|
REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
|
|
|
|
|
Adelto Gonçalves |
|
Como entender a Rússia de hoje |
|
I |
MOSCOU – Quem
tem a cabeça no século XX e ainda pensa ideologicamente nunca vai
entender a Rússia de hoje. O poder hoje no país é exercido e disputado
por grupos políticos que defendem interesses econômicos e não estão
interessados nas velhas divisões marxistas de classe. O que esses grupos
mais querem, além de acumular altos lucros, é dinamizar a economia da
Rússia para afastar da população mais carente certa nostalgia dos tempos
soviéticos, quando, acredita-se, o país crescia mais devido à competição
com os Estados Unidos, motivada pela Guerra Fria.
Hoje, em
Moscou, o que mais preocupa as autoridades é o futuro daquela que é a
maior cidade da Europa, com mais de 10 milhões de habitantes. O prefeito
de Moscou, Sergei Sobyanin, e o governador da região de Moscou, Boris
Gromov, andam às voltas com planos que prevêem a construção de um
distrito financeiro internacional no distrito Oeste da cidade. Um desses
projetos estabelece uma expansão de 144 mil hectares de terras na
periferia de Moscou nos próximos 20 anos.
De acordo com
esse plano de expansão dos limites da cidade, que está hoje nas mesas de
Sobyanin e Gromov e do presidente Dimitri Medvedev, Moscou cresceria 2,4
vezes, cobrindo uma área de 251 mil hectares, em vez dos 107 mil atuais.
Mas, mesmo sem o plano, a cidade já cresce a um ritmo intenso, pois onde
quer que se vá vê-se prédios em construção tanto para fins residenciais
como comerciais. Até porque mais e mais gente vem se instalando em áreas
periféricas de Moscou, embora a maioria procure e encontre emprego no
centro da cidade.
Duas áreas
estão na mira dos planejadores: o distrito de Rublyovo-Arkhangeskoye, no
Oeste da cidade, o lugar favorito da nova classe média alta, e
Varshavskoye Shosse e Kievskoye Shosse, no Sudoeste. São áreas menos
povoadas. Mas Rublyovo-Arkhangeskoye aparece como o lugar mais viável
para se tornar esse centro financeiro internacional projetado para
Moscou. Segundo os planos, deverá abrigar pelo menos dois milhões de
moradores e oferecer emprego para pelo menos 10% da força trabalhadora
de Moscou.
Financiar o
projeto é o que mais preocupa as autoridades, mas, seja como for, boa
parte do financiamento deve sair dos cofres do governo. Para tanto,
pensa-se que o governo pode vender os escritórios que hoje ocupa no
centro de Moscou, nos arredores da Praça Vermelha, onde está o Kremlin,
com o objetivo de torná-los hotéis de três, quatro ou cinco estrelas.
O problema é
que, segundo os especialistas, Moscou dispõe da pior infraestrutura
entre as grandes cidades dos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e
China). De qualquer modo, a área de Rublyovo-Arkhangeskoye já oferece
conexões com o centro de Moscou, embora o metrô moscovita seja muito
antigo, se comparado, por exemplo, com o de São Paulo. É barulhento e
extremamente abafado nos dias de verão. Além disso, precisa passar por
reformas urgentes, já que, em muitas estações, as escadas rolantes não
funcionam e as sinalizações em russo transformam o turista em barata
tonta. Sem contar que, em algumas estações, as catracas são bem antigas. |
|
II |
Para se tornar uma capital turística com um centro
financeiro internacional, Moscou precisa também domar a ânsia
desenfreada por dinheiro de seus motoristas de táxi. Não há turista que
não saia do aeroporto Domododevo com má impressão dos taxistas. Este
articulista, em seu primeiro dia de Moscou, teve de pagar 500 rublos (30
reais) por uma corrida de menos de cinco minutos, que, no Brasil, não
sairia por mais de 7 reais, da estação de metrô Yugo-Zapadnaya ao Hotel
Astrus, na Leninskiy Prospect.
Pior ocorreu com um casal de franceses que se perdeu de seu
grupo de viagem e ficou um bom tempo no aeroporto Domododevo sem saber o
que fazer. Sem nenhum contato na cidade, sem reserva em hotel e sem
falar uma palavra de russo, o casal passou pela pior experiência que
Moscou pode oferecer: caiu nas mãos da máfia de taxistas.
Depois de 14 horas no aeroporto tentando obter informações,
os franceses conseguiram dormir num hotel nas proximidades do Domododevo.
Mas para levá-los do aeroporto ao hotel o taxista cobrou-lhes 5 mil
rublos (321 reais). E, quando o francês recusou-se a pagar, teve de
entrar em luta corporal com o taxista, o que lhe valeu escoriações e
arranhões nos braços. A situação dos franceses só melhorou no dia
seguinte quando eles conheceram, no balcão da Air Moldova, no aeroporto,
o jornalista Olaf Koens, que fala francês. Koens contou a triste
história do casal francês numa crônica publicada na edição de 15-18 de
julho de 2011 do The Moscow News (pág. 15).
