I
Se não têm a transcendência
inata da obra-prima que carregam os textos de Machado de Assis
(1839-1908), aos contos de Arthur Azevedo (1855-1908) ao menos não se
pode acusá-los de terem envelhecido. É o que pode muito bem constatar
quem se dispuser a ler Contos de Arthur Azevedo: os “efêmeros” e
inéditos (Rio de Janeiro, Editora PUC-Rio/Edições Loyola, 2009), com
organização, introdução e notas do pesquisador e professor Mauro Rosso.
Graças ao trabalho de
garimpagem de Rosso, o leitor terá logo a surpresa de encontrar um texto
inédito, o conto “A viúva”, que Arthur Azevedo enviou ao Correio da
Manhã, onde escrevia aos domingos, para concorrer à vaga aberta por si
mesmo, devido à decisão da direção do jornal de substituí-lo por outro
colaborador. Assinado por pseudônimo, o conto foi publicado. Então,
Arthur Azevedo revelou o estratagema à direção, deixando claro que
interesses subalternos ou julgamentos equivocados estavam por trás da
decisão de defenestrá-lo da redação. Diante disso, Arthur Azevedo pediu
demissão, pois agora quem não queria mais escrever no periódico era ele.
Embora injustamente esquecido
nos dias de hoje, Arthur Azevedo é um dos melhores e mais profícuos
contistas da literatura brasileira de todos os tempos, como observa
Mauro Rosso, lembrando que “nenhum outro o sobrepujou na arte de fixar o
aspecto ridículo da vida íntima da sociedade de então, principalmente a
de certos círculos da classe média do Rio de Janeiro”.
Ao seu tempo, o panorama
literário era dominado por nomes como Machado de Assis, Coelho Neto
(1864-1934), Raul Pompéia (1863-1895) e seu irmão Aluísio Azevedo
(1857-1913), mas quem gozava mesmo de popularidade era Arthur Azevedo. É
provável que seus contos tenham sido até mais lidos que os de Machado de
Assis.
II
Embora tenha sido considerado
depois de sua morte um autor menor, superficial, fútil e vulgar, esse é
julgamento que não se justifica e que pode estar ligado à antipatia que
colhera entre seus contemporâneos, talvez por ter sido um florianista
intransigente, que via no marechal Floriano Peixoto (1839-1895), apesar
de seu autoritarismo e despotismo, a preservação do ideário republicano
que havia nascido das casernas. Um deles teria sido Ubaldino do Amaral
(1842-1920), advogado, jurista, senador e literato de certo renome ao
seu tempo. Cronista, teatrólogo e poeta, Arthur Azevedo sempre foi homem
de opinião formada e, por isso, teve alguns problemas com a censura
policial da época, que lhe vetou algumas peças.
Antiescravagista de primeira
hora, publicou muitos artigos e crônicas defendendo o fim do iníquo
regime que envergonhava o Brasil diante do mundo civilizado. E uma de
suas peças “A família Salazar”, escrita seis anos antes da abolição de
escravatura, foi vetada pela censura imperial.
III
De um lado, este livro
reproduz integralmente a edição original da obra Arthur Azevedo: contos
efêmeros (Rio de Janeiro, Typographia C.R.C., 1897), de outro traz
contos publicados originalmente em periódicos, recolhidos e reproduzidos
por Mauro Rosso a partir de suas fontes primárias indicadas em cada um
dos textos.
Além de uma breve cronologia
da vida e obra do autor, a obra traz notas que muito ajudam o leitor a
contextualizar fatos e localizar logradouros que hoje não mais existem
ou que tenham tido seus nomes trocados. Se há algum reparo a fazer nesta
edição primorosa é um cochilo que se constata na primeira nota para o
conto “A dívida” e que se refere à rua de São José, que é tomada pela
famosa via carioca na Esplanada do Castelo, quando pelo texto se vê que
o autor se refere à rua de São José em São Paulo, onde viviam num quarto
alugado Montenegro e Veloso, os personagens principais, ao tempo em que
cursavam a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Nos contos de Arthur Azevedo,
como bem observa Mauro Rosso, a mulher, protagonista marcante, é
desenhada ora com traços carinhosos e afáveis, ora desprovida de
escrúpulos, capaz de qualquer coisa para satisfazer seus desejos fúteis,
como aquela personagem de “O Tinoco” que, embora casada, apaixona-se por
um toureiro e vive a imaginá-lo em seus braços a ponto de confundi-lo
com um ocasional passageiro de bonde, descobrindo o logro só depois de
ir com ele a um hotel suspeito.
É verdade que não se pode
acusar Arthur Azevedo de machista ou outro adjetivo que acabaria por nos
levar ao anacronismo, ao julgar-se com os olhos de hoje uma sociedade
que já não existe, até porque o autor trata da infidelidade e o
adultério de maneira igualitária entre homens e mulheres. Em todos os
casos, o que se sobressai é o ridículo da situação.
Se até hoje Arthur Azevedo não
tem recebido o justo reconhecimento que sua ficção mereceria, é de
imaginar que a partir deste trabalho de arqueologia literária de Mauro
Rosso sua importância seja finalmente resgatada. E que os autores de
antologias dos melhores contos brasileiros de todos os tempos não se
limitem a reproduzir conceitos que foram elaborados há muito e que
acabam consagrados porque quase ninguém vai conferir nas fontes
primárias o real valor de certos escritores. Foi o que fez Mauro Rosso
que, dessa maneira, ajuda a Literatura Brasileira a redescobrir um de
seus grandes autores que estava submerso, vítima da incompreensão de
alguns críticos.
IV
Pesquisador, ensaísta e
escritor, Mauro Rosso é autor de Uma proposta para a prática pedagógica
(2002); São Paulo, a cidade literária (2004), Cinco minutos e A
Viuvinha, de José de Alencar: edição comentada (2005). Colaborou em
Machado de Assis e a economia (organização de Gustavo Franco, 2007) e
preparou a antologia Machado de Assis e a política: crônicas (Senado
Federal).
Pelas editoras PUC-Rio/Edições
Loyola, publicou em 2008 Contos de Machado de Assis: relicários e
raisonnés e prepara para publicação os seguintes textos: Escritos
poéticos de Euclides da Cunha; Os contos argelinos e outros textos
recuperados de Lima Barreto; Queda que as mulheres têm para os tolos:
Machado de Assis, o subterfúgio, o feminino, a transcendência literária;
e Gazeta de Holanda: os versiprosa de Machado de Assis. |