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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Fontes para a história da propriedade fundiária |
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PROPRIEDADES E DISPUTAS: FONTES PARA A HISTÓRIA DO OITOCENTOS, de Márcia
Motta e Elione Guimarães (orgs.). Vinhedo-SP: Editora Horizonte;
Niterói: EDUFF, Guarapuava: Unicentro, 264 págs., 2011, R$ 39,00. E -mail:
contato@editorahorizonte.com.br
Site: www.editorahorizonte.com.br |
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I |
Uma das principais dificuldades que o estudante de História encontra é
localizar as fontes não só para começar o seu trabalho de pesquisa, mas,
antes, para preparar o seu projeto. Nessa tarefa, têm sido
imprescindíveis os trabalhos que o professor Caio Boschi, docente do
Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de
Belo Horizonte, e professor titular (aposentado) de História do Brasil
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem preparado desde
1972, quando, estimulado pelo professor português Jorge Borges de
Macedo, iniciou um meticuloso levantamento das fontes relativas à
história de Minas Gerais.
Esse estudo
exemplar que todo historiador conhece é Fontes primárias para a
história de Minas Gerais, de 1979, cuja versão mais recente,
ampliada e atualizada integra a Coleção Mineiriana da Fundação João
Pinheiro (Belo Horizonte: Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de
Minas Gerais - Fapemig, 1998). Em sua ânsia de disponibilizar acervos
documentais aos estudiosos, Boschi ainda preparou Inventário da
Coleção Casa dos Contos: livros 1700 -1891 (PUC/MG, Fapemig, 2006),
trabalho desenvolvido em colaboração com os pesquisadores Carmen Moreno
e Luciano Figueiredo, e
Brasil-Colônia nos
arquivos históricos de Portugal: roteiro sumário
(São Paulo, Editora Alameda, 2011). São livros que, invariavelmente,
estão (ou deveriam estar) à disposição do pesquisador nas bibliotecas
dos arquivos históricos do Brasil e de Portugal.
Para juntar
a esses manuais indispensáveis, a Editora Horizonte, de Vinhedo-SP, em
conjunto com a Editora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e a
Editora da Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro), acaba de
lançar Propriedades e disputas: fontes para a história do oitocentos,
de Márcia Motta, doutora em História pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e professora do Departamento de História da UFF, e
Elione Silva Guimarães, doutora em História pela UFF e pesquisadora do
Arquivo Histórico de Juiz de Fora e do Núcleo de Referência Agrária, que
organizaram o volume com seus textos e de mais de 20 autores. |
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II |
Trata-se de um guia que, acima de tudo, tem o objetivo de estimular
pesquisas sobre o universo rural brasileiro em sua relação com a
história da propriedade e dos conflitos de terras no País no século XIX,
cujos reflexos ainda estão presentes no Brasil profundo do século XXI. É
um trabalho que segue a senda aberta pela professora Maria Yedda Leite
Linhares, doutora em História Moderna e Contemporânea pela Universidade
do Brasil (1954) e professora emérita da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), figura emblemática do ensino e da pesquisa da história
brasileira, que, nos anos 80, deu início, ao lado de outros grandes
historiadores, como Ciro Flamarion Santana Cardoso e Francisco Carlos
Teixeira da Silva, a uma série de estudos sobre a questão agrária,
denunciando a excessiva concentração da terra em mãos de poucos
latifundiários, em prejuízo da grande massa de camponeses.
Como se
sabe, a concentração fundiária nunca cedeu – pelo contrário, agravou-se
ainda mais, a partir da mecanização da lavoura e da entrada de grandes
empresas no campo, que resultaram na dispensa de milhares de
trabalhadores que acabaram por engrossar as periferias das grandes
cidades, levando a violência social a níveis nunca vistos. Basta ver que
a grande massa carcerária de Brasil de hoje é formada por pessoas com
menos de 30 anos de idade, analfabetas e sem qualificação profissional,
oriundas na maioria de famílias excluídas da terra que foram atiradas às
grandes cidades.
Como
observa a professora Márcia Motta na apresentação que fez para este
livro, a concentração fundiária do País, os movimentos rurais no campo,
a manutenção e recriação da classe dominante agrária – que, aliás,
continua a exercer um dos mais poderosos lobbies no Congresso
Nacional – têm histórias que remontam ao tempo do Brasil colônia, quando
os ouvidores e demais altos funcionários régios, na maioria das vezes,
nada mais faziam do que defender os interesses daqueles que já estavam
estabelecidos, em detrimento dos que nada tinham.