De qualquer modo, se os franceses soubessem falar pelo menos
inglês, talvez tivessem tido melhor sorte. Tanto no aeroporto Domododevo
como nas principais estações de trem de Moscou – são nove –, há postos
de informação com atendentes que falam inglês. Basta dizer o destino a
que se pretende ir para que a atendente informe antecipadamente o valor
da viagem e chame um taxista autorizado. De preferência, deve-se pedir à
atendente que escreva num papel o valor em rublos da viagem. Depois, é
só exibi-lo ao taxista. É melhor tomar essa precaução porque pegar um
táxi na rua é correr o risco de sofrer um constrangimento igual ao que
passou o casal de franceses.
Até porque, em função de dificuldades financeiras, há muitas
pessoas que usam o próprio automóvel como táxi. E não trabalham com
taxímetro, cobrando de acordo com a cara do freguês. Em dias de calor, é
comum ver-se taxistas trabalhando muito à vontade: de bermudas e
chinelos. Muitos, inclusive, dispensam o uso do cinto de segurança. E,
ao que parece, não correm riscos de sofrer multa por isso. |
|
III |
Olhando sob uma perspectiva macro para a Rússia pós-soviética,
percebe-se que o país ainda carrega um pesado fardo histórico deixado
pelo antigo regime – burocracia, corrupção e fragilidade das
instituições, além de certa vulnerabilidade econômica. Além disso, há
quem veja na era Putin-Medvedev um retrocesso em relação às reformas
liberais empreendidas por Boris Yeltsin a partir de julho de 1991,
quando o presidente assinou a lei de privatização de moradias,
garantindo a propriedade àqueles que já moravam no mesmo apartamento
desde os anos 70.
De início,
houve uma explosão nos preços dos imóveis e muita especulação. Máfias
atuaram nesse mercado, forçando muitos moradores desfavorecidos a deixar
suas casas. Mas a situação hoje parece normalizada, ainda que os prédios
de apartamentos residenciais de áreas mais próximas ao centro Moscou,
que foram construídos dentro de áreas verdes, mostrem-se, na maioria, em
situação crítica, exibindo janelas em condições precárias. Sem contar o
espetáculo um tanto deprimente dos fios que passam de um prédio para
outro.
Na época
stalinista, os locais e prédios mais próximos do centro de Moscou eram
os de maior prestígio e mais valorizados, mas hoje já não é assim. Casas
que mais parecem pequenos castelos começaram a ser levantadas em locais
mais distantes do centro, inclusive, em áreas próximas do aeroporto
Domodedovo. |
|
IV |
Hoje, quem manda na Rússia são alguns
oligarcas-burocratas que se deram bem com as reformas de Yeltsin:
dominam os negócios privados com o beneplácito do poder público. Há cada
vez maior conexão entre a esfera dos negócios privados e a esfera
política. Em outras palavras: há uma interpenetração cada vez mais
intensa entre o capital e o Estado. Aqueles que usufruem desses
negócios, geralmente, são os proprietários dos carrões modernos que se
vêem estacionados nas avenidas do centro de Moscou. O partido Rússia
Unida (Yedinaya Rossiya), que domina o Parlamento, tem apoiado algumas
intervenções do Estado sobre a economia.
O que se discute hoje nas ruas é a iniciativa do
primeiro-ministro Vladimir Putin, que foi presidente de 2000 a 2008, de
articular a formação de um bloco de livre comércio entre Rússia, Belarus
e Cazaquistão, que muitos já começam a chamar de “mini-União Soviética”.
Desde o dia 1º de julho, já não há maiores exigências alfandegárias nas
fronteiras entre esses países: os cidadãos ainda têm de exibir seus
passaportes, mas já não pagam taxas aduaneiras para passar com
mercadorias.
Desde janeiro, trabalhadores e empresas de serviços podem
atuar indiferentemente nos três países. Mas no Cazaquistão e em Belarus
já surgiram protestos contra essa zona de livre comércio: os preços da
gasolina são diferentes nos três países e começou a haver uma entrada
excessiva de carros de segunda mão.
Há planos para a formação de uma União Econômica
Euroasiática, que poderia começar a funcionar no início de 2013. Seria,
na verdade, uma restauração do antigo espaço soviético, mas dentro de
moldes capitalistas. Não está em discussão a restauração da antiga União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mas maior inter-relação
entre as nações do antigo bloco.
O Cazaquistão, por exemplo, dispõe de três milhões de metros
cúbicos de reservas de gás, a que a Rússia poderia ter maior acesso,
desde que desse uma contrapartida, permitindo que os empresários daquele
país colocassem seus produtos no seu mercado interno. Como o país tem
crescido nos últimos anos, a popularidade de Putin continua em alta e
não será difícil que venha a suceder Medvedev na presidência. Nesse
caso, a formação desse bloco estaria assegurada. |
|
Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
|
|