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Revista TriploV
de
Artes, Religiões e Ciências |
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Adelto Gonçalves |
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Retrato de Machado de Assis quando
jovem |
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A
JUVENTUDE DE MACHADO DE ASSIS: 1839-1870: ENSAIO DE BIOGRAFIA
INTELECTUAL,
de Jean-Michel Massa; prólogo de Antonio Candido;
posfácio de Paulo Rónai; tradução de Marco Aurélio de Moura Matos. 2ª
ed. revista. São Paulo: Editora Unesp, 583 págs., 2009, R$ 70,00.
E-mail:
feu@editora.unesp.br
Site: www.editoraunesp.com.br |
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I |
Depois de quase quatro décadas, A juventude de Machado de Assis
(1839-1870): ensaio de biografia intelectual (La jeunesse de
Machado de Assis (1839-1870: essai de biographie intellectuelle), do
professor Jean-Michel Massa (1930), finalmente, ganhou uma segunda
edição revista, em publicação da Editora Unesp (Universidade Estadual
Paulista), de São Paulo. Que tenha sido necessário esperar tanto tempo
por isso é apenas um reflexo do descaso com que as tarefas que realmente
contam para a cultura brasileira são ainda tratadas num jovem país que
parece condenado a nunca ter o devido respeito por seu passado.
Um descaso –
para dizer o mínimo – que talvez explique por que o professor Massa não
se atirou à ingente missão de escrever o que seria a segunda parte deste
livro – os anos de maturidade do maior escritor brasileiro (1871-1908)
que, provavelmente, resultariam em vários volumes, tal a superabundância
de materiais referentes à atividade de Machado de Assis (1839-1908).
Tivesse sido
este um país mais maduro nas últimas décadas, certamente, por meio de
suas instituições mais veneráveis, teria encontrando uma maneira de
oferecer ao professor Massa as condições e a infra-estrutura necessária
para que se atirasse à aventura de desbravar em arquivos públicos e
particulares coleções, não raro incompletas e fragmentadas, que possam
ainda guardar rastros de um trabalho intelectual que durou mais de meio
século. Como nada disso se deu, corre-se ainda o risco de que muitos
desses papéis esquecidos tenham sofrido a irreparável ação corrosiva do
tempo, ficando irremediavelmente perdidos.
Publicada em
1971 pela Editora Civilização Brasileira, do Rio de Janeiro, e desde
então considerada um clássico dos estudos machadianos, esta obra é
resultado de uma tese de doutorado que o professor Massa apresentou em
1969 à Faculdade de Letras da Universidade Rennes, de Haute Bretagne, e
incluía uma segunda parte (tese complementar), que é o ensaio Machado
de Assis tradutor, publicado em 2008 pela Editora Crisálida, de Belo
Horizonte, acrescido de um apêndice em que o pesquisador transcreveu e
anotou duas traduções inéditas de Machado de Assis: “Os burgueses de
Paris” e “Tributos da mocidade”. Juntamente com uma terceira peça
traduzida, “Forca por forca”, esses textos formam o corpo do livro
Três peças francesas traduzidas por Machado de Assis, lançado também
em meados de 2009 também pela Crisálida. |
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II |
Massa estudou
profundamente, em viagens seguidas ao Brasil, jornais e revistas que
publicaram colaborações da época dos anos verdes do escritor brasileiro,
além de exumar autores secundários – hoje, praticamente, esquecidos –
para recompor a paisagem literária do Rio de Janeiro e de São Paulo,
quando o autor não tinha ainda adquirido grande notoriedade nos meios
cultos.
Na primeira
parte da obra, o biógrafo procura reconstituir – não sem muitas
dificuldades – as árvores genealógicas do escritor, o que lhe exigiu,
inclusive, viagens aos Açores para levantar a procedência do lado
materno de Machado de Assis. E concluir que toda a família materna do
escritor – procedente da ilha de São Miguel – era de tez tão clara
quanto a dos Assis escura. “Eram pessoas simples, pobres, talvez
bastante pobres mesmo, como se era pobre então nessa terra de emigração.
Eram, sem dúvida, iletrados, como a maioria das pessoas do conhecimento
deles”, diz.
Já o lado
paterno descendia de escravos nascidos no Morro do Livramento. O pai de
Machado de Assis, Francisco José, sabia ler e escrever e interessava-se
por adquirir mais conhecimentos, como prova o fato de ter assinado o
Almanaque Laemmert, em 1846-47, diz Massa. A respeito da mãe do
escritor, Maria Leopoldina, o professor contesta Gondim da Fonseca
(1899-1977), que teria exagerado bastante a sua cultura e influência
sobre o filho, lembrando que quase todos os açorianos que emigraram para
o Brasil eram analfabetos. Se serve para alguma coisa, este articulista
pode acrescentar que, pelo lado materno, é descendente de açorianos da
ilha de São Miguel que emigraram para o porto de Santos já no começo da
segunda metade do século XIX – e todos eram analfabetos. Seus
descendentes diretos seguiriam analfabetos ou semialfabetizados.