Como
observa a autora, as disputas pela posse da terra no Brasil nunca foram
uma embate entre iguais – e ainda hoje são assim. “A desigualdade dos
campos de força, as chances de defenderem sua versão dos fatos
construíram uma sociedade onde alguns puderam consagrar a propriedade e
chamá-la de sua, enquanto a maioria foi privada desse direito e
identificada como invasores das terras de outrem”, diz, acrescentando
que a concentração fundiária é uma marca que parece indelével na
história brasileira. |
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III |
Levar o estudante ou mesmo o leitor curioso a conhecer as circunstâncias
que contribuíram para a formação da Nação brasileira é a que se propõem
estes textos reunidos pelas professoras Márcia Motta e Elione Guimarães.
O professor Francinaldo Alves Nunes, do Departamento de História da
Universidade Federal do Pará e doutorando em história pela UFF, por
exemplo, mostra no capítulo 2 como os autos de medição e demarcação de
terra constituem fontes incontornáveis para se estabelecer a história
agrária do País, já que eram a documentação pela qual o proprietário ou
posseiro deveria provar ser o legítimo dono das terras que ocupava, além
de definir os limites de sua propriedade.
Hoje, esses
documentos são encontrados nos arquivos públicos e dos institutos de
regularização fundiária. Mas, como observa Nunes, é preciso cuidado ao
analisá-los porque, em muitas regiões, esses documentos foram alvo de
falsificadores e, em outros casos, extraviados de maneira proposital, o
que leva as instituições que têm sua guarda a dificultar o acesso,
principalmente autorizar a reprodução de cópia dessa documentação.
Já o
professor Francisco Eduardo Pinto, doutor em História pela UFF, no
capítulo 3, ao tratar das cartas de sesmaria, observa que a legislação
acerca da posse da terra pouco evoluiu no Brasil, no hiato de 28 anos
entre a abolição das sesmarias, em 1822, e a promulgação da Lei das
Terras, em 1850, período em que prevaleceram nas contendas judiciais as
Ordenações Filipinas, da época da União Ibérica (1580-1640). |
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IV |
Cláudia
dos Santos, doutora em História pela Universidade Sorbonne-Paris IV e
professora da Universidade do Rio de Janeiro (UniRio), ao destacar os
periódicos do século XIX como fontes da “questão fundiária”, ressalta
que ainda não existem trabalhos que tenham se dedicado a identificar na
imprensa desse período discussões políticas sobre a estrutura fundiária.
E observa que esse trabalho pode começar a partir do projeto pioneiro de
José Bonifácio de Andrada e Silva que previa a formação de pequenas
propriedades como forma de operar a modernização do Brasil.
É de
lembrar que José Bonifácio via nos grandes proprietários rurais de sua
época um grande obstáculo para a modernização do País, mas, ressalte-se,
como rebento de uma família poderosa, ele mesmo nunca deixou de se valer
da influência política que seu clã exercia. Eis aqui um tema polêmico à
espera de um grande pesquisador.
Lembre-se
ainda, por exemplo, que seu irmão, o juiz de fora Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada Machado e Silva, nomeado ouvidor da comarca de São Paulo, em
1811, não pôde assumir o cargo porque foi denunciado como mandante de um
crime na vila de Santos. A devassa não o incriminou, o que levou a
viúva, mulher de posses, a considerá-la um jogo de cartas marcadas. O
crime nunca foi esclarecido, mas a acusação não o impediu de desempenhar
as funções de ouvidor da comarca de Olinda, na capitania de Pernambuco,
a partir de 1815, onde no começo de 1817 iria aderir a uma sedição
contra o regime de D. João.
Que não
tenha sido executado – e sobrevivido às más condições da prisão na Bahia
– para, em 1821, sair da cadeia e, logo depois, ser nomeado
representante da província de São Paulo nas Cortes em Lisboa é
explicação que só pode residir no poder econômico de sua família e na
influência política de seu irmão José Bonifácio.
Como se vê,
o Brasil sempre foi assim: os que têm poder, influência política e
dinheiro sempre ficaram acima da lei e dos demais. São os que mandam –
os demais obedecem, quando têm juízo. Quem duvidar que consulte as
fontes arroladas neste livro, que incluem ainda contratos de hipoteca,
escrituras públicas, inventários e partilhas, testamentos, registros
paroquiais de terras, Juízo dos Feitos da Coroa e Fazenda, ação de
esbulho, ação ordinária e sumária, libelo cível, documentos fiscais das
câmaras municipais e outras.
Portanto, a
partir de agora, para se escrever a história agrária e fundiária do
Brasil, torna-se fundamental uma consulta a este livro. |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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