz que o fenômeno é
resultado da falência dos valores humanos e da descrença na capacidade
do homem de se organizar sozinho.
Essa é uma
ideia muito antiga e que, ao final de 1797, por exemplo, serviu para o
intendente-geral de Polícia, Diogo Inácio de Pina Manique, organizar uma
sessão da Nova Arcádia na grande sala da Real Casa Pia, no Castelo de
São Jorge, em Lisboa, em homenagem ao aniversário da D. Maria, em que o
acadêmico Manuel Bernardo de Sousa e Melo, presidente do encontro,
defendeu “a solidez interna das monarquias reais” e condenou “a fraqueza
das fórmulas republicanas”. Dirigindo-se ao príncipe regente D. João, o
acadêmico dizia que “os homens não nascem bons e, por isso, onde quer
que vão levam consigo a depravação de origem”.
Dizia
mais: “Portanto, os homens levarão consigo a depravação, a ambição, o
ódio, a sensualidade, o ciúme, a vingança; enfim, levarão as paixões,
estes ímpetos precipitados do nosso ânimo, estes monstros domésticos do
nosso coração, mais indomáveis que feras exteriores, pois, desenfreados
e livres, não respeitam outro direito que o da força nem conhecem outras
virtudes mais que as suas mesmas satisfações”. Era o que o intendente
queria que o príncipe regente ouvisse para justificar mais repressão,
como se lê em Bocage: o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial
Caminho, 2003, p. 241), deste articulista.
Muitos
anos mais tarde, do outro lado da Europa, em São Petersburgo, o morador
de um prédio que fica no cruzamento da rua Koppuznetchny com a rua
Dostoevskaia, antiga Iamskaïa, não muito distante da igreja do Ícone de
Nossa Senhora de Vladimir, escreveria que “nada de grandioso se pode
esperar do homem”, seguindo na mesma linha do acadêmico Sousa e Melo.
Esse morador chamava-se Fiodor Dostoievski (1821-1881) e ninguém como
ele retratou com tanta fidelidade a humanidade em toda a sua miséria e
degradação.
Esse
pensamento deve ter ficado na alma das gerações que os sucederam. Se o
Portugal joanino e o Portugal salazarista como a Rússia czarista e a
Rússia soviética eram países atrasados e com altos índices de
analfabetismo, a conclusão a que se poderia chegar é que constituíam
terreno fértil para a sedução do totalitarismo. Mas como explicar que a
Alemanha, já desenvolvida à época e com altos índices de alfabetização,
também se tenha deixado atrair pela insânia nazista? |
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III |
Diz o professor Malfatti que, em troca da adesão, o totalitarismo
oferece uma ideologia que se propõe a explicar toda a vida da sociedade.
“Todos devem professar a ideologia como se fosse uma fé religiosa”, diz
o professor. “O ditador, rodeado de uma pequena parcela da população,
submete o resto. Para tanto”, diz, “cria um partido, único
evidentemente, dirigido por ele à frente de fanáticos seguidores. O
passo seguinte é instaurar um sistema de terrorismo policial que invade
e vasculha toda vida pública e privada dos indivíduos. O outro passo é o
controle dos meios de comunicação para que só a ideologia oficial seja
ouvida. Tudo isso permeado por ideais salvacionistas”. E acrescenta: “Os
líderes soviéticos no período stalinista e os chefes do nazismo estavam
imbuídos de que estavam cumprindo uma missão para a humanidade”.
De fato,
durante a ditadura militar (1964-1985) no Brasil, uma parte dos
torturadores e de seus financiadores imaginava que estava colocando o
País a salvo da ameaça comunista, mas a maior parte fazia o serviço sujo
não só sadismo e mau-caratismo como para se aproveitar de vantagens
pessoais e oportunidades que se ofereciam com o saque dos despojos das
vítimas. |
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IV |
Já José Maurício de Carvalho e Vanessa da Costa Bessa, da UFSJ, em
“Totalitarismo e ética em Ortega y Gasset”, defendem que a recusa do
homem-massa em assumir a sua vida é o sangue que impulsiona os governos
totalitários que a Europa produziu no século passado. Para os autores,
as ideias de Ortega y Gasset ainda permitem entender o fenômeno, embora
o mundo de hoje seja outro e pior, pois assolado por violência urbana,
pelo crime organizado associado ao tráfico de drogas, fanatismo
religioso convertido em terrorismo e ameaças de desequilíbrio ecológico.
Seja como for, para os autores, continuamos a viver um tempo
de massas, tal como definiu Ortega y Gasset. Por isso, dizem, os riscos
de nos depararmos com novas propostas totalitárias não estão afastadas
de todo enquanto a responsabilidade com a construção do futuro não for
retomada e o medo da liberdade não for vencido. “O risco é real porque
poucas vezes na história humana os Estados Nacionais possuíram
informações e controles tão completos da vida de seus cidadãos”,
acrescentam.
Pior ainda no Brasil de hoje em que se vive uma época de
desmoralização da representação parlamentar, tal qual na Espanha
pré-franquista. E essa desmoralização se dá pelos muitos parlamentares,
que, em troca de vantagens pessoais e de grupos, acabam virando
despachantes de contraventores, facilitadores de grandes negócios à
custa do erário público – aliás, desde os tempos coloniais, o caminho
mais fácil para o enriquecimento rápido. Desmoralizado o Parlamento, o
caminho fica aberto à tentação totalitária. Eis aqui bem depositado o
ovo da serpente totalitária. |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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