Ao
reconstituir a infância de Machado de Assis, Massa contesta ainda Lúcia
Miguel Pereira (1901-1959) e outros biógrafos que repetiram a sua
afirmação segundo a qual o escritor teria sido gago e epiléptico. “Nada
disso aparece por meio de nossos cotejos e pesquisas”, garante. Segundo
o biógrafo, Machado de Assis, que ficou órfão aos 10 anos, viveu até
então numa chácara do Morro do Livramento em meio a agregados de uma
família de proprietários, como era comum na sociedade patriarcal. “Não
sofreu fome, e foi querido durante os primeiros anos por uma madrinha
idosa”, diz Massa, para quem o escritor recebeu da sociedade patriarcal
“mais benefícios do que motivos de amargura”. |
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III
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Massa destaca a
importância de Francisco Gonçalves Braga (1836-1860), nascido em Braga,
Norte de Portugal, e chegado ao Rio de Janeiro em 1854. Foi quem dirigiu
os primeiros passos da carreira literária de Machado de Assis, levando-o
a publicar seus poemas na revista Marmota, de Francisco de Paula
Brito (1809-1861), igualmente afrodescendente. Segundo Massa, além de
Braga, outros poetas influenciaram Machado de Assis – geralmente, poetas
medíocres que a história literária pouco preservou cujos textos, hoje,
são difíceis de localizar porque certas revistas já não podem ser
encontradas, em razão da precariedade dos acervos de nossas principais
bibliotecas.
A entrada
definitiva de Machado de Assis na literatura brasileira como prosador
Massa localiza em 1858, com a publicação de obras que viriam a anunciar
o contista, o jornalista e o crítico que ele viria a ser. Aos 18 anos e
meio, publicou na Marmota o seu primeiro conto, “Três tesouros
perdidos”. Meses depois, participou de uma polêmica literária pela
imprensa e, antes de completar 19 anos, sempre na revista de Paula
Brito, deu à luz um texto sobre questões essenciais da literatura
brasileira.
Por essa
época, Massa ressalta a influência que teve sobre Machado de Assis a sua
fugaz amizade com Charles Ribeyrolles (1812-1860), jornalista e político
francês exilado por Napoleão III, chegado ao Brasil em 1858, que
registrou suas impressões do país no livro Brésil pittoresque,
publicado à época em fascículos. Sem contar a leitura do publicista
francês Eugène Pelletan (1813-1884) e de Victor Hugo (1802-1885).
Como procurou
escrever o que definiu como uma “biografia intelectual, espiritual e
histórica”, Massa utilizou-se de referências precisas e preciosas que
levantou em suas vastas pesquisas, como amizades próximas, a atividade
política e os amores do jovem Machado de Assis, como o possível
envolvimento ou apenas a admiração por uma atriz de teatro, a italiana
Anneta Casaloni e, principalmente, seu casamento com a portuguesa
Carolina Augusta Xavier de Novais (1835-1904), irmã de seu amigo e poeta
portuense Faustino Xavier de Novais (1820-1869).
De ressaltar é
ainda que Massa estabelece com precisão a entrada de Machado de Assis
para o Diário do Rio de Janeiro, no início de 1860, que marca o
início de sua atuação profissional como jornalista. Até então, sua
colaboração nos jornais e revistas fora gratuita. Nesse jornal, a
atuação do Machado jornalista seria radical, jacobina, guiado mais pelo
idealismo, imagem bem diferente da que ficou do escritor quando maduro.
Até que
contrariou os interesses do diretor do jornal, Joaquim Saldanha Marinho
(1816-1895), e seu grupo político. Não se sabe exatamente o que se
passou, mas a verdade é que, a partir do começo de 1862, o jornalista se
mostra decepcionado com a política. E passa a optar por temas mais
literários. É verdade que o Brasil pode ter perdido um grande político,
mas, com certeza, a literatura brasileira saiu ganhando.
O ano de 1864
marca a estréia formal de Machado de Assis como escritor com a
publicação pelo editor B.L.Garnier de Crisálidas, coletânea de
poemas, já que suas obras precedentemente impressas por Paula Brito e
pelo Diário do Rio de Janeiro devem ter sido editadas
graciosamente, sem contrato de direitos autorais. À falta de
documentação precisa, Massa procurou estabelecer os passos do escritor
por suas crônicas no Diário: no início de 1867, ele prefere
desvincular-se do jornal para optar por um cargo de funcionário do
Estado, que, por mais modesto que fosse, provavelmente, seria mais
seguro do que a de redator de jornal. No funcionalismo, porém, ainda
encontraria tempo para continuar a colaborar com seus contos no
Jornal das Famílias, o que fazia desde 1863. Nessa publicação,
aliás, há ainda nove contos, assinados com pseudônimos diversos, que têm
sido atribuídos a Machado de Assis, mas cujo estabelecimento de autoria,
segundo o pesquisador, não é pacífico.
