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ADELTO GONÇALVES.......... |
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O ensino da Retórica |
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MANUAL DE RETÓRICA & DIREITO,
de Maria Luísa Malato e Paulo Ferreira da Cunha. Lisboa: Quid Juris
Sociedade Editora, 350 págs., 22,50 euros, 2007. E-mail: geral@quidjuris.pt.
Site: www.quidjuris.pt |
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I |
Ao contrário de outras línguas europeias, o idioma português é cada vez
mais mal falado (e mal escrito). E não só no Brasil, como comumente se
pensa nas camadas mais cultas. Também em Portugal não são poucos aqueles
que se queixam da falta de rigor, elegância e sutileza que se vê no
diálogo entre homens públicos ou mesmo nos artigos de opinião publicados
em jornais e revistas. Aliás, nos dois lados do Atlântico, a ironia é um
recurso cada vez menos usado porque todos temem que o auditório não a
compreenda e, pior, que leve tudo ao pé da letra.
Foi pensando nisso que Maria Luísa Malato, doutora em Letras
e professora de Metodologia e Retórica da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, e Paulo Ferreira da Cunha, doutor em Direito e
professor de Metodologia e Filosofia do Direito e Direito Constitucional
da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, escreveram este
Manual de Direito & Retórica, que constitui uma resposta não só às
necessidades de estudantes de Direito como de candidatos a juristas ou
juristas mesmo.
Se já não estamos no tempo do advogado, orador e escritor
romano Cícero (106-43- a.C.), tampouco vivemos para ouvir as perorações
do jurista, diplomata e filólogo baiano Rui Barbosa (1849-1923), mas
pelo menos ouvimos pelas ondas do programa de rádio A Voz do Brasil
as inesquecíveis orações de outro ilustre baiano, Josaphat Marinho
(1914-2002), senador da República de 1962 a 1971 e de 1991 a 1999,
professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da
Bahia (UFBA) e da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB).
E, portanto, sabemos muito bem como deveriam se expressar, pelo menos em
tese, os nossos homens públicos.
Infelizmente, hoje, não são, na maioria, apenas os
recém-formados que se submetem ao obrigatório exame da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) que se exprimem mal por escrito ou oralmente.
São gerações que se expressam mal, quando não são tatibitates,
monossilábicas e até onomatopaicas. Substituem, muitas vezes, as
palavras por grunhidos ou gestos. Ou pelas tatuagens que exibem pelo
corpo. Tudo isso tem sido resultado não só de um ensino sucateado como
de uma televisão nacional que impõe construções padronizadas e um
sotaque majoritário que começa a destruir as variantes regionais. Sem
contar a invasão das palavras inglesas que vieram nas asas da
informática e das tecnologias importadas.
Porque oriundos desse estado de coisas, até juristas se
expressam com erros e deficiências, exibindo um Português claudicante.
Fala-se mal hoje por todo o Brasil – e não só nas tribunas, a começar
pelo presidente da República que, se tem lá qualidades que o tornaram o
mais popular dos nossos homens públicos em todos os tempos, é
sobejamente conhecido pela maneira rude como maneja o idioma, não se
eximindo nem mesmo de soltar palavrões se a platéia lhe parece
convidativa – o que, diga-se de passagem, constitui péssimo exemplo para
as novas gerações.
Se a ele se pode dar o desconto de não ter freqüentado os
bancos escolares por muito tempo e sentir azia sempre que se põe a ler
jornais, aos estudantes e, especialmente, aos utilizadores do Direito
não se pode admitir que não dominem regras de composição ou ignorem
noções básicas de gramática. “(...) se se claudica na exposição, se se
definha perante a contrariedade de um argumento adverso, não há discurso
dialógico, nem pode haver direito, que é triangulação de perspectivas.
De uma tese, de uma antítese, de uma síntese”, dizem os autores na
introdução deste Manual. |
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II |
Ainda que tenha sido expurgada da maioria dos cursos acadêmicos, assim
como o Latim – língua em que o Direito foi pela primeira vez pensado –,
a Retórica é imprescindível para quem quer (e precisa) escrever bem, o
que significa saber pensar e falar. Afinal, a Retórica ensina a
organizar o pensamento, a expor os argumentos e a dar ordem ao discurso.
Saber escrever é fundamental em qualquer profissão, mas há
duas em que não só é necessário saber escrever como saber escrever bem:
jornalista e advogado. É por isso que, antes da regulamentação da
profissão de jornalista no começo da década de 1970 – afinal, agora,
derrubada por juristas nada exemplares, tal a falácia de seus argumentos
–, a melhor preparação para quem almejasse se tornar um bom redator era
o curso de Direito. Não foram raros os juízes que, antes de prestar
concurso para a magistratura, e mesmo grandes advogados que, em seus
verdes anos, ganharam a vida na redação ou na revisão de grandes
periódicos.
Por isso, o que o estudante de Direito hoje deve dominar, em
primeiro lugar, é o que todo jornalista formado deveria obrigatoriamente
saber (até porque tem os quatro anos do curso para fazê-lo): usar com
mestria o discurso direto e o discurso indireto, já que o discurso
indireto livre, obviamente, deve ficar reservado àqueles que pretendem
exercitar as artes da ficção.
