Patrícia Rehder Galvão (1910-1962), nascida em São João da
Boa Vista, interior do Estado de São Paulo, foi jornalista, escritora,
animadora cultural e militante política. Como jornalista, trabalhou no
Diário da Noite, A Fanfulla, Diário de S.Paulo, Correio da Manhã, A
Tribuna, de Santos, e Agência France Presse, em São Paulo. Sua formação
intelectual e política deu-se mesmo na década de 1930. Mas, como foram
os anos 30?
Ao contrário do que se diz, a chamada Revolução de 30 foi um
golpe militar como outro qualquer e não constituiu revolução social
nenhuma. Foi apenas uma rearrumação das elites no poder. Assim, os
cafeicultores paulistas, que haviam sugado as tetas públicas durante
toda a República Velha (1889-1930), tiveram de dar lugar também a
oligarcas de outros Estados, enquanto Getúlio Vargas levava para o
Palácio do Catete o modelo de governo implantado por Júlio de Castilhos
(1860-1903) no Rio Grande do Sul por 30 anos que serviu para configurar
o Estado Novo, de índole positivista.
Algumas conquistas foram obtidas pelos trabalhadores à
época, mas nada há que prove que, se a República Velha tivesse durado
mais quinze anos, esses avanços não teriam acontecido. A rigor, o Brasil
continuou o mesmo país atrasado, com legiões de excluídos e analfabetos.
Para piorar, o getulismo representou a quebra da ordem constitucional. E
logo se transformou em ditadura sem qualquer disfarce, com perseguições
a seus desafetos.
A jovem Patrícia Galvão levantou-se contra isso, aderindo ao
Partido Comunista do Brasil (PCB), que, como sempre, nunca passou de uma
seita, sem qualquer perspectiva de empolgar as massas e alcançar o
poder. Iludida, como ativista política e membro do PCB, ela combateu a
ditadura de Getúlio Vargas, o que lhe valeu 23 prisões. Depois da
Segunda Guerra Mundial, ao visitar Moscou, desiludiu-se com o comunismo
soviético, rompeu com o PCB, passando a defender um socialismo de linha
trotskista.
Lúcia Teixeira, no livro Croquis de Pagu e outros momentos
felizes que foram devorados reunidos (Editora Cortez/Unisanta, 2004),
reproduz um trecho do panfleto “Verdade & Liberdade” em que Pagu diz:
“(...) Dos vinte aos trinta anos, eu tinha obedecido às ordens do
Partido. Assinara declarações que me haviam sido entregues, para assinar
sem ler (...). Mas, não haviam conseguido destruir a personalidade que
transitoriamente submeteram. E o ideal ruiu, na Rússia, diante da
infância miserável das sarjetas, os pés descalços e os olhos agudos de
fome. Em Moscou, um grande hotel de luxo para os altos burocratas. Na
rua, as crianças mortas de fome: era o regime comunista...”
Pagu publicou os romances Parque Industrial (edição da
autora, 1933), sob o pseudônimo Mara Lobo, considerado o primeiro
romance proletário brasileiro, e A Famosa Revista (Americ-Edit, 1945),
em colaboração com Geraldo Ferraz (1905-1979). Parque Industrial foi
publicado nos Estados Unidos em tradução de K. David Jackson em 1994
pela University of Nebraska Press.
Seus contos policiais, escritos àquela época sob o
pseudônimo King Shelter e publicados originalmente na revista Detective,
dirigida pelo dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980), foram reunidos em
Safra Macabra (Livraria José Olympio Editora, 1998). Em 1950, já
desiludida com o PCB, saiu candidata a deputada estadual pelo Partido
Socialista Brasileiro, sem ter sido eleita. A essa época, publicou em
edição própria Verdade & Liberdade, panfleto de propaganda política em
que denuncia os totalitarismos comunista e fascista, defendendo um
socialismo democrático.
Em sua fase madura, como animadora cultural, revelou e
traduziu grandes autores até então inéditos no Brasil como James Joyce,
Eugène Ionesco, Arrabal e Octavio Paz. Teve um trabalho marcante como
incentivadora do teatro amador, especialmente em Santos, onde trabalhava
no jornal A Tribuna, cuja redação era dirigida por seu marido, Geraldo
Ferraz.
O apelido Pagu foi-lhe dado pelo poeta modernista Raul Bopp
(1898-1984), autor de Cobra Norato, que imaginou que seu nome fosse
Patrícia Goulart. Ela mesma inventou muitos pseudônimos para si, como
Zazá, Gim, Solange Sohl, Mara Lobo, Pat, Pit e Leonie.
O cinema brasileiro já homenageou Pagu várias vezes: além de
documentário de Rudá de Andrade, há o filme Eternamente Pagu, dirigido
por Norma Benguell, no qual ela foi interpretada por Carla Camurati.
Patrícia Galvão aparece também no filme O Homem do Pau Brasil, de
Joaquim Pedro de Andrade, e foi tema do documentário Eh, Pagu!, Eh!, de
Ivo Branco.
Lúcia Teixeira lembra ainda, em seu livro, que os anos de
prisão, tortura e perseguição deixaram muitas marcas em Pagu, o que a
levou a tentar o suicídio duas vezes — a primeira, em 1949, quando deu
um tiro na cabeça, durante estada na casa do artista Flávio de Carvalho,
em São Paulo; e a segunda, em setembro de 1962, quando, diagnosticada
com câncer nos pulmões, foi a Paris submeter-se à cirurgia no Hospital
Laennec.
Com o fracasso da operação, “ao antever o sofrimento e a
morte iminentes, atira no próprio peito”, escreve a autora. Mais uma
vez, sobreviveu. Retornou, então, para Santos, onde morreu em dezembro.
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