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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Cartas a um jovem escritor |
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CORRESPONDÊNCIA DE MACHADO DE ASSIS,
tomo III – 1890-1900. Coordenação e orientação: Sergio Paulo Rouanet,
reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e Sílvia Eleutério.
Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2011, 658 págs., R$
50,00. |
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I |
Quem
procurar saber quem foi Carlos Magalhães de Azeredo (1872-1963) na
história da Literatura Brasileira, dificilmente, haverá de encontrar
referências mais aprofundadas. Afrânio Coutinho em Brasil e
brasileiros de hoje (Rio de Janeiro, Sul-Americana, 1961) e Raimundo
de Menezes em Dicionário Literário Brasileiro (Rio de Janeiro,
Livros Técnicos e Científicos, 1978) citam-no e no portal digital da
Academia Brasileira de Letras pode-se encontrar uma breve biografia. Foi
um dos fundadores da Casa e o acadêmico que mais tempo ocupou sua
cadeira: 66 anos.
Ainda que
tenha tido vida longa e publicado uma série de livros – pelo menos 17,
de poemas, ensaios, contos e estudos – e imaginado tantos outros que, ao
que parece, não vieram à luz, esteve, nos últimos 50 anos, completamente
esquecido. A última vez que seu nome foi citado com destaque nos jornais
foi em 2003, quando o ex-presidente Itamar Franco, então ocupando o
cargo de embaixador do Brasil em Roma, entregou à Academia Brasileira de
Letras originais do autor que encontrara entre os papeis da Embaixada.
De família
abastada, nascido no Rio de Janeiro, Azeredo fizera os primeiros estudos
no Porto, antes de retornar ao Brasil, morando em Itu, onde fez os
estudos complementares, antes de ingressar na Faculdade do Largo de São
Francisco, em São Paulo, pela qual se formou em Direito, em 1893. Dois
anos depois, ingressou na vida diplomática, tendo ocupado vários cargos
no exterior – no Uruguai, na Itália, em Cuba e na Grécia –, até que
encerrou a carreira como representante do Brasil no Vaticano em 1934.
Por um tempo, exilou-se em Paris, voltando a Roma, cidade de sua
predileção.
De estilo
caudaloso, para abrir caminho nos meios literários, valeu-se
principalmente da amizade com Machado de Assis (1839-1908), com quem
trocou cartas desde a precoce idade de 17 anos, embora o destinatário
das epístolas já tivesse a essa altura mais de 50 anos e fosse nome
consagrado nas letras. É provável que relações familiares os tenham
aproximado, pois Machado conhecera bem os pais de Azeredo, como se
percebe a partir da leitura das cartas que trocaram por 19 anos, até a
morte do autor de Dom Casmurro.
Ao
contrário do que vaticinava Machado de Assis, Azeredo, embora tenha tido
também intensa atuação da imprensa brasileira, foi sendo pouco a pouco
esquecido e, praticamente, não exerceu influência nos meios literários
brasileiros, ainda que nunca tenha deixado de praticar a política
literária, já que a sua morada em Roma transformou-se em ponto de
encontro de intelectuais em visita ao Velho Mundo. Mesmo depois de se
aposentar, continuou morando em Roma, até a sua morte. Sua poesia
manteve-se fincada nos ideais do parnasianismo, o que deve ter
contribuído para o seu esquecimento.
De valioso,
o que deixou mesmo foram as cartas que não só trocou com Machado de
Assis como com outros literatos, como Mário de Alencar (1872-1925),
filho de José de Alencar (1829-1877), outro amigo íntimo do bruxo do
Cosme Velho, que hoje fazem parte do acervo da Academia Brasileira de
Letras. Por essas cartas, o pesquisador tem acesso à boa parte da
história literária e mesmo do País, em razão das impressões que os
missivistas trocavam. Nas cartas que dirigiu a Azeredo, Machado de
Assis, tal a intimidade entre ambos, fez confidências nunca registradas
em crônicas. |
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II |
Grande parte
dessas cartas já havia sido reunida pelo pesquisador norte-americano
Carmelo Virgilio e publicada em 1969 pelo Instituto Nacional do Livro,
mas, agora, é possível encontrá-las nos três tomos de Correspondência
de Machado de Assis, especialmente no III, que abrange o período de
1890 a 1900 (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2011). A
correspondência entre os dois neste volume reúne 90 cartas e constitui
um testemunho precioso de uma época conturbada bem como do ambiente
cultural no Brasil e na Europa. E são as que oferecem maiores detalhes
da vida privada de ambos e do ambiente cultural em que viviam.
No total,
são 292 missivas, entre cartas, bilhetes e cartões, quantidade superior
a toda a correspondência publicada nos tomos anteriores (1860-1869 e
1870-1889), abrangendo 291 documentos. Como observa o acadêmico Sergio
Paulo Rouanet na apresentação, há no tomo III uma participação
desproporcional de Magalhães de Azeredo, nome que já aparecera como
responsável por três cartas no tomo II. A partir de 1892, as cartas de e
para Azeredo predominam de modo avassalador, assinala Rouanet. De fato,
até o final de 1900, são 58 cartas de Azeredo para Machado e 32 deste
para Azeredo, ou seja, 30% do total das cartas reunidas neste volume.
Pouco antes
de morrer, Machado de Assis pediu a José Veríssimo (1857-1916) que
devolvesse ao autor os originais das cartas dele recebidas. Mais tarde,
Azeredo doou esse acervo epistolar à Academia, o que explica a sua
preservação, enquanto centenas de outras acabaram por se perder ou
talvez resistam no arquivo de um ou outro colecionador ou alfarrabista.
“E eis como um escritor pouco valorizado hoje em dia chegou à
posteridade pelo mero fato de ter tido o dom de relacionar-se com o
maior escritor do Brasil”, observa Rouanet. |
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III |
Não se pode
dizer que o estilo e o vocabulário de Azeredo ficassem muito aquém das
qualidades do mestre, mas, como diz Rouanet, o que ressalta é a alta
conta em que o jovem escritor se tinha, o que contrasta com a “sábia e
calculada modéstia” de Machado. Sem contar que o jovem Azeredo fazia
incontáveis exigências e reclamações, encarregando Machado de Assis de
negociar condições com editores do Rio de Janeiro para a publicação de
suas obras. É verdade que Machado, em suas respostas, também estimulava
o ego do jovem poeta, augurando-lhe um futuro brilhante no olimpo das
letras nacionais que, aliás, nunca se deu. Além disso, está claro que a
entrada de Azeredo na Academia deu-se apenas pela força política do
padrinho.
Se as
cartas de Machado de Assis são mais sóbrias e mais burocráticas, as de
Azeredo compõem um painel variado da época, pois ele fala de tudo o que
o cerca, da política brasileira e dos países pelos quais passa ou vive
temporariamente, descendo a detalhes mundanos, talvez para dar ao mestre
uma visão mais próxima daquilo que ele conheceria apenas por ler ou
ouvir falar – até porque o mestre, quando saiu do Rio de Janeiro, o foi
por poucos dias e para passeios por lugares próximos.
Das cartas
de Machado de Assis, entre muitas confidências, ressalta a avaliação que
faz de Eça Queirós (1845-1900) em carta a Azeredo no começo de 1898, ao
dizer que começara a ler A Ilustre Casa de Ramires seguido de um
comentário elogioso, o que significa uma alteração substancial na
apreciação que fizera da obra de Eça em 1878, a propósito da publicação
de O Primo Basílio, como assinala Sílvia Eleutério numa nota de
rodapé.
Aliás, além
da exaustiva apresentação de Rouanet, que ocupa 27 páginas, vale
destacar não só o trabalho de edição e organização de Sílvia Eleutério e
Irene Moutinho como as notas explicativas que apuseram às cartas,
trabalho minucioso de pesquisa e contextualização que facilita
sobremaneira a vida do leitor deste século XXI, já tão distante de fatos
que ocorreram há mais de um século.
Não se pode
dizer que só as cartas a Azeredo tenham importância neste volume, mas
são as que merecem mais destaque, como aquelas em que Machado de Assis
reclama das vicissitudes por que passava como funcionário público ou
ainda se defende um ataque despropositado que Sílvio Romero (1851-1914)
fizera num estudo publicado em livro cujo título era o próprio nome do
romancista seguido de um subtítulo – Estudo Comparativo de Literatura.
Machado
sentiu o golpe, mas logo se consideraria refeito, com algumas respostas
que sairiam na imprensa, especialmente quatro artigos publicados no
Jornal do Commercio no começo de 1898 pela pena de um tal de Libieno,
pseudônimo que escondia o nome do advogado e político Lafaiete Rodrigues
Pereira (1934-1917), o conselheiro Lafaiete, a quem no passado o próprio
Machado havia feito alguns ataques. Foi o que motivou uma carta de
agradecimento a Lafaiete, embora a ação do advogado não fosse tão
altruísta assim, pois aproveitara a ocasião para desancar Sílvio Romero,
um velho desafeto. Para quem gosta destas questiúnculas perdidas no
tempo, este livro é especialmente saboroso. |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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