Saber fazer isso com precisão já é meio caminho andado para
quem terá de escrever uma peça jurídica. Se souber como fazer um lead,
ou seja, uma abertura que priorize o que de mais importante o juiz
precisa conhecer, já terá, então, alcançado grau de excelência, pois
nestes tempos de tribunais abarrotados de processos o meritíssimo nem
sempre tem tempo para ler toda a arenga. O resto é saber como encadear
os argumentos e arrematá-los com uma conclusão atraente.
É claro que, dizendo-se assim, tudo parece muito fácil. Por
isso, os alunos sempre perguntam: o que colocar entre a abertura e a
conclusão? A resposta, nesse caso, pode ser uma boutade à la
Ernest Hemingway (1899-1961), que, quando lhe pediram a receita para se
escrever um bom romance, disse que bastavam uma abertura e uma conclusão
atraentes. E o que colocar no meio? Coloca-se talento, acrescentou.
Isso é verdade, mas o talento, muitas vezes, pode ser
desperdiçado, se não houver quem o discipline. É quando a Retórica entra
em ação. Por isso, não devemos nos deixar levar por quem costuma dizer
que o argumento de seu opositor não passa de mera retórica. Essa é
resposta de quem não sabe que a Retórica é a ciência do bom uso da
razão, da ordem e da sistematização. O que ele quer dizer, na verdade, é
que o outro usa uma retórica vazia, ou seja, faz apenas um exercício de
oratória, centrada apenas no pathos, na emoção. |
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III |
Dizem os professores Malato e Cunha que a Retórica ensina-se com
exercícios, com exemplos, com treinamentos, com provas e exames. Por
isso, numa época em que pouco se escreve em sala de aula – talvez seja
por isso que os alunos chegam ao ensino universitário com tão pouca
familiaridade com o vernáculo –, o melhor professor de Português é
aquele que usa boa parte de sua aula para exigir exercícios práticos de
escrita. É claro que esse não é o melhor dos mundos para o professor que
vive a dar aulas para classes superlotadas – com mais de 60 alunos –,
pois terá de passar o resto do dia ou da semana a corrigir textos, mas
não há outra saída: só aprende a escrever quem escreve. De preferência,
todos os dias.
Lembram ainda os autores que a Retórica leva-nos a uma
situação comum entre o Direito e a Literatura, “Em ambos, a Retórica só
funciona se for esquecida pelo receptor, se não exibir os seus preceitos
e lugares comuns, pelo menos de uma forma tão dominante que eles façam
esquecer o sentimento de ser convencido: trata-se, em grande parte, de
esconder os alicerces e os andaimes da construção retórica”, dizem,
lembrando que nenhum narrador começa um romance dizendo que tudo aquilo
não passa de um romance, pois, afinal, o mais convincente romance é
quase sempre o anti-romance. “Não se lê uma fábula questionando-se o
mundo em que os animais falam ou usam colete ou talheres: pois não vivem
eles num tempo em que os animais falavam?”, acrescentam.
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IV |
Com mais de dois mil e 500 anos, a Retórica evoluiu, ao longo dos
séculos, e mudou de nome: hoje, ela pode ser também conhecida como
Lógica, Dialética ou Arte Oratória. E confunde-se, muitas vezes, com a
Gramática e a Poética. Aliás, as figuras de linguagem ou de estilo
passaram a ser objeto da Estilística, outra filha tardia da Retórica,
mas também são estudadas nas disciplinas Comunicação e Expressão e
Leitura e Interpretação de Textos. Mais recentemente, a Retórica
dissolveu-se nas teorias da Comunicação, de que o Marketing é o melhor
exemplo.
Tudo isso explica esta feliz união de esforços de dois
professores de áreas aparentemente distintas, embora irmãs e
extremamente íntimas – não esqueçamos que, a partir do século XVIII,
quase todos os nossos melhores poetas eram bacharéis em Leis. Portanto,
este livro vem ocupar um vazio na especialização acadêmica e prática de
juristas e humanistas tanto em Portugal como no Brasil. E deveria fazer
parte das bibliotecas de todos os cursos de Direito dos dois países.
Mais: como manual, deveria mesmo ficar à mão do estudante –
e ser levado vida afora –, pois traz uma lista de verdadeiros argumentos
(em latim, na maioria), ou de brocardos ou locuções que funcionam como
tais que podem ser usados em várias situações.
Um deles, neste livro citado à pág.61, li, certa vez, num
documento que consta do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT, Real
Mesa Censória, caixa 36 (1799), 16/8/1799): Amicus Plato sed majus
amicus veritatem ou Amicus Plato, sed magis amica veritas
(Platão é meu amigo, mas a verdade é mais minha amiga). Foi escrito pelo
censor Francisco Xavier de Oliveira para justificar os vetos que fazia a
alguns versos de Bocage (1765-1805), de quem se dizia amigo e admirador
de seu talento. |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). É professor-titular do curso
de Direito da Universidade Paulista (Unip) e de Jornalismo Impresso da
Universidade Santa Cecília (Unisanta), de Santos-SP.
E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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