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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Política com ética. É
possível? |
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I |
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Se
levarmos ao pé da letra uma assertiva do poeta, tradutor, diplomata e
pensador mexicano Octavio Paz (1914-1998), Prêmio Nobel de Literatura de
1990, segundo a qual “política
é poder e o poder é impuro”´, não há como discutir Ética e Política, pois
uma palavra seria antagônica a outra.
A partir dessa premissa, nenhum homem de bem poderia pensar em dar
passos na política, pois essa prática equivaleria a adentrar num lamaçal e
manchar a sua honra. Mas, se todos os homens de bem se afastassem com a
mão no nariz dos bastidores da política, com certeza, estaríamos
condenados a ser governados pelos piores elementos da espécie. Não foi
isso que mostrou o século XX e mostra este começo de século XXI?
No entanto, sem cair no niilismo, é possível discutir “Ética e Política no
mundo contemporâneo”, como provam os ensaios, artigos e resenhas reunidos
sob esse tema pela revista Estudos Filosóficos, do Departamento de
Filosofia e Métodos (Dfime), da Universidade Federal de São João del-Rei
(UFSJ), de Minas Gerais, em seu nº 6, de janeiro-junho de 2011.
No
estudo “Estado e Nação no pensamento de Ortega y Gasset”, por exemplo,
José Maurício de Carvalho, professor titular da UFSJ e doutor em Filosofia
pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, procura examinar o
significado do pensamento do filósofo espanhol exposto a uma época em que
a Espanha vivia numa encruzilhada que a tornava condenada a viver o terror
da direita ou o terror da esquerda.
Para Ortega y Gasset (1883-1955), se o Estado espanhol daqueles anos 30
precisava passar por uma reforma, essa não podia nascer de revoluções
violentas, como aquela que ocorrera na Rússia em 1917 ou gestava-se na
Alemanha de então a partir do ovo da serpente hitlerista. No pensamento do
filósofo espanhol, o resultado das revoluções é a revolta e ela não
provoca transformações profundas no tecido social, isto é, não compromete
os cidadãos com as modificações na sociedade, lembra Carvalho, citando
“Puntos esenciales” (1931), trabalho de Ortega y Gasset. “As mudanças
importantes na vida social necessitam do consentimento e da adesão livre
do cidadão”, dizia o filósofo espanhol. Em outras palavras, as revoluções
pouco favorecem a reorganização social, “pois transformações só são
consistentes em política quando chegam sem o uso da força e convencem
pessoas”.
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II |
No ensaio “Em diálogo com
as filosofias políticas de Hannah Arendt e Leo Strauss”, os professores
Emília Agnes Assis de Lima, da Faculdade Cenecista de Sete Lagoas-MG,
mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e
Fábio Abreu dos Passos, do Instituto Presidente Tancredo de Almeida Neves
(IPTAN), de São João del-Rei-MG, doutor em Filosofia pela UFMG, analisam
as influências que Hannah Arendt e Leo Strauss
sofreram da época em que se
formaram – ou seja, a experiência política da República de Weimar
(1919-1933), seu fracasso e a ascensão do nazismo – bem como as
respectivas voltas que empreenderam em pensamento à Grécia antiga.
Os autores
lembram que contra a ideia do senso comum de que a política é uma teia de
velhacaria, tecida a partir de interesses próprios e mesquinhos, e que a
política é apenas um meio para a conservação e fomento da vida em
sociedade, conforme o pensamento de Hannah Arendt (1906-1975), há o
paradigma da polis grega
segundo o qual a política é erigida com o intuito de preservar a memória
dos fatos e palavras daqueles que se aventuravam a adentrar o espaço
público, paradigma que, de certa forma, aproxima as filosofias de Hannah
Arent e Leo Strauss (1899-1973).
Como se sabe, a
polis grega era um espaço no
qual cada indivíduo podia manifestar aos demais ouvintes como o mundo
aparecia para ele, ou seja, podia colocar o seu ponto de vista, que podia
entrar em conflito ou em concordância com os demais, sem, contudo,
anular-se ou submeter-se. Para Arendt, a pluralidade de opiniões era a
“lei da terra”. Sem esse espaço público, não haveria possibilidade de vida
saudável.
A partir daí, os autores concluem que Arendt e Strauss radicalmente
desaprovam os fundamentos da democracia moderna e que, ambos, cada um a
seu modo, fazem da antiguidade grega e de sua experiência política no
âmago da polis um referencial
para se pensar os “tempos sombrios” e para apontar os verdadeiros
fundamentos da “dignidade política”. Ao mesmo tempo, os dois filósofos
percebem na modernidade uma manipulação e uma sujeição da opinião à
construção de ideologias, “pois se a opinião pública é manipulada, não há
filosofia política, pois é dela que nasce a filosofia política”. Ou seja,
é pela opinião que se manifesta como o mundo aparece para cada um.