O livro de
Massa vai até 1870, época em que Machado de Assis já estava casado com
Carolina desde 12 de novembro de 1869 e morando na rua dos Andradas,
119, perto do Morro do Livramento. Se tivesse recebido por parte da
intelectualidade e das instituições brasileiras – fosse o Brasil um país
mais maduro –, com certeza, Massa teria reconstituído a etapa final – e
mais importante da atividade literária de Machado de Assis.
Na conclusão,
o biógrafo adverte que os brasileiros da segunda metade do século XX
deveriam lutar com rapidez contra os cupins, preservando jornais e
revistas que ainda restam nos arquivos públicos e privados, embora tenha
sido explícito ao garantir que já perdera a esperança de encontrar
vários textos de Machado de Assis, notadamente aqueles publicados em
revistas de vida efêmera nas quais costuma se exprimir a vida literária.
Como já estamos ao final da primeira década do século XXI, há motivos de
sobra para se suspeitar de que a advertência do professor não serviu
para muita coisa. Infelizmente. |
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IV |
Massa, ao lado de Raymundo
de Magalhães Júnior (1907-1981) e José Galante de Sousa (1913-1986),
forma a tríade dos principais pesquisadores dos textos de Machado de
Assis. Professor emérito de primeira classe de Línguas e Culturas
Estrangeiras e Regionais da Universidade Rennes 2, organizou
Dispersos de Machado de Assis (1965) e Bibliographie descriptive,
analytique et critique de Machado de Assis -- 1957-1958 (1965), além
de ter escrito numerosos artigos e ensaios sobre a obra machadiana, com
destaque para “La bibliothèque de Machado de Assis” em que identifica
718 dos livros pertencentes à biblioteca do escritor carioca.
É também autor
de estudos sobre Manuel Antônio de Almeida (1831-1861), José de Alencar
(1829-1877) e outros autores do século XIX brasileiro, além de ter
traduzido (edição bilíngüe) A reunião, de Carlos Drummond de
Andrade (1902-1987). Em 1986, recebeu a Medalha Machado de Assis da
Academia Brasileira de Letras.
Com sua mulher Françoise Massa, organizou
o Dictionnaire Encyclopédique et Bilingue Portugais-Français des
particularités de la langue portugaise, do qual já saíram três
volumes (vol. I: Guiné-Bissau; vol.II: São Tomé e Príncipe; e vol. III:
Cabo Verde), que constituem dicionários da língua portuguesa escrita na
África, já que, para Massa, o português nesses países é de escritores,
jornalistas, alunos e funcionários públicos. Para o estudioso, aliás,
não se pode falar em português falado na África, até porque a imensa
maioria dos habitantes das nações que fazem parte da Comunidade de
Países de Língua Portuguesa (CPLP) não falam o português. São lusógrafos
e não lusofalantes, como observa Massa, criador do conceito de
lusografia.
Françoise e Jean-Michel Massa são também
responsáveis pela direção científica da coleção Patrimônio Lusógrafo
Africano (Patrimoine Lusographe Africain), da Universidade Rennes, que
publicou relatos e testemunhos de viagens, volumes difíceis de se
encontrar ou esgotados, bem como alguns textos inéditos, que foram
localizados durante as pesquisas realizadas para a produção do
Dictionnaire Encyclopédique et Bilingue Portugais-Français des
particularités de la langue portugaise.
A coleção foi
aberta com a
publicação em 2004 de um manuscrito sobre Cabo Verde (texto inédito),
Relation journalière, relato de duas escalas em São Vicente e
Santiago e do início da uma viagem ao Brasil em 1699, acrescido de
outros textos sobre Cabo Verde: o de Challes (1690), Froger (1695),
Duguay-Trouin (1711) e Frézie (1717). É de lembrar que René
Duguay-Trouin (1673-1736) foi o comandante da segunda invasão francesa
ao Rio de Janeiro em 1711.
A segunda obra
da coleção é a tese de medicina do primeiro médico-caboverdiano, Júlio
José Dias (1805-1873), Essai sur la lithotritie, apresentada à
Sorbonne em 1830. O terceiro volume da série é o primeiro guia turístico
e comercial de Cabo Verde e primeiro guia sobre a África (1851). É uma
edição em três línguas feita a partir da versão original redigida em
inglês por John Rendall (1795-1854), cônsul inglês, com informações
sobre a vida cotidiana, as potencialidades dos lugares, a navegação, os
preços, questões sanitárias do arquipélago, que eram destinadas
especialmente aos negociantes. Os dois livros também saíram à luz em
2004. |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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