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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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Adelto Gonçalves |
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Para além do texto literário |
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ESTUDOS DE LITERATURA BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA: LITERATURA E OUTRAS LINGUAGENS, publicação semestral do
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, da
Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB), nº 37,
janeiro/julho de 2011/ Vinhedo-SP: Editora Horizonte, 224 págs., R$
36,00. E-mail:
contato@editorahorizonte.com.br Website: www.editorahorizonte.com.br |
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I |
A revista Estudos de Literatura Brasileira
Contemporânea, do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira
Contemporânea, da Pós-Graduação em Literatura da Universidade de
Brasília (UnB), em seu número 37, de janeiro a julho de 2011, traz um
dossiê de 11 ensaios sobre Literaturas e outras linguagens, além de três
artigos que discutem obras do poeta Ricardo Domeneck e dos romancistas
Mário Sabino e Clarice Lispector (1920-1977) e a resenha de Fisiologia
da solidão (plaquete) e do livro Artes plásticas, de Ricardo
Lísias, assinada por Victor da Rosa, mestre em Teoria da Literatura pela
Universidade Federal de Santa Catarina.
Escritos por estudiosos de várias universidades
brasileiras e também de Portugal, Estados Unidos e França, estes ensaios
tem a uni-los a preocupação não só com a linguagem escrita, mas também
com a visual, já que alguns deles abordam as ligações entre literatura,
cinema, fotomontagens e quadrinhos (novela gráfica). É o que faz, por
exemplo, Vera Lúcia Follain de Figueiredo, professora da Pontifícia
Universidade Católica (PUC), do Rio de Janeiro, em "Literatura e cinema:
interseções", ao mostrar como a expansão dos meios audiovisuais tem
provocado alterações nas pautas de produção, consumo e valoração das
obras literárias.
Já Pedro Galas Araújo, jornalista e mestrando em
Literatura na UnB, em "Memórias fraturadas: passado, identidades e
imaginação em Borges e Mutarelli", lembra que as últimas décadas do
século XX foram marcadas pelo que Andreas Huyssen, professor de Alemão e
de Literatura Comparada
na Universidade de Columbia, em Nova York, chamou de "cultura da
memória", ou seja, "uma valorização do passado como elemento que dá
coerência a nossa própria experiência, em oposição a um presente
fraturado em instantes, que não nos oferece nenhum vislumbre de um
futuro promissor".
Galas Araújo procura discutir essa questão a partir
dos contos "O outro" e "Funes, o memorioso", de Jorge Luis Borges
(1899-1986), e da narrativa em quadrinhos A caixa de areia ou eu era
dois em meu quintal, do desenhista Lourenço Mutarelli. Em "O outro",
Borges narra o encontro entre ele mesmo, já velho, e sua versão mais
jovem, estabelecendo o conflito entre o que planejou ser e o que lembra
ter sido. Já Mutarelli faz aparecer na caixa do gato os brinquedos da
infância, enterrados e perdidos quando ele era ainda criança, já há
quase 40 anos, fato que passa a atuar como elemento catalisador de uma
crise de identidade.
Galas Araújo questiona: "Em que medida eu posso falar
de meu passado, se
não me lembro de tudo e não me reconheço no que me lembro?" E observa
que as duas narrativas trabalham sobre os desvãos de memória, discutindo
em que medida a identidade do indivíduo se sustenta na lembrança para se
projetar para o futuro, mas, ao mesmo tempo, problematizam essa memória
como depositário de certezas. |
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II |
Na mesma linha que procura vincular a mensagem
escrita com a visual, José Leonardo Tonus, professor de Literatura
Brasileira da Université de Paris-Sorbonne, na França, em "A Babel
suspeita de Nelson de Oliveira", traça um paralelo entre as
fotomontagens realizadas pela artista plástica Tereza Yamashita e as
narrativas da antologia Babel Babilônia, de Nelson de Oliveira,
publicada em 2007. Para o ensaísta, a presença das fotomontagens no
livro sugere um enredo iconográfico que, ao lado dos dispositivos
paratextuais e do conjunto de 22 narrativas, apóia uma reflexão sobre a
crise de valores que atravessa a sociedade atual.
Exemplo disso é a narrativa "Olho mágico: cidade dos
sonhos" em que um narrador relata as conseqüências nefastas da
construção de um edifício numa cidade pequena do interior de São Paulo.
"Falo de São Paulo, paraíso e pesadelo. Falo dos bairros sujos de São
Paulo, das ruas violentas de São Paulo, do céu esfumaçado de São Paulo.
Pra ele e pra ela é como se falasse da cidade futura, da invasão do lixo
e da miséria, de viadutos rachados e vagabundos de outro planeta
tentando contato via rádio de pilha - estática, grupo de pagode, as
putas da General Osório sintonizadas nas altas do dólar (...). Falo da
cidade que se aproxima erguendo altas colunas de poeira, fazendo chover
óleo diesel, monóxido de carbono e ácido clorídico nas plantações de
soja e cana-de-açúcar", diz o narrador. Em sintonia com o texto de
Oliveira, as fotomontagens de Tereza Yamashita mostram o "mundo em
ruínas" das grandes cidades. |
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III |
Por seu lado, Idelber Avelar, professor titular de
Literaturas Latino-americanas na Tulane University, em New Orleans,
Estados Unidos, no ensaio "Entre o violoncelo e o cavaquinho: música e
sujeito popular em Machado de Assis", aponta um ponto na obra de Machado
de Assis (1839-1908) que nem mesmo leitores especializados costumam
pensar, ou seja, que na obra do escritor encontramos a primeira reflexão
sobre a onipresença social da música popular no Brasil.
Afinal, como observa, a produção machadiana apresenta uma série de
personagens ligados com a criação ou a execução de música, desde o
artista protegido pela Igreja, como Mestre Romão, o regente e fracassado
compositor do conto "Cantigas de Esponsais", o criador já inserido na
profissionalização da emergente cultura de massas, ainda que desconforme
com ela, como Pestana, o bem-sucedido autor de polcas do conto "Um homem
célebre", até o músico dividido entre a rabeca e o violoncelo, como
Inácio no conto "O machete", passando pelo pobre que faz de sua
habilidade musical um passaporte para entrar e ser aceito em círculos de
classe média, como Barbosa, o artista popular de "O machete".
Avelar destaca também que Machado de Assis, como
outros criadores de sua época, já viviam a angústia de, por um lado,
"sujar as mãos" nos jornais, onde ganhavam o pão, e, por outro, escrever
o verso imortal e eterno, possibilitado pela suja escrita semanal por
encomenda. E lembra um verso famoso do cubano José Martí (1853-1895),
contemporâneo de Machado de Assis, que dizia: Ganado tengo el pan/hágase
el verso, observando que, por esses versos, já se vislumbra a oposição
que angustiava os escritores semiprofissionais do século XIX.
(Se se permite um acréscimo, é de lembrar que Camilo
Castelo Branco (1825-1890), contemporâneo de ambos, viveu exclusivamente
dos cobres que conseguia com as colaborações que escrevia para os
jornais do Porto, ainda que tivesse de se sujeitar aos ditames da moda,
em prejuízo de seu talento. Já nos dias de hoje, mais de um século
depois, nenhum escritor pode viver - ou, ao menos, reforçar o orçamento
mensal - de crônicas ou artigos e muitos menos de folhetins (que já não
existem) para jornais e revistas simplesmente porque essas publicações
já não pagam nada. Os jornais de grande circulação, que ainda poderiam
se dar a essa prática salutar, inclusive, costumam preencher suas
páginas de editoriais e comentários com artigos preparados por luminares
da universidade, que já se dão por satisfeitos com o brilho dos seus
nomes impressos).
Como bem observa Avelar, são constantes,
principalmente nos textos de Machado de Assis publicados em jornais como
A Semana e o Diário do Rio de Janeiro, as referências ao mundo da música
em vias de globalização e em processo de profissionalização,
contrastando com o mundo ainda amadorístico da cultura letrada em que o
poeta ou o intelectual de uma forma geral tinha de ganhar a vida
geralmente como funcionário público, como no caso do escritor carioca e
de outros tantos. De fato, as duas décadas em que Machado se consolida
como cronista, ou seja, entre 1860 e 1880, "coincidem com o período de
transição entre a polca abrasileirada e a emergência maldita, reprimida
e libertadora do maxixe".
Por aqui se tem uma amostra da excelente qualidade
dos ensaios que compõem este número 37 da revista Estudos de Literatura
Brasileira Contemporânea. Com certeza, não perderá viagem nem tempo quem
se dispuser a lê-lo. |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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