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III |
Já
no ensaio “Espaço público, política e ação comunicativa a partir da
concepção habermasiana”, os professores Luiz Ademir de Oliveira, da UFSJ,
doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro (Iuperj), e Adélia Barroso Fernandes, do Centro
Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), doutoranda em Linguistíca pela
UFMG, discutem o pensamento do filósofo Jürgen Habermas (1929),
especialmente a sua teoria da ação comunicativa, de 1981, que representa
uma ruptura com o pensamento da Escola de Frankfurt, da qual o pensador
alemão era considerado um dos herdeiros.
Os professores lembram que, para Habermas, a decadência da esfera pública
está associada à consolidação do capitalismo e à emergência de grandes
conglomerados de comunicação de massa. Foi a partir da hegemonia da
burguesia que o capitalismo passou, sob o domínio das grandes empresas, a
forçar o Estado a intervir no setor privado, a favor da economia de
mercado. De fato, há poucos anos, não havia dia em que os editoriais de
grandes jornais brasileiros não defendessem um Estado cada vez menos
intervencionista, deixando que as forças do mercado agissem livremente.
Hoje, já não é assim. Cada vez mais o mercado livre tem sido substituído
por mercados oligopolizados, com a ampliação das diferenças sociais entre
proprietários e assalariados. Até mesmo a privatização que sempre foi
considerada uma panaceia contra o inchaço do Estado, hoje, na verdade,
representa mais a tomada de bens públicos por pequenos grupos privados,
tal como aconteceu na Rússia pós-soviética, ou seja, a usurpação de bens
públicos para atender a interesses privados.
De qualquer modo, essa prática não deixa de ser vista como dos males o
menor, já que o contrário é a apropriação de empresas públicas por
partidos políticos ou por lideranças oriundas do movimento sindical, com o
loteamento de cargos por pessoas desqualificadas, de baixa escolaridade,
que se enquistam nessas organizações só para promover a corrupção em
benefício próprio e de seus mentores, na maioria políticos profissionais.
Isso só poderá ser superado quando deixarem de existir os chamados “cargos
de confiança” e suas funções passarem a ser desempenhadas por
profissionais aprovados em concurso públicos acima de quaisquer suspeitas.
Com a privatização, o que se constata é que, negociada a empresa pública
com grupos privados, a partir desse processo, a corrupção desaparece,
ainda que a transferência sempre deixe um rastro de suspeitas quanto a
possíveis comissões gordas depositadas em paraísos fiscais ou na Suíça. De
qualquer modo, o consolo que fica para o cidadão de bem é que essa será
sempre a última vez que se vai ouvir falar de corrupção com dinheiro
público ao menos naquela empresa. A partir daí, o problema, se corrupção
houver, passará a ser assunto exclusivo dos novos proprietários, ou seja,
de grupos privados.
Diante disso, como bem observam os autores do ensaio, com base no
pensamento de Habermas, surge o conceito de sociedade civil como saída
para a reconstrução da solidariedade entre os grupos sociais. Composta por
movimentos e organizações livres não-estatais e não-econômicas, a
sociedade civil não quer o poder, mas tentar influenciar as instâncias do
poder e a esfera pública geral, em favor dos menos favorecidos.
Obviamente, toda organização humana é sempre susceptível à corrupção, como
mostra o envolvimento das chamadas organizações não-governamentais (ONGs)
com a corrupção do Estado, muitas delas criadas por políticos astutos
apenas com o intuito de promover o desvio de recursos previstos em
orçamentos públicos. Seja como for, como dizem os autores do ensaio, os
argumentos teóricos e conceituais de Habermas permitem mais bem
compreender “as novas configurações sociais e os embates travados entre o
mundo sistêmico e o mundo da vida”.
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IV |
Além destes três ensaios, o dossiê “Ética e
Política no mundo contemporâneo” traz mais cinco estudos que analisam não
só o crescimento da força do Estado nos últimos anos como a questão da
ação política e da constituição da esfera pública, contribuindo para uma
reflexão filosófica que procura compreender as relações humanas e os
enigmas que costumam produzir. Por tudo isso, este número 6 da revista
Estudos Filosóficos torna-se
imperdível e deveria fazer parte de toda biblioteca universitária do mundo
lusófono pública ou privada.
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ESTUDOS FILOSÓFICOS,
Revista do Departamento de Filosofia e Métodos da Universidade Federal de
São João del-Rei (UFSJ)/ Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de Minas
Gerais (Fapemig). São João del-Rei-Minas Gerais, nº 6, janeiro-junho de
2011, 332 págs. ISSN: 1982-9124. E-mail:
dfime@ufsj.edu.br